'Olhares racistas mexem com nossa saúde mental', diz Baco Exu do Blues

Leia a entrevista com o aclamado rapper baiano que estreia no Festival de Verão, no sábado (1º)

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  • Laura Fernades

Publicado em 28 de janeiro de 2020 às 05:50

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Roncca/Divulgação

Negro, gordo e nordestino, o rapper baiano Baco Exu do Blues, 24 anos, se acha bonito, poderoso, invencível e não hesita ao dizer que “a sociedade não tem interesse em deixar de ser racista”. Artista que está entre os mais relevantes dos últimos anos, no Brasil, esgotando os ingressos por onde passa, Baco leva seu discurso de autoafirmação para o show de estreia que apresenta no Festival de Verão (FV20), no sábado (1º).

Além de exaltar a negritude, Baco denuncia os que querem transformar o negro na “pele do crime” e comemora o fato de voltar para o FV20 como atração daquele que foi “um dos primeiros grandes festivais que fui na minha vida”. Em entrevista ao CORREIO, o rapper conta como será o show e fala sobre o papel da arte contra o racismo.

Além disso, faz o alerta para os efeitos devastadores do preconceito. “Quando você perde a liberdade de sair de casa e ser olhado como uma pessoa normal mas, sim, é olhado como um criminoso ou uma ameaça para as pessoas à sua volta, os olhares racistas mexem com nossa saúde mental”, revela. Confira. Baco está preparando um terceiro álbum (Foto: Roncca/Divulgação) Essa será sua estreia no Festival de Verão, evento que tem quase sua idade. Como era sua relação com o FV antes de virar artista e o que representa participar de um evento como esse? Já fui em dois Festivais de Verão como público e foi um dos primeiros grandes festivais que fui na minha vida. Poder retornar uma terceira vez como atração vai ser muito doido, tipo olhar para o público e saber que pode ter outra pessoa igual a mim, que tem um sonho e pode se ver representado em mim, ali.

Pode nos contar como será seu show no festival? O repertório vai ser o Bluesman com Esú, a gente vai levar a rapaziada do 999, que é o meu selo, e ‘vamo’ fazer um show lindo.

Há menos de uma semana, você fez uma postagem no Instagram com a legenda “grande jovem negro em transição tenho me achado lindo e invencível”. Amplificar esse discurso de autoafirmação - muito presente em suas letras - faz parte de seu papel como artista? Não sei se beira a parte do meu papel como artista, mas beira o meu papel como pessoa. Como pessoa, além de artista, eu represento alguns nichos: a questão do negro, a questão do gordo, a questão do baiano, do nordestino também.Então, quanto mais eu consigo me autoafirmar, me achar bonito, me achar invencível, me achar poderoso, mais eu consigo fazer com que pessoas semelhantes também se sintam nesse lugar.Em entrevista recente, você falou “querem que nossa pele seja a pele do crime”. Como você acredita que a arte pode contribuir para mudar isso? Acho que a arte é uma das formas de mudar isso, até porque a nossa referência de preto fora do crime, midiaticamente falando, são os artistas, né. A mídia faz um desfavor muito grande ao só mostrar o negro, quando não é no papel das artes, como um vilão, como um criminoso, como um chulo, como um burro. Acho que não só a arte, mas tudo tem que mudar, saca? Os papéis de representatividade, a forma como se entrega as coisas.Tem que haver um cuidado de representar o negro de outras formas, de representar os negros trabalhando em trabalhos comuns também, pra não se criar o mito de que a única forma de ser negro e bem-sucedido é através da arte.Acho muito importante normalizar o fato da pele, saca? Credibilizar as pessoas negras que fazem trabalhos normais, como se credibilizam pessoas brancas que fazem trabalhos normais.

Você disse, recentemente, que o racismo transforma os negros em pessoas com saúde mental instável. Pode falar mais sobre isso? Quando você nasce e cresce em uma perspectiva de que, através da TV, dos jornais, do rádio, dos filmes, todos os personagens que se parecem com você estão no local de errado - porque é assim que fazem questão de abordar a temática negra durante muitos anos, no papel do feio, do burro -, você acaba trazendo isso para você e surtando com isso. Surtando por não querer ser esse papel que as pessoas te colocam.Quando você perde a liberdade de sair de casa e ser olhado como uma pessoa normal mas, sim, olhado como um criminoso ou como uma ameaça para as pessoas à sua volta, os olhares racistas mexem com nossa saúde mental.Acho que pouco a pouco isso vai minando sua autoestima, vai minando sua segurança, vai minando tudo. Então chega um momento que você simplesmente é uma grande energia defensiva, tipo: eu preciso me defender do mundo, em vez de vivenciar o mundo.

Acha que a sociedade está preparada para deixar de ser racista? Não é que ela não esteja preparada, ela só não tem interesse em deixar de ser racista. Os novos governos mundiais mostram isso de forma muito clara, com as pessoas que são escolhidas para estar no poder. Isso mostra o quanto o mundo é racista e o quanto o mundo apoia o racismo, de certa forma.

Está preparando um novo álbum, certo? O que pode nos contar sobre o que está por vir? Não posso contar muita coisa do novo álbum, mas posso afirmar que é um grande trabalho, um trabalho que a gente deu a vida pra fazer.

O que mais gosta de fazer quando está em Salvador? Quando vou pra Salvador, gosto de ir pra o bar com meus amigos, gosto de encontrar minha família, de andar na rua e observar como é que as coisas estão, como as coisas mudaram. Gosto da sensação de me sentir em casa. Cara, eu amo Salvador em todos os seus aspectos, em todos os seus lugares, apesar das diversas problemáticas sociais que a cidade tem.

Programação Festival de Verão (FV20)

Palco Arena - Sábado (1º) -  Harmonia do Samba -  Ferrugem -  Ivete Sangalo -  Dennis DJ -  Zé Neto & Cristiano

Palco Dique Coca-Cola - Sábado (1º) -  Attooxxa -  Iza -  Falcão -  Baco Exu do Blues

Palco Arena - Domingo (02/02) -  Dilsinho -  Bell Marques -  Léo Santana -  Alok -  Wesley Safadão - Parangolé

Palco Dique Coca-Cola - Domingo (02/02) -  Vitão -  Melim -  Felipe Araújo -  Denny

Serviço O quê: Festival de Verão (FV20) Quando: Sábado, a partir das 14h30 (abertura dos portões); e domingo, a partir das 14h (abertura dos portões) Onde: Arena Fonte Nova (Nazaré) Ingresso: R$ 140 | R$ 70 (Arena Di Galera); R$ 196 (Espaço Di Frente); R$ 430 (Mirante Premium masculino) e R$ 390 (Mirante Premium feminino) Ingresso Amigo: Permite adquirir dois ingressos no mesmo dia por um valor promocional: R$ 120 (ingresso amigo Arena) e R$ 350 (ingresso amigo DiFrente) FV Card: Cartão será utilizado no dia do evento para consumo de bebidas e alimentos. À venda na Loja Oficial do FV20, por R$ 5. O valor do cartão e a recarga não consumida serão restituído no final, após devolução do cartão Vendas: Loja Oficial do FV20 (Shopping da Bahia - Piso 3); Salvador Tickets; Lojas South; Imaginarium (Shopping Barra e Shopping Estrada do Coco); Loja Salvador Card (Shopping Cajazeiras)