Operário de 17 anos que caiu de elevador aprendeu ofício com o tio; os dois morreram

Tio e sobrinho foram enterrados nesta terça (19), no cemitério Campo Santo

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  • Gil Santos

Publicado em 19 de março de 2019 às 17:52

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Gil Santos/CORREIO

Uma multidão lotou o cemitério do Campo Santo na tarde desta terça-feira (19) para acompanhar o sepultamento dos corpos de Ronério Silva dos Santos, 35 anos, e Giovani Silva dos Santos, 17. Eles, que eram tio e sobrinho, morreram após cair de uma altura de 15 metros, enquanto trabalhavam em uma obra na Mansão Carlos Costa Pinto, no Corredor da Vitória.

O sepultamento estava marcado para as 16h, mas uma hora antes, o cemitério já estava lotado. Era difícil caminhar nas imediações da capela 2, onde os dois corpos foram velados. Ao fundo era possível ouvir canções e um violino. A homenagem deixou amigos e familiares ainda mais emocionados.  (Foto: Gil Santos/CORREIO) Cabisbaixo e emocionado, o irmão de Ronério e tio de Giovani, contou que os dois eram conhecidos por serem muito trabalhadores. O operador de máquinas Rogério Santos, 36, contou que o irmão tinha cerca de 15 anos de experiência como soldador e que estava trabalhando na TecPort LTDA há quatro anos.

“Ele era um irmão pai. Eu, como irmão mais velho, só tenho a agradecer por tudo que aprendi com ele. Meu irmão era um homem alegre e brincalhão, todo mundo gostava dele”, contou.

Rogério disse que foi Ronério que ensinou a profissão a Geovani, que ajudou o sobrinho a se profissionalizar e a consegui trabalho. Ele também trabalhou na TecPort e disse que esteve no local do acidente logo após a tragédia. “Eu estive no edifício. Vi o motor quebrado (do elevador). Se o cinto estivesse preso, o elevador teria caído e eles ficariam pendurados. Pensei que eles estivessem em uma gaiola, mas o local era aberto”, comentou. O comerciante Júlio Lima, 61 anos, é amigo da família há muitos anos e contou que Giovani aprendeu, desde cedo, o ofício com o tio. "Estudei com Ronério e conhecia ele há muitos anos. Ele sempre foi um excelente profissional. Trabalhava como soldador, montador e várias outras funções nessa área. Foi ele quem ensinou o sobrinho, desde que o menino tinha uns 10 anos. Quando ele ficou maior, passou a ir com o tio em alguns serviços", contou.

No cemitério, era tanta gente que uma fila se formou na porta da capela para que as pessoas pudessem se despedir dos operários.

Por volta das 16h o cortejo seguiu para o sepultamento. Carregando flores brancas e amarelas, colegas de trabalhos e vizinhos fizeram questão de dar o último adeus aos dois trabalhadores. Durante a cerimônia algumas pessoas passaram mal e precisaram ser amparadas. A viúva e a irmã de Ronério eram as mais abaladas, assim como os pais de Giovani. "Minha sobrinha precisa do pai dela. Meu Deus, porquê?", perguntava uma das irmãs de Ronério.O trabalhador deixou esposa e uma filha que completou 5 anos no dia em que ele morreu. Já Giovani deixou os pais e irmãos. A família mora no Alto da Santa Cruz, na Região da Palestina, e ainda está decidindo quais providências vão tomar judicialmente.

Falha em freio de elevador  Uma falha na frenagem de um dos motores de um elevador é o provável motivo de ter provocado a morte dos operários.

"Apesar do trabalho de investigação ainda estar no início, a possibilidade é de que houve uma falha na frenagem. Encontramos um dos motores fora do lugar e quebrados", explicou o auditor fiscal do trabalho e coordenador de investigação de acidentes da Superintendência Regional do Trabalho, Anastácio Gonzaga, durante vistoria do edifício realizada na manhã desta terça-feira (19). A queda será investigada em um inquérito instaurado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Tio e sobrinho serão enterrados no cemitério Campo Santo, na Federação, na tarde desta terça (19) (Foto: Divulgação) O funcionário que sobreviveu ao acidente será ouvido nesta quinta-feira (21), na sede da Superintendência Regional do Trabalho. Técnicos da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur)  e peritos do Departamento de Polícia Técnica (DPT) também estiveram no local. 

