Opinião: A catimba, o VAR e a morte e a morte do futebol brasileiro

Depois da morte morrida, que foi o 7x1, vemos agora a morte matada: uma bola murcha generalizada

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  • Da Redação

Publicado em 18 de maio de 2022 às 15:26

- Atualizado há um ano

. Crédito: Reprodução

Aos poucos, a catimba vai se tornando irritante e escancara a diferença entre malandragem e pilantragem, como diriam os mais tradicionais, como o malandro Batatinha. 

Há algum tempo, a gente não era tão ligado à bola jogada pelos clubes na Europa: o acesso era caro, raro - e, além disso, o futebol brasileiro era mais admirado. Ninguém realmente acompanhava a Premier League, Bundesliga e competições do tipo. 

O acesso ainda é elitizado (exige dinheiro e tempo para assistir aos jogos no meio do dia útil de trabalho, por exemplo), mas, de algum modo, os torneios europeus já fazem parte da conversa das ruas. O jogo impressionante da Champions League vira resenha e se vê dezenas de pessoas usando camisas falsas do PSG, com o nome de Messi nas costas (sintomático, visto que o "maior astro brasileiro" joga no mesmo clube). 

Comparando o que se vê por aqui com a bola que rola lá fora parece que são esportes com regras diferentes. Não é a qualidade técnica das transmissões ou mesmo os belos gramados mundo afora. É a velocidade do jogo, a eficiência do VAR, é torcer por jogadores profissionais em campo - no Brasil, parecem crianças birrentas, dando chilique a cada oportunidade, para ganhar um pirulito. 

Aos poucos, o torcedor vai se cansando. Os narradores já não aguentam mais. Principalmente porque, do tripé do nosso futebol até então: drible, malandragem e catimba, só sobrou o último integrante. 

E a catimba sozinha não ajuda em nada o esporte. Aquela cera longa do goleiro, dois, três minutos no chão; o jogador que cai do nada, o time correndo e ameaçando o juiz em lances de simples definição. Tudo isso ganha espaço dentro do então chamado futebol. A cada rodada, fica mais difícil assistir a um jogo até o fim.

Junte a isso o nível técnico miserável, a falta de ídolos, as promessas que não deixam de ser promessas, a invasão de jogadores estrangeiros desconhecidos (em transações bem esquisitas), temos mais uma morte, dessa vez a derradeira, do futebol brasileiro. 

A primeira morte, a morrida, foi em 2014, com o sete a um, dentro de casa. Essa ficou para trás. O brasileiro é caprichoso: assim como Quincas Berro D'água, malandro de Jorge Amado, resolveu escolher como e quando morrer. 

E aqui estamos, finalmente em uma morte matada, disputando um campeonato patrocinado por casas de apostas virtuais - e por isso legalizadas - com jogadores desconhecidos em campo, levando tudo no grito; um cai-cai maldito, o VAR que não funciona, a elitização das arquibancadas e, finalmente e o mais importante, a bola murcha generalizada.

Uma morte de cima para baixo, de quem manda para quem obedece, sem pompa e circunstância, sem poesia, sem identidade: um tripé de um pé só é corrompido. 

Batatinha, malandro real, abraçaria o malandro da ficção, Berro D'água, para afogar as mágoas: isso, claro, se ele desse um jeito de pagar (ou arranjar) uma cerveja dentro do estádio. Morreu e morreu o futebol brasileiro. 

Pedro Duarte é jornalista, escritor e apresentador do podcast This is Brazil.