Órfãos digitais e seguidores de ninguém

Malu Fontes é jornalista

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Publicado em 14 de maio de 2018 às 05:05

- Atualizado há um ano

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Quem vive do status de ter milhões de seguidores nas redes sociais e lucra muito com isso parece que vai ter que criar, e bem rápido, um plano B relacionado à sua produção de conteúdo. Semana passada, as redes sociais apresentaram um capítulo novo na relação entre o mercado de digital influencers e o lucro com postagens. Alguns perfis brasileiros com milhões de seguidores foram excluídos do Instagram sem sequer comunicação prévia. Para quem estava distraído, o direito de propriedade e o direito autoral avisaram e com um berro: o direito digital avança a passos largos e tudo que circula na rede tem dono.

Perfis de celebridades digitais brasileiras como o de Hugo Gloss e vários outros foram excluídos por usar imagens de empresas nacionais e internacionais, configurando desrespeito ao direito autoral. Fotógrafos de ídolos internacionais, copyright de produtos e marcas e até a Rede Globo acionaram a sede do Instagram, nos Estados Unidos, por terem suas imagens usadas sem autorização. E quando se fala em dinheiro e direito, podem anotar: a jurisprudência é certa.

BARRO A partir de agora, qualquer artista, marca, empresa ou produto vai cobrar exclusão de contas ou posts ou vai querer sua parte em dinheiro quando identificar-se em perfis de quem lucra com a imagem alheia. É o fim do mundo? Não, mas é mais um aviso do quanto não existe liberdade irrestrita em rede social, como a maioria das pessoas com perfis em uma ainda acredita.

Mais do que a exclusão das contas célebres, merece atenção o fato de em poucas horas dezenas de perfis falsos dos excluídos terem sido criados e atraído milhões de seguidores, mesmo que na maioria deles não houvesse uma publicação sequer. Óbvio que fenômenos desse tipo deixam à mostra os pés de barro da fama digital. Como milhares de pessoas, inclusive jornalistas, seguem um perfil inventado, completamente vazio, no sentido literal, só porque tem o nome de um digital influencer?

COLEGUINHAS Até que ponto um mercado que se revela tão inconsistente, com milhões seguindo perfis que são ninguém, vai continuar dando lucro a pessoas que nada produzem de conteúdo? E falando em influenciadores digitais, na véspera do Dia das Mães, circulavam em listas de jornalistas pedidos de indicação de contatos de “mães blogueiras”, o que quase automaticamente leva à dedução de que tratava-se de produção de conteúdo relacionando essas mulheres à data.

Como a imaginação é livre, fico a imaginar os conteúdos incríveis expelidos por mães que ganham dinheiro vendendo seus pimpolhos em perfis de redes sociais e vivem por aí de loja em loja e de marca em marca a propor parcerias com seus rebentos. Aí o jornalismo e não sei mais quem correm atrás delas para uma pauta, para produzir, quem sabe, uma matéria para o Dia das Mães. Em seguida a gente vê coleguinhas de profissão queixando-se da crise do jornalismo.

MÃES TRANS Se é para publicar as aspas de mães blogueirinhas, podem então adiantar o convite para o féretro dos veículos que vivem de informação, pois, assim sendo, a função social de informar já está com morte cerebral. Saio então da lista para ler aliviada que há profissionais entrevistando mães que perderam filhos, mães que são cuidadas por filhas deficientes físicas, mães que criaram brinquedos específicos em parques públicos para que seus filhos deficientes pudessem brincar e mães trans que saem da cadeia no indulto do Dia das Mães.

E voltando ao episódio Hugo Gloss, mesmo sabendo que os digital influencers excluídos vão voltar, talvez fazendo a mesma coisa e lucrando até mais, resta refletir sobre a estupidez humana: que orfandade é essa, causada pela exclusão de um perfil, que  leva tanta gente a pousar, como mosca perdida, em perfis fakes, sem conteúdo? Volta não, Gezuis, eles continuam sem saber o que fazem. Dizer, já não são capazes de dizer nada.