Olha elas! As baianas que escolheram a carreira e sabem como ganhar dinheiro

Mulheres traçam rota no empreendedorismo e contam histórias de sucesso

  • Foto do(a) author(a) Fernanda Santana
  • Fernanda Santana

Publicado em 8 de março de 2018 às 03:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Das idas nos fins de semana a São Paulo, onde fazia pós-graduação em gestão de finanças, Roberta Badaró saiu uma nova pessoa. Ou, pelo menos, foi da terra da garoa que voltou a Salvador como uma empresária. A irmã, Flávia, já morava na capital paulista e a recebia nos dias de aula. Daí, infelizes com os empregos em agências de comunicação e empreendedoras por instinto, surgiu a questão: “Por que não abrir o próprio negócio?”. Mas não qualquer negócio: uma empresa lucrativa.

Assim como as irmãs, outras mulheres baianas se jogam sem paraquedas no empreendedorismo. E o dinheiro, ao chegar em terra firme, é o principal prêmio.

As irmãs Badaró apostaram no mercado de alimentos para empreender e fazer da independência o ganha-pão. Criaram, em 2009, a Dolce Vila, hoje com duas lojas e uma fábrica de distribuição de tortas, doces e salgados em Salvador.

Na aba da cafeteria, e sob coordenação da dupla, estão 39 funcionários. Quase todos, inclusive, mulheres. “Só tem um motorista e, agora, mais um colaborador na produção. O resto é tudo mulher”, conta Roberta. E a união feminina fez a diferença na Dolce Vila. Roberta e Flávia Badaró na Dolce Vila (Foto: Marina Silva/CORREIO) Foi a mãe das irmãs quem, ao vê-las preparar as comidas na cozinha da casa onde moravam, avisou: “Está na hora de crescer”. Cresceram, estudaram e se firmaram como empresárias do ramo. Acreditam, inclusive, que o propulsor dos lucros e do sucesso tenha sido a profissionalização, por meio de cursos e pós. A receita da empresa é mantida em sigilo, mas Roberta garante que a veia empreendedora pulsa forte na hora de tomar decisões.“Hoje, tomamos várias decisões baseadas na pergunta: ‘É rentável ou não?’. A gente também se pergunta sempre: “Como podemos ganhar mais?”, conta Roberta.A negativa da dupla não impede a constatação de que as baianas miram o sucesso por meio do empreendedorismo e viram as costas contra o machismo que prega: “Mulheres só querem gastar dinheiro”.

A Superintendência de Estudos Econômicos da Bahia (SEI) aponta que 39 mil baianas empreendem no estado, um aumento de sete mil pessoas entre 2016 e 2017. Ainda segundo estudo da SEI, a importância do trabalho com carteira assinada para mulheres caiu de 46,6% para 44,3%.

Intuição pioneira Na linha de frente da Physio Pilates, a gaúcha-baiana Alice Becker é uma dessas mulheres que sabem empreender e ganhar bem pelo que faz. A bailarina, empresária e professora traz a inovação como marca da sua trajetória: trouxe o Pilates dos Estados Unidos, em 1991, para Salvador.

A rainha do Pilates, 27 anos depois, ainda colhe os frutos do pioneirismo: tem duas escolas de formação de professores e alunos, em Ondina e na Pituba, e uma fábrica de produção de equipamentos, em Simões Filho. O sucesso, no entanto, resultou mesmo do esforço. “Só dou 100% de mim. Acaba que eu vou me envolvendo com as coisas, quando acho que elas devem melhorar”. Alice Becker em seu estúdio (Foto: Divulgação) O compartilhamento das decisões também é lembrado como um símbolo por Alice. “Hoje, o universo está todo conectado. Ou a gente une força, para ter o mínimo de expressividade, ou você fica realmente sem nada”, defende.

A divisão de tarefas é, inclusive, um dos segredos de Flávia Santana, criadora do Instituto de Beleza Essência Cachos (Ibec), especializado em produtos para cabelo crespo, em 2013. Sem encontrar cremes adequados para os fios, ela e o marido, Jorge Reis, viram na ausência uma oportunidade. E, no bairro da Liberdade, decidiram criar o centro.

A empresa, hoje, tem parcerias em Camaçari, Alagoinhas, Candeias, São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Itaperuna e Angola. “Para isso, foi preciso conhecimento, você não pode estar satisfeita com o que você sabe e querer aprender sempre mais. O cliente é exigente, é preciso de técnica”, diz ela, formada em Enfermagem. Mas, para ela, mulher e negra, os desafios impostos foram muitos. Diferentemente de Alice e Roberta, que afirmam não se lembrar de episódios de preconceito de gênero, Flávia batalhou em dobro.“No início foi um pouco hostil, a menina da trança olhava torto, o barbeiro, o salão para cabelo liso. Na obra, tinham homens que queriam fazer o que bem entendessem, e eu sempre cheguei junto. Já é difícil ser mulher e preta mais ainda”, desabafa.Hoje, instituto erguido, fatura entre R$ 60 mil e 85 mil bruto mensal devido as variáveis. Os preconceituosos tentam renegar, enquanto Flávia voa. Flávia Santana fundou empresa especializada especializada em cabelos crespos (Foto: Almiro Lopes/CORREIO) O empreendedorismo feminino Os projetos bem sucedidos de inúmeras Alices, Flávias e Robertas em Salvador surgiram todos de uma ideia. Na Bahia, 210,2 mil mulheres possuem o registro de Microempreendedor Individual (MEI) no estado; em Salvador, são 219,2 mil. O registro, feito gratuitamente no Sebrae por meio de agendamento no site da entidade, é o primeiro parâmetro de possíveis novas grandes iniciativas. 

É também preciso um cuidado: pequenos negócios podem não ser tão pequenos quanto se pensa. A Lei Simples Nacional (Receita Federal) prevê que o rendimento anual de uma pequena empresa seja de R$ 4,8 milhões (R$ 40 mil por mês); de uma micro empresa R$ 360 mil anualmente; e do microempreendedor individual de R$ 81 mil por ano (R$ 6.750 mensais). Já a classificação para considerar uma empresa grande leva em consideração o número de funcionários. No caso do terceiro setor (comércio e serviços), a quantidade deve ser maior de 100; para empresas da indústria, são necessários mais de 500.

Há 10 anos no Sebrae, e espectadora direta do protagonismo econômico feminino, Fernanda Pelegrini acredita que, independemente da diferenciação, a mulher tem avançado porque mudou sua concepção do mundo dos negócios.“A gente já consegue perceber que a mulher está com uma percepção mais afinada. Hoje, por exemplo, ela sabe que precisa ter rede social, atendimento qualificado com o cliente. E, do outro lado, o aumento da concorrência também a instiga”, detalha Fernanda. Fernanda Gretz Peligrini, gerente de atendimento individual do Sebrae, acompanhou trajetórias de sucesso (Foto: João Alvarez/ASN/Divulgação) Antes, a mulher também era excluída das discussões sobre empreendedorismo, o que dificultava. Agora, ela se reposiciona a todo tempo na pirâmide. Segundo estudo da Rede Mulher Empreendedora (RME), divulgado este ano, a cada 100 empresas abertas no Brasil, 52 são lideradas por mulheres. Há, ainda, outra questão por trás dos negócios de sucesso: a capacitação. 

Nas salas de aula da Ufba, a professora Tânia Benevides empreendeu uma luta para pautar problemáticas como o machismo. Conseguiu apenas no segundo semestre de 2016, quatro anos depois. A virada de mesa a faz pensar o quanto a formação pode impulsionar os lucros e sucesso de mulheres.

“As mulheres, com acesso à educação, na universidade ou não, podem se tornar grandes empreendedoras”, acredita. A hipótese pode ser comprovada em números: na Bahia, justamente quando o empreendedorismo entre a população feminina ganha mais força, dos 486 mil universitários, 322 mil são mulheres. A professora Tânia Benevides teve dificuldade de tocar projeto contra machismo na Ufba (Foto: Divulgação) A capacitação é incentivada pela Secretaria de Política para Mulheres da Bahia, que traz, como uma das frentes, a questão da autonomia financeira. A pasta planeja oficinas, cursos e editais para mulheres empresárias ou com planos de abrir o negócio próprio.

Em 2017, foram 10 projetos contemplados, com um total de R$ 200 mil investidos, pelo edital Março Mulher. Este ano, o fomento a iniciativas de mulheres contemplou 13 das 112 inscritas, com liberação de R$ 400 mil, segundo a coordenadora de autonomia, Michele Fraga. 

Desafio  A balança do empreendedorismo, apesar dos avanços, ainda está desequilibrada entre os gêneros. Os homens envolvidos em atividades autônomas, mostra a análise da SEI divulgada na última terça-feira (6), ganham 35,1% a mais (R$ 1.218) que as mulheres autônomas (R$ 817), na Bahia. Também os homens empreendem mais que a população feminina: no estado, eles representam 53% do total de micro empreendedores (447.316). 

O indicador, embora não mostre o rendimento por sexo em pequenas e grandes empresas, já oferece uma amostra do universo em que a mulher precisa se arriscar caso queira empreender. O comparativo da participação de homens e mulheres em iniciativas empreendedoras, no entanto, não deve ser o fio condutor da discussão. Pelo menos segundo a professora de Empreendedorismo, Morjane Armstrong, as mulheres devem “focar em suas habilidades”.

“Eu falaria da mulher, independentemente de comparação. Sem necessariamente trazer a questão: ‘agora a gente está por cima’. Por que não fazer uma análise lidando com a diversidade?”, instiga Morjane. Com ou sem paralelos, no que depender da disposição das baianas em crescerem com independência, a estatística do sucesso será uma linha ascendente.  É mulher e quer empreender? Veja dicas “A mulher que quer empreender precisa buscar informação, antes de tudo. É preciso colocar um primeiro pé no universo do empreendedorismo para saber o que ele demanda. Antes de pensar: ‘vou investir nisso’, você tem que se conhecer o campo para saber se é o que você quer” - Morjane Armstrong, professora de Empreendedorismo e Inovação “Independentemente da educação formal, a mulher tem que buscar conhecimento. Eu acho que, se não tiver sustentação, isso deixa a mulher, que é ainda mais vulnerável, por várias questões, frágil. Penso que boas ideias são resultadas de aprendizagem. Você precisa entender o que está sendo gerenciado, é preciso se manter em um processo de aprendizagem contínua” - Tânia Benevides, professora de Gestão na Ufba e Uneb "Primeiro, a mulher tem que identificar uma identidade, porque ela vai trabalhar com aquilo diariamente. Depois, ela tem que verificar se essa ideia é uma oportunidade de negócio. No Sebrae, ela pode simular cenários (Radarsebrae.com.br). E aí, sugerimos que ela também faça um plano de negócios, simulando como vai ser o negócio no papel. Se ela verificar que é viável, ela começa a investir" - Fernanda Pelegrini, gerente de atendimento individual Aprenda com quem já empreendeu “A primeira coisa é: decida se você quer, porque o caminho é árduo. O que eu acho e o que eu percebo é que, quem abre um negócio, acha que a vida vai mudar, que vai ter tranquilidade. Você vai trabalhar muito. Não ter medo de recomeçar. Você foi por esse caminho, tá errado, você parte para outro. Depois, tem que ter muita profissionalização, planejamento. Tem que lembrar do erro, para não fazer de novo” - Roberta Badaró, sócia da Dolce Vila "Eu acho que as mulheres precisam se acreditar mais. A mulher foi ensinada de que ela é menos do que o homem só pelo fato de ser mulher. E isso vem de berço, é muito difícil tirar isso. As mulheres precisam acreditar que elas são retadas, capazes de serem melhores que os homens, se quiserem. Elas precisam acreditar nisso, não precisam ser, não precisa existir essa competição de ser ou não, mas elas precisam acreditar que, se quiserem, elas podem" - Alice Becker, bailarina e empresária.