Operação contra seita suspeita de 'escravizar' fiéis interdita restaurante na Bahia

Treze foram presos em ação da PF no Oeste do estado e em cidades de MG e SP

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 6 de fevereiro de 2018 às 19:32

- Atualizado há um ano

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Um dos principais restaurantes de luxo do Oeste do Estado, o Bahia West Grill, que funciona em Luís Eduardo Magalhães, foi interditado nesta terça-feira (6), durante operação da Polícia Federal (PF) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A Operação Canaã – A Colheita Final, que prendeu 13 pessoas na Bahia, Minas Gerais e São Paulo (ver abaixo), apura crimes de redução de pessoas à condição análoga à de escravo, de tráfico de pessoas, estelionato, organização criminosa, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.

A interdição do West Grill ocorreu porque o restaurante, registrado na Receita Federal em nome de Pedro Leite de Almeida, é suspeito de estar sendo usado para “prática de crime”, afirma decisão judicial da Justiça Federal de 1º grau de Minas Gerais.

O restaurante foi aberto em 29 de abril de 2014, com capital de R$ 100.000. Ele funcionava também como churrascaria, pizzaria e servia ainda comida oriental. No final do ano, o West Grill realizou uma festa em que cobrou R$ 290 por pessoa.

O dono do estabelecimento, que está entre os alvos da operação, é integrante do movimento religioso ‘Traduzindo o Verbo: a Verdade que Marca’, antes conhecido como ‘Jesus, a Verdade que Marca’, registrado como Associação de Agricultura Paraíso Manancial, com atividades em São Vicente de Minas (MG).

A polícia e o MTE não confirmaram se Pedro Leite de Almeida é um laranja ou se é o real dono do estabelecimento, bem como se estava na lista de presos preventivamente nesta terça-feira. Confirmou, porém, que no Oeste da Bahia houve dois presos e três trabalhadores resgatados.

Além do West Grill, outros 17 estabelecimentos comerciais dos mais variados tipos, como oficinas mecânicas, postos de gasolina, pastelarias, confecções, também foram interditados em cidades da Bahia e Minas Gerais. Há suspeitas ainda de que os locais são para a lavagem de dinheiro. Restaurante fica em Luís Eduardo Magalhães, no Oeste baiano (Foto: Reprodução/Facebook) Liderança A ‘Jesus a Verdade que Marca’ é comandada pelo suposto pastor Cícero Vicente de Araújo, que responde a ação civil pública na Justiça do Trabalho e a ação penal na Justiça Federal pelos mesmos crimes relatados nesta operação.

Araújo está com mandado de prisão preventiva na operação desta terça, mas não foi localizado em casa. A defesa do líder religioso afirmou que ele será apresentado nos próximos dias.

O movimento religioso que possui cerca de 15 mil fiéis é investigado pela PF desde 2010, após quatro ex-integrantes terem relatado ao Ministério do Trabalho que passaram anos trabalhando sem receber salários ou qualquer outro ganho financeiro.

A ação de hoje é a terceira fase da operação, deflagrada pela primeira vez em 2013 com o nome “Operação Canaã”, em referência à terra prometida relatada na Bíblia.

Em 2015, “De volta para Canaã” representou a segunda fase da operação, que prendeu 5 pessoas temporariamente, entre elas o pastor Araújo. Na época, 15 pessoas foram encontradas em situação de trabalho análogo à escravidão em propriedades de Minas, Bahia e São Paulo.

Treze presos Nesta terça, além de Araújo, havia mandados de prisão para 21 pessoas, mas apenas 13 foram encontradas, segundo informou a PF em Varginha (MG), onde as investigações estão concentradas.

Foram cumpridos ainda 42 mandados judiciais de busca e apreensão. Participam da operação 220 policiais federais e 55 auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego de Minas Gerais, São Paulo e Bahia. Cerca de mil pessoas, a maioria de Minas, foram resgatadas em situação de trabalho análogo ao escravo.

A investigação aponta que os líderes da comunidade religiosa aliciavam pessoas em uma igreja em São Paulo, “convencendo-as a doarem todos os seus bens para as associações controladas pela organização criminosa”.

“Para tanto, teriam se utilizado de ardis e doutrina psicológica, sob o argumento de convivência em comunidades, onde todos os bens móveis e imóveis seriam compartilhados”, declarou a PF, em nota.

Depois de devidamente doutrinados, os fiéis, segundo a PF, eram levados para zonas rurais e urbanas em Minas Gerais (nas cidades de Contagem, Betim, Andrelândia, Minduri, Madre de Deus, São Vicente de Minas, Pouso Alegre e Poços de Caldas), na Bahia (Ibotirama, Luís Eduardo Magalhães, Wanderley e Barra) e em São Paulo (capital).

Exploração Nessas cidades, os fiéis (cerca de 800) eram “submetidos a extensas jornadas de trabalho, sem nenhuma remuneração”, diz a PF, segundo a qual “eles trabalharam em lavouras e em estabelecimentos comerciais dos mais variados tipos”.“Por meio da apropriação do patrimônio dos fiéis e do desempenho de atividades comerciais sem o pagamento da mão-de-obra, a seita teria acumulado vultoso patrimônio, contando com casas, fazendas e veículos de luxo”, comunicou a PF.Atualmente, dizem as autoridades que investigam o caso, o movimento religioso “estaria expandindo seus empreendimentos para o estado do Tocantins, baseados na exploração ilegal”.

Advogado de defesa dos membros do movimento religioso, Raimundo Oliveira Costa disse que ainda não sabe o motivo da operação e que está indo nesta quarta-feira para Minas se inteirar do caso. Adiantou, contudo, que seus clientes são inocentes.“A empresa não tem propriedades. As fazendas são todas terras arrendadas, e tenho uma lista aqui de cerca de 500 pessoas que trabalham com carteira assinada. Estamos rebatendo tudo na Justiça e vamos recuperar a honra dessas pessoas”, disse ao CORREIO.Listado como único defensor dos líderes da ‘Jesus a Verdade que Marca’, Costa, que está baseado em São Paulo, disse que as pessoas vivem em associação agropecuária e têm direitos sobre dividendos relacionados às vendas da produção agrícola.

“Eles possuem trabalhadores registrados, têm tudo no livro. O que pode ocorrer é que há uma diferença muito grande entre o dizer e o ser. Não sei o que levaram como prova nessa operação de hoje, mas toda essa documentação nós temos e estamos apresentando à Justiça Federal”, declarou.

Sobre os estabelecimentos comerciais, o advogado disse que eles não têm relação com as fazendas onde os fiéis trabalham e que “duvida que eles atuem sem assinar a carteira dos trabalhadores”.

O MTE informou que a operação ocorreu depois que a Justiça Federal constatou que, mesmo depois da operação de 2015, ao invés de frear as ações supostamente irregulares, os líderes as ampliaram para outras cidades de Minas e Bahia.

“Eles se expandiram para cidades de Minas, como Contagem, Unaí e São João Del Rei, e para o Oeste da Bahia. Voltamos hoje para verificar as condições e houve uma confirmação dos fatos verificados em 2013”, afirmou o auditor fiscal do MTE Marcelo Campos.

“Os trabalhadores estavam sendo ludibriados pelo pastor Araújo e por pessoas ligadas a ele. Dão a impressão de que estão construindo um patrimônio coletivo, mas não é nada disso. São pessoas inescrupulosas que estão enganando as vítimas e se apoderando de riquezas por elas produzidas por meio do seu trabalho”, finalizou Campos.