De acordo com Anastácio Gonzaga, o condomínio contratou duas empresas para realização da obra - a primeira delas, a TecPort Ltda, para a construção de um elevador para levar os trabalhadores aos andares, e a outra seria responsável pela execução da obra de manutenção da fachada do prédio de 17 andares.

Há uma semana foi iniciada a montagem do elevador  e, até ontem, dia do acidente, o equipamento havia sido erguido até o 15° andar. "Ontem, os trabalhadores testavam o elevador, que despencou de uma altura de 30 metros, no 5° andar. Os motores são responsáveis pela elevação, descida e frenagem do elevador. O que não sabemos ainda é a dinâmica da queda e quem poderá contribuir com informações é quem sobreviveu", pontuou Anastácio.

O auditor explicou que é a fase de confrontar os documentos apresentados pela empresa e pelo condomínio. "Nosso objetivo aqui é atuar em cima da relação de trabalho. É por isso que estamos recolhendo documentos e notificações para apresentação de outros documentos que possam ajudar no esclarecimento do que aconteceu", disse Anastácio.

Empresa pode ser autuada Sobre a questão do adolescente ter trabalhado na obra, Anastácio disse que o condomínio não pode ser penalizado. "O rapaz era funcionário da empresa. Não há responsabilidade do condomínio, mas fica de lição para que os condomínios prestem mais a atenção a quem tem acesso, mesmo numa obra", disse.

Advogado do  Mansão Carlos Costa Pinto, Moisés Dantas disse que o condomínio não sabia que um dos funcionários envolvidos no acidente era um adolescente e responsabiliza a empresa, a TecPort Ltda. "Ele (Giovani) não estava na lista de funcionários enviada pela empresa para ter acesso ao condomínio para a montagem do elevador. O sócio-proprietário da empresa ligou para a portaria pedindo a liberação de seus funcionários que chegavam no carro. Ou seja, não passaram pela portaria", declarou Moisés. 

Questionado quanto ao fato da autorização para a realização da obra, o advogado informou que não há necessidade de licença de órgão fiscalizador para obra em questão. "Com base na Lei Minicipal 9.281/2017 é dispensado alvará para obras de pintura externa e interna e manutenção de fachada, mesmo em obra desse porte", explicou. 

Sobrevivente se desprendeu de cinto de segurança O sobrevivente do acidente teria escapado após desprender-se do cinto de segurança. 

"Em toda obra dessa porte o trabalhador, além de usar os tradicionais equipamentos de segurança, como capatece, bota, luva, tem que usar o cinto de segurança. Na hora, quando o elevador havia despencado, ele teria  soltado o cinto  e calculado a altura certa para pular. Ele caiu na grama", disse Arilson Ferreira Santos, diretor de  saúde do Sindicato dos Trabalhadores na  Indústria, da Construção Civil e da Madeira do Estado da Bahia (Sintracom-Ba), que acompanhou a vistoria. Técnicos da Sedur e peritos do DPT também estiveram lá, mas deixaram o local sem falar com a imprensa.

O condomínio divulgou uma nota informando que lamenta profundamente e se solidariza com a dor das famílias dos trabalhadores. "O acidente aconteceu na montagem do elevador de obras pela empresa Tecport para realização de obras na fachada do prédio. Os dois dos trabalhadores são contratados da Tecport, responsável pelo fornecimento, instalação e montagem de 'plataformas motorizadas', e que já prestou serviços ao Condomínio durante dois anos. O Condomínio informa que está colaborando com as autoridades para que as causas do acidente sejam esclarecidas", diz a nota.