Padrasto diz que escondeu versão de tiro acidental por medo de ser morto

Enteado, de 9 anos, morreu após ser baleado em sítio de Barra de Pojuca; garçom foi indiciado por homicídio culposo

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  • Milena Hildete

Publicado em 24 de agosto de 2017 às 03:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Almiro Lopes/CORREIO
Pneus e outros objetos foram queimados para fechar Linha Verde por Foto: Almiro Lopes/CORREIO

A demora de Charle de Jesus Santos, 27 anos, em admitir que foi o autor do disparo que vitimou o enteado Guilherme Santos da Silva, 9, no final da tarde de terça-feira (22), em Barra de Pojuca, foi motivada pelo medo de também ser baleado e morto. Essa foi a versão contada pelo garçom, em depoimento prestado à polícia, nesta quarta (23), no qual ele alegou ter sido um tiro acidental que atingiu a nuca do garoto, dentro de um sítio de Cachoeirinha, zona rural de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador. 

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Segundo o CORREIO apurou, Charle contou na delegacia de Monte Gordo, no Litoral Norte, que tinha receio que um traficante, tio de Guilherme, o matasse, já que imaginou que ele não acreditaria na versão que afirma ser a verdadeira.

O disparo saiu da espingarda calibre 28 de um homem apelidado Neném, amigo de Charle e caseiro do sítio onde o suposto acidente aconteceu, e atravessou a cabeça da criança, que morreu na hora. Charle chorou, em delegacia, após confessar ter sido autor de disparo que matou Guilherme; menino sonhava em ser vaqueiro (Fotos: Almiro Lopes/CORREIO) Passeio trágico  No depoimento, o padrasto contou que foi com o enteado até o sítio onde Neném trabalhava para pegar jaca, por volta das 17h40 de terça. Lá, Charle teria começado a manusear a arma do caseiro junto com o amigo e, então, atingido o garoto. O caseiro Neném, cujo nome de registro não foi informado, está foragido e a polícia investiga o seu paradeiro.

O tio de Guilherme, o supervisor de alimentos e bebidas Luís Gifoni, 30, disse que o sobrinho e o padrasto tinham o costume de ir buscar frutas nesse sítio, que era próximo à casa da criança. 

Ao CORREIO, o padrasto contou que tentava tomar a arma na mão do amigo na hora do suposto acidente. “Ele, o Neném, me chamou para o quarto e perguntou se eu ainda queria cobrar uma dívida de uma pessoa que me deve e me mostrou a arma”, contou. “Quando eu peguei a espingarda, o tiro saiu e atingiu o meu filho. Parece coisa do satanás porque eu nunca tive a intenção de matar um menino que eu amava mais do que minha própria filha”, completou o autor do disparo.Ainda segundo Charle, depois do tiro, Neném fugiu do local com a arma. “Na hora da explosão, ele saiu correndo pelos matos”, comentou. 

Sem saber o que fazer, Charle disse que correu até a casa de Pedro, outro amigo que mora perto das proximidades do sítio, para buscar ajuda, mas Guilherme já estava morto. 

Versão desencontrada O garçom, no entanto, entrou em contradição durante os depoimentos dados à polícia. Antes de assumir a autoria do disparo, o padrasto havia contado à família uma versão de que a criança foi morta por engano por uma pessoa