O sequestro da Lavagem do Bonfim

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  • Ana Pereira

Publicado em 16 de janeiro de 2019 às 14:00

- Atualizado há um ano

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Há muitos e muitos anos atrás, o povo preto da cidade de Salvador, muitos deles de Santo, sabendo que a sua religião nunca foi bem vinda nessa terra, resolveu homenagear Oxalá no mês de janeiro, utilizando para tanto a festa do Senhor do Bonfim. Esse Santo dos cristãos tinha alguma semelhança com Oxalá, o pai da criação, e o povo preto e de Santo foi lavar a sua igreja, não o adro, como é feita hoje a lavagem, mas o interior da mesma. 

Com o passar do tempo, os padres proibiram essa lavagem do interior da igreja e o povo preto e de Santo passou a lavar o adro externo da mesma.Todos os anos, na segunda quinta-feira do mês de janeiro, esse povo saia bem cedo da frente da igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, com suas saias rodadas, seus vasos de flores e águas perfumadas e suas carroças e ia até o Bonfim  lavar o Santo ou seja, realizar a cerimônia das águas de Oxalá. Eu penso é isso.

Com o tempo, essa festa tornou-se popular e mais gente acompanhava as baianas e seu cortejo. Chegando na igreja, pediam para que as águas perfumadas também fossem derramadas em suas cabeças, em um ritual de purificação. Há alguns anos atrás, um padre carismático da igreja de Nossa Senhora da Conceição inventou de realizar um culto ecumênico antes da saída do cortejo. E assim começou a cristianização da festa do povo de Santo.

 Há poucos anos atrás, outro padre carismático, esse agora dirigente da igreja do Senhor do Bonfim, reuniu seus fiéis carismáticos, vendeu a eles camiseta, viseira, água e água benta. Até hoje me pergunto: para que essa água benta? Pegou uma imagem do Senhor do Bonfim enrolada em fita, em uma espécie de andor bem alto e passou na frente do povo de Santo, abrindo o cortejo. Atentei no que estava escrito nas camisetas que os católicos vestiam e estava escrito assim: "Lavagem do corpo e da alma".

No último ano que assisti a lavagem, presenciei algo insólito. Quando as baianas, que agora esperam o cortejo católico chegar à colina, começaram a lavar o adro, o padre abriu uma janela no alto da igreja e mostrou a imagem do Senhor do Bonfim. Vi muitas mulheres do candomblé parar de lavar o adro e estender as mãos para a imagem lá no alto da igreja.

Qualquer pessoa com o mínimo de discernimento percebeu a intenção dessa atitude. Lavar o adro homenageando Oxalá ou adorar o Senhor do Bonfim do alto da igreja?

Mãe Stella, Odé Kayode, nossa querida e saudosa sempre Mãe, alertou sobre os perigos do sincretismo para o povo de Santo.

Esse ano, tentei num último recurso, sugerir aos acadêmicos dos terreiros que pusessem a imagem de Santo Antônio, carregada pelos filhos e filhas de Ogum, a frente da imagem do Senhor do Bonfim e do cortejo católico, pois sincretismo por sincretismo,  OGUM, que carrega Oxalá, tem todo direito de ir à sua frente, carregando-o simbolicamente, e aí o povo de Santo reassumiria o seu lugar no cortejo.

Pelo silêncio até agora sobre a minha sugestão, acredito que sou voto vencido.

Porém, tenho certeza que um filho de Ogum, que todos os anos acompanhava o cortejo com as suas tradicionais “baianas”, apoiaria a minha sugestão e de onde ele está, ele e o seu Pai irão dar um jeito nisso.

Ogunhê, Patacuri.  

*Ana Celia da Silva é Professora titular aposentada da UNEB

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