Onde estão as mulheres nas disputas eleitorais?

365 candidatas concorrem ao lado de 805 homens; em 2014, elas eram apenas 7,7% dos deputados federais eleitos pela Bahia

Publicado em 9 de setembro de 2018 às 07:30

- Atualizado há um ano

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Apesar de corresponderem a mais da metade do eleitorado baiano, a participação das mulheres na política ainda é pequena. No estado, apenas um terço dos que concorrem a cargos são do sexo feminino. Isso significa dizer que a cada dez candidatos, apenas três são mulheres. É o mínimo estabelecido por lei. E quando falamos em candidatas eleitas, o cenário fica ainda pior. Em 2014, última eleição geral, 39 deputados federais foram eleitos pela Bahia. Apenas três eram do sexo feminino (7,7%). O índice sobe nos candidatos à Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA). Dos 63 eleitos em 2014, sete eram mulheres, uma representatividade de 11,1%.

Outros dados históricos também atestam a baixa participação feminina na política na Bahia. Das 56 candidaturas para o governo estadual desde a redemocratização, apenas nove foram de mulheres. Nenhuma foi eleita. A mais votada de todas, Lídice da Mata (PSB),  não alcançou nem  10% dos votos.  No Senado Federal, das 72 candidaturas no mesmo período, apenas quatro eram de mulheres - e apenas uma  eleita. 

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Este ano, apenas uma mulher concorre ao governo - Célia Sacramento (Rede) e duas são candidatas a vice - Dona Mira (Psol) e Mônica Bahia (PSDB). Nenhuma disputa o Senado. Nacionalmente, o índice de mulheres versus homens candidatos também está colado no piso de 30% previsto em lei. 

Sem espaço O Brasil ficou em 154º lugar dentre 193 países em relação à participação das mulheres na política. O levantamento foi realizado pela Inter-Parliamentary Union. O país ficou na frente apenas de países árabes e do Oriente Médio. 

“Nós somos um dos países da América Latina com um baixíssimo sucesso eleitoral de mulheres. O sucesso é o índice de mulheres eleitas”, explica Filipe Fernandes, doutor em Ciências Humanas do bacharelado em Estudo de Gênero e Diversidade da Universidade Federal da Bahia (Ufba), que estuda a presença de minorias nas eleições. Para ele, a baixa participação ocorre por conta de “barreira sexista”. 

“Toda política formal do país é configurada no androcentrismo. Ela é feita por e para homens. Na nossa sociedade, a  crença é de que o lugar de liderança em governo é do homem e temos várias mulheres querendo quebrar esse valor”, diz.

Para Fernandes, apesar de ter alcançado o mínimo, nessa eleição as mulheres “estão mais invisíveis” depois de um avanço nas eleições de 2014, quando elas tiveram protagonismo na disputa política. 

“Nesta eleição, essa visibilidade caiu. Simbolicamente, a disputa política fica entre homens e a mulher em uma posição secundária”, avalia. “Nacionalmente, há uma extrema hostilidade com a única candidata mulher [Marina Silva]. Há a defesa [em discursos] da mulher ganhar menos, ser submissa. A disputa política é um campo masculino e que as mulheres não estão no páreo”, analisou.Das 365 mulheres que disputam algum cargo nesta eleição na Bahia, a maioria é parda (49,8%), solteira (52,9%), tem entre 40 e 54 anos e já concluiu alguma faculdade (44,4%). No estado, são 805 homens concorrendo. 

As primeiras duas mulheres a se candidatarem ao governo do estado foram Delma Gama, pelo PMB e Agostinha Rocha, no extinto PH - juntas tiveram 2,55% dos votos. Além delas também concorreram: Lídice da Mata, Tereza Cristina Baptista Serra, Rosana Vedovato Anunciação, Renata Mallet Guena e agora Célia Sacramento (Rede).

Célia admite que há uma dificuldade em arregimentar mulheres e defende a ampliação da cota - dos atuais 30% para 50% . "Não temos uma quantidade grande de mulheres predispostas a serem candidatas. Temos buscado mais. Estou aqui candidata, sem recurso, mas encarando, para que  outras mulheres vejam e quem sabe amanhã possa ser outras".

Peso do gênero De acordo com Felipe Fernandes, as candidatas mulheres têm um “peso maior” do que homens durante a disputa eleitoral. “Mulheres pretas sofrem muito mais. Se tomam decisões contrárias a determinados direitos, elas são muito mais observadas do que as dos homens. Até mesmo suas alianças com outros partidos são mais observadas. Elas disputam barreiras. No suposto puritanismo social, elas têm que ser perfeitas”, pontua.

Mulher que teve mais mandatos eletivos no estado, única a ser eleita senadora e a única que se elegeu prefeita de Salvador, Lídice da Mata (PSB) retrata justamente o peso de ser mulher desde 1979, quando iniciou sua carreira na política. 

De acordo com ela, no começo de sua carreira, chegou a ser questionada se seu marido à época deixava ela seguir na política. Hoje Lídice é divorciada. “Na minha primeira campanha de governadora, em 1990, fiz uma chapa só de mulheres e já tinha o slogan de mulheres à luta. Isso foi no fim da ditadura, então mulheres feministas e não feministas já estavam com um nível de organização muito grande e já queria um nível de participação maior das mulheres”, conta.

Apesar de estar melhor, de acordo com Lídice, o cenário no ambiente político ainda não é de igualdade. “Mesmo assim, as chapas são majoritariamente de homens. A forma de fazer campanha é masculina. Nós temos 30% de mulheres porque a lei exige. Nós só podemos dizer que somos vitoriosas depois das eleições para ver qual foi o percentual de eleitas”, criticou.

Lídice ainda afirmou que sentiu o preconceito de forma mais firme durante seu mandato na prefeitura de Salvador. “Me perguntavam durante o Dia das Mães como era conciliar o meu cargo com ser mãe. Eu disse que apenas responderia quando isso fosse perguntado ao governador. Aos pais. A gente tem que provar, quando é candidata, que não estamos deixando nossas responsabilidades de mãe e de dona de casa de lado. É como se a gente tivesse que assinar um contrato com o eleitor e com a sociedade de que não estamos deixando de cumprir a nossa outra função. E isso não é cobrado a nenhum homem”, lamentou.

Lei de 30% não é suficiente e dificuldades continuam Em maio deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) - R$ 1,7 bilhão - devem ser repassados para candidaturas de mulheres dos 35 partidos com registro no Tribunal. 

A criação do fundo, que tem dinheiro público, foi aprovada pelo Congresso Nacional. Em partidos com mais de 30% de candidatas, o valor repassado deve ser proporcional. O tempo de propaganda eleitoral também deve ser de 30%.“As mulheres são a base da pirâmide econômica do país. Hoje muitas de nós não têm acesso às direções partidárias, aos fundos, que só chega a nós agora por uma decisão da justiça”, afirma a senadora Lídice da Mata, mulher que teve mais mandato da Bahia.  “Hoje há esse pouco de dinheiro, mas não se têm tempo em campanha para potencializar. A atual estrutura política dos partidos está voltada majoritariamente para os que são maioria na política: os homens, que já estão consolidados. Eles e seus herdeiro”, conclui. 

Para Felipe Fernandes, que estuda gênero e diversidade na Ufba, é necessária a ampliação da cota - mas de candidatas eleitas. “Eu sou a favor da paridade de gênero. De 50% para mulheres e 50% para homens. Essa é a nossa principal agenda. Não é 30% e 70%. É metade, metade. A democracia representativa de fato seria negra, popular, com pessoas LGBT, pessoas de religião de matriz africana, evangélica. A diversidade sociocultural deve estar representada. Só assim conseguiremos produzir melhores respostas para os problemas atuais”, defendeu.

O especialista acredita ainda que a cota de 30% não seria alcançada caso não houvesse o piso. E ressaltou, ainda, a grande porcentagem de mulheres que não recebe voto algum  nas eleições -  um indício de fraude eleitoral, já que a presença feminina nas coligações seria apenas para cumprir a lei.

Candidatas falsas: MPE não tem braço para investigar O Ministério Público Eleitoral (MPE) baiano acredita que exista um grande número de candidaturas femininas falsas que são inventadas pelos partidos para alcançar o piso estabelecido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de 30% - obrigatório desde 2009.“A gente tem que ter um monitoramento e recursos para viabilizar. Todo o estado só tem um procurador regional eleitoral. A legislação prevê um por estado. Eu recebi 1.200 processos em uma semana”, afirma Cláudio Gusmão, Procurador Regional Eleitoral.“Quando as notícias chegam,  instauro procedimentos. O ideal é que as mulheres e órgãos de defesa das mulheres denunciem”, explica. As denúncias devem ser encaminhadas para a Ouvidoria do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-BA). 

De acordo com Gusmão, a apuração de candidaturas fictícias é recente - começou em 2016, após um julgamento do TSE, embora já fosse um fenômeno observado anteriormente. 

“Na maioria dos casos em que a candidata teve zero votos, a Justiça não admite fraude por ser mulher, porque também existem homens sem votos. De acordo com um levantamento do TSE, mais de 80% das candidaturas com zero votos são de mulheres", afirmou.

Apesar de não ter braço para fazer grandes investigações, o procurador afirmou que ao analisar as chapas regionais, verifica se os 30% estão sendo cumpridos.  “Neste ano, um partido não tinha cumprido. Após recomendação, eles excluíram a candidatura de um homem para se adequar”, contou. 

O procurador disse que após diversas impugnações de  candidaturas, novos cálculos deverão ser realizados. “Em razão das impugnações de candidaturas, eu irei solicitar ao TRE-BA que refaça os cálculos. Se após a conta não tiver 30%, eles terão que reajustar”. O procurador afirmou ser favorável a cota de participação das mulheres nas casas legislativas.