O trauma nacional

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  • Nelson Cadena

Publicado em 18 de maio de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

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A menos de 30  dias do início da Copa do Mundo na Rússia, já se percebe o tamanho da fratura, o trauma nacional que não foi superado e deverá ter sequelas, quem sabe, durante mais uma geração, tomara que não. É um belo tema para os psicólogos e acadêmicos da área. Pena que o Brasil não se interessa pela pesquisa científica, se não hoje teríamos algo consistente em termos de uma radiografia das emoções e percepção dos brasileiros sobre o assunto. O que o leigo pode assimilar, na base do achismo e de sua percepção pessoal, é de um desinteresse pela Copa do Mundo e pela Seleção Brasileira como nunca houve neste país.

Quando cheguei no Brasil, em 1973, não estava nem um pouco interessado nessas questões futebolísticas, mas me vi envolvido numa corrente humana que eu não compreendia, mas sabia que não podia ignorar, durante os jogos da Copa de 1974. Estava em Natal (RN) e a minha vivência foi a de assistir os jogos nos aparelhos de TV, das vitrines das lojas, em meio a uma multidão. Finalizados os jogos, com resultados favoráveis ao Brasil, intensificava-se o foguetório e a pacata cidade testemunhava carreatas com centenas de carros, regadas a muito álcool e alimentadas com os hinos de exaltação dos jingles de Miguel Gustavo (Para a frente Brasil) e outros que a mídia já popularizara. As bandeiras e camisas dominavam o cenário, eu mesmo fui presenteado com uma que vesti com muito orgulho.

De lá para cá, mesmo nos momentos de derrota que foram muitos, a Copa de 74 aqui referida é um exemplo disso, nada abalou a moral dos brasileiros em relação a sua seleção que com a mística de melhores do planeta, construída no inconsciente coletivo com a conquista de três Copas do Mundo - logo mais seriam quatro e cinco - fortaleceu o nosso sentimento de invencibilidade e construiu um orgulho que parecia inabalável. O marketing encarregou-se de alimentar esse sentimento com uma overdose de mídia em torno da Copa que ia de janeiro a julho. Em 1990, lembro, o Carnaval da Bahia, como o do Rio de Janeiro, foi irrigado por essa onda verde-amarela.

O edifício emocional do orgulho pátrio começou a ruir na Copa das Confederações de 2013 quando os brasileiros tiveram a percepção das roubalheira e do desperdício na construção dos estádios e se sentiram humilhados com a empáfia da Fifa e suas regras que desconstruíam nosso próprio patrimônio cultural; na Bahia, quase que as baianas de acarajé foram banidas para não contrariar os Mac Donald’s da vida. As passeatas e vaias às autoridades nos estádios, a presidente Dilma foi xingada sem pena nem dó, alimentaram esse desabafo coletivo, um sentimento represado de quem foi iludido com o que se dizia era um legado e as evidências já mostravam não existia legado nenhum. Quem entrou em cena depois foi o delegado.

No ano seguinte, a percepção da corrupção que norteou todo o processo da escolha do Brasil como sede da Copa e da construção do “legado”, os elefantes brancos, com o protagonismo de políticos e dirigentes da Fifa que cobraram e receberam propinas e de empreiteiras e outros fornecedores diretos ou indiretos, associados a esse projeto de quadrilha, tudo isso criou mais uma fissura no emocional coletivo do Brasil. O desmonte definitivo ocorreu no fatídico 8 de julho de 2014 quando o Brasil foi surrado, espancado, humilhado perante o mundo pela Alemanha no inesquecível 7X1.

E esse inesquecível é a origem de trauma que pelo que se afere nas ruas e na mídia está longe de ser superado. Uma improvável vitória da Seleção na Copa da Rússia, tenho a impressão de que apenas amenizaria o quadro. A questão é que o orgulho nacional se transformou no trauma nacional.