O que a compra do Twitter por Elon Musk pode significar para os usuários, a democracia e a sociedade

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  • Da Redação

Publicado em 1 de maio de 2022 às 11:11

- Atualizado há um ano

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Foi notícia mundial o anúncio de que Elon Musk, o homem mais rico do mundo, teve sua proposta de compra aceita pelo Conselho do Twitter, numa transação de US$ 44 bilhões. Tanta repercussão não se deve apenas ao tamanho desta cifra, mas, principalmente, ao papel central que esta rede social tem na nossa sociedade. Ao ver esta notícia, todos se perguntaram quais as consequências de um bilionário irascível  passar a mandar numa plataforma usada gratuitamente por mais de 200 milhões de pessoas ao redor do mundo. 

As consequências podem ser várias em diferentes searas, mas aqui me interessa analisar especialmente o que pode acontecer para os usuários, para a democracia ocidental e para a sociedade como um todo.

Primeiramente, vale entender o que efetivamente aconteceu. Até o momento, há apenas um aceite por parte da direção do Twitter, sem maiores efeitos práticos imediatos. A proposta de Musk ainda precisa ser aprovada pelas instâncias de governança do Twitter, como a assembleia de acionistas, e por órgãos de controle, como a SEC, e, só então, podemos dizer que a plataforma estará sob nova direção. Este processo deve durar até 6 meses e, apesar de ser possível que a negociação caia, isso é muito pouco provável. 

Elon Musk deseja comprar as ações dos acionistas que quiserem vender, para assumir o controle da empresa e fechar o seu capital. Ele não seria o único dono da plataforma, mas seria seu controlador e não precisaria prestar contas ao mercado financeiro, pois o Twitter pararia de ter suas ações negociadas em bolsa. Aqui, já temos uma primeira consequência desse movimento.

Empresas listadas em bolsas são chamadas de empresas públicas, e precisam cumprir regras de governança e transparência muito maiores que empresas privadas (que não são listadas em bolsa). Atualmente, a cada três meses, o Twitter precisa anunciar seu desempenho financeiro e operacional, indicar em que está apostando, com quem tem conversado, entre outras coisas. Quando a proposta de Musk for aceita, isso deixará de existir. Ou seja, teremos menos órgãos de controle com ingerência sobre o Twitter e menos obrigação de prestação de contas por parte da empresa, o que pode ser ruim para a sociedade, já que a pressão atual é para que as plataformas sejam mais transparentes em relação ao seu funcionamento.

Por outro lado, Elon afirmou que vai tornar o algoritmo do Twitter público, a fim de permitir que todos saibam como a rede define quais conteúdos serão distribuídos e para quem. Isso pode parecer uma boa notícia, já que a opacidade dos algoritmos é uma das críticas atuais às redes sociais, mas pode servir muito mais para que grupos extremistas descubram como usar o algoritmo a seu favor, do que para que a sociedade civil sugira mudanças ou aponte riscos. Um algoritmo como o do Twitter não cabe num tweet e não é fácil de entender. São milhões de linhas de códigos que formam um sistema complexo que demanda muita expertise para ser compreendido, expertise essa que propagadores de discursos de ódio têm desenvolvido numa velocidade maior que outros atores da sociedade. Ou seja, tornar o algoritmo público pode atrapalhar antes de, talvez, começar a ajudar.

Outra promessa de Elon Musk é de que haverá total esforço para promover a liberdade de expressão na plataforma, para fortalecer a democracia. Entretanto, o bilionário tem uma visão mais libertária do que liberal sobre o tema, o que quer dizer uma maior tolerância a discursos de ódio, muito próximo de um vale-tudo verbal. Isso pode favorecer líderes populistas, que hoje têm parte de sua atuação limitada pelas regras das plataformas, com impactos nos ciclos eleitorais e no pleno funcionamento das instituições democráticas. Se o Twitter virar um palco livre para ofensas, ameaças e circulação de conteúdo inverídico, a democracia ocidental tende a se enfraquecer. 

Por exemplo, parece ser improvável que um Twitter liderado por Musk suspendesse a conta de Donald Trump. Na visão de Elon, fazer isso seria um atentado à democracia, pois privaria um líder democraticamente eleito de uma importante ferramenta de comunicação social.

E aí chegamos num debate que pode se acelerar com a compra do Twitter. Vários legisladores ao redor do mundo alertam para um possível excesso de poder das grandes plataformas. Isso fica ainda mais evidente quando uma grande plataforma passa a ser controlada por uma pessoa intempestiva e irascível como Musk. Ou seja, é muito provável que sejam aceleradas as discussões sobre regulação destas empresas.

Recentemente, a União Europeia aprovou o Digital Service Act, que aumenta a responsabilização das Big Techs sobre os conteúdos que circulam nas suas plataformas. Há uma discussão semelhante na Câmara brasileira e no congresso canadense, por exemplo. Mas, apenas uma legislação americana teria o poder de impactar de forma relevante o papel destas plataformas no nível global.

Pode ser que a compra do Twitter por Elon Musk precipite essa discussão no Congresso americano (ainda) com maioria democrata. E essa regulamentação pode tocar pontos para além da disseminação de conteúdos, como a monetização do jornalismo profissional, as práticas de concorrência desleal e as obrigações e regras a serem cumpridas por seus acionistas. Ou seja, pode-se colocar em pauta soluções sistêmicas (legais) para controlar o poder que um bilionário excêntrico pode ter ao comprar uma big tech.

No meio de todas estas discussões estamos nós, os usuários comuns do Twitter. O que se espera é que haja mudanças na plataforma para que ela possa brigar de frente com o Facebook e o TikTok, por exemplo. O Twitter tem 10% dos usuários das plataformas da Meta, antigo Facebook, e já perde para plataformas novas, como a Roblox, nesse quesito e em tempo de uso. Além disso, tem números financeiros humildes se comparados com seus colegas de categoria: o Twitter fatura 50 vezes menos do que o Google e 94 vezes menos que a Amazon.

Musk precisará mudar essa situação, até por que precisará ter de volta o dinheiro que está se dispondo a pagar pelo Twitter. Apesar de ter um patrimônio superior a US$ 250 bilhões, Elon não tem US$ 44 bilhões em cash para fazer a compra. Para juntar esse dinheiro, ele pediu uma linha de crédito a um pool de bancos, e inclusive colocou parte das suas ações na montadora Tesla como garantia. Fazendo um paralelo com uma realidade mais próxima, é como se alguém decidisse comprar um negócio e pedisse um crédito pessoal no banco e também hipotecasse a própria casa para reunir o dinheiro que precisa. No jargão do mercado financeiro, essa é uma operação alavancada, que é um nome bonito para dizer que o comprador está fazendo dívida. E dívidas precisam ser pagas, mesmo se você for um bilionário.

Ou seja, Musk vai precisar gerar mais receita com o Twitter. Isso pode ser feito no modelo usado pelo Facebook, por exemplo, em que a receita é gerada pela venda de anúncios ultra segmentados, ou no modelo do LinkedIn, em que os usuários pagam para ter acesso a recursos especiais. Em qualquer cenário, é provável que o Twitter precisará atrair mais usuários e retê-los por mais tempo. Isso significa que a plataforma deverá se tornar mais atraente, agradável… viciante. Teremos mais um player disputando nossa atenção ao longo do dia, com pouco pudor sobre os reflexos disso na sua saúde mental, por exemplo.

Fiz aqui um exercício especulativo de projeção e análise de cenários, que deve ser refeito e ajustado ao longo do tempo, mas estas conclusões preliminares devem ser levadas em conta, sobre a necessidade de se regular as grandes plataformas, para que elas sejam mais responsabilizadas por suas ações, e é preciso que órgãos de controle fiquem atentos se uma postura libertária no Twitter não reforçará a espiral de polarização que temos visto nos últimos anos.  

Lucas Reis é Doutor em Comunicação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), presidente da Associação Baiana do Mercado Publicitário (ABMP) e CEO da Zygon Adtech

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