Operação ou chacina? Dúvidas sobre ofensiva com 28 mortos

Cerco ocorreu na favela do Jacarezinho, Zona Norte do Rio de Janeiro

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  • Jairo Costa Jr.

Publicado em 8 de maio de 2021 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: José Lucena/Thenews2/Estadão Conteúdo

Na mais letal operação policial da história do Rio de Janeiro, uma série de lacunas mal explicadas deixa dúvidas se a ofensiva no Jacarezinho que terminou, até a noite de sexta, com 28 mortos foi apenas uma incursão das forças de segurança ou se houve também matança sem o amparo da lei. A começar pelo choque de versões sobre as justificativas para o cerco  que resultou na quinta-feira de sangue na favela.

Ao apresentar o balanço da operação, o  delegado Felipe Cury, diretor do Departamento Geral de Polícia Especializada da Civil, escalado para falar com imprensa, deu uma versão contestada horas depois para explicar o porquê de tantos mortos. A apuração, declarou, tinha como foco combater crimes graves ligados ao tráfico: homicídios, aliciamento de menores, roubos e ataques a composições da Supervia, a rede de trens urbanos do Rio.

O contraponto surgiu em reportagem publicada pela Folha de São Paulo na tarde de sexta-feira. De acordo com o jornal, a justificativa do pedido feito pela Polícia Civil ao Ministério Público do Rio de Janeiro que serviu como base para a ação no Jacarezinho não citava nenhum desses crimes. A denúncia citava somente o cumprimento de mandados de prisão contra 21 acusados de associação para o tráfico, crime que prevê o máximo e 10 anos de reclusão.

As provas anexadas ao pedido eram basicamente as mesmas no descritivo da ação: fotos compartilhadas em redes sociais em que o suspeitos apareciam armados.  Aí é que surgem novos furos. Das 20 imagens de supostos soldados da tráfico, quatro delas não exibiam armas nas mãos dos “profissionais” do tráfico responsáveis pela segurança da boca e pelo combate a inimigos, incluindo a polícia. Em outra, o rosto de denunciado é coberto por um emoticom.

O saldo da operação também abre espaço para desconfianças. Dos 25 mortos, um era agente da Civil e apenas três figuravam entre os alvos dos mandados. Ocorreram somente três prisões de acusados que constava na relação enviada à Justiça. A conta não bate. A imensa maioria das vítimas sequer constava na lista de suspeitos com  captura autorizada, mas tombaram, disse a polícia, em confronto.

Outros buracos Em vídeo gravado por repórteres do site The Intercept Brasil, moradores do Jacarezinho afirmam, com o rosto à mostra, que viram pessoas sem armas sendo executadas pela polícia naquela manhã. Uma dos depoentes, um homem de 39 anos de prenome André, exibe o rastro de sangue deixado no quarto da filha, de apenas 9 anos. Ambos foram retirados de casa à força, enquanto ouviam os disparos contra um suposto criminoso perseguido no cerco. 

Narrativas idênticas pipocaram na imprensa ao longo das últimas horas. Para reforçar a tese de que houve, no mínimo, uso excessivo da força, a ação desobedece ordem do Supremo que impede operações policiais dessa natureza durante a pandemia. 

Há ainda que se levar em conta um aspecto sobre o palco da operação. No rol de favelas cariocas, Jacarezinho está entre as 15% de áreas dominadas exclusivamente por facções do tráfico. Mais de 50% estão sob controle de milícias, enquanto outras 25% vivem em um tipo de joint venture do crime ou sob disputa das duas alas. E, particularmente lá, os milicianos nunca conseguiram pôr os pés. A história do Rio prova que a mudança na ocupação, parte das vezes, é precedida por uma ofensiva policial. O tempo dirá, em breve, se foi o caso. 

As mais letais operações do Rio

28 Foi o saldo de mortes deixado pela ofensiva da Polícia Civil na favela do Jacarezinho na última quinta

19 Pessoas foram mortas em um cerco feito ao Complexo do Alemão em junho de 2007

15 Vítimas: esse foi o rastro deixado em uma ação em Senador Camará, em janeiro de 2003

14 Suspeitos morreram  em ação no Complexo do Alemão, em julho de 1994. 

13 Tombaram também no Alemão em maio de 1995. Mesma soma do Vidigal, em julho de 2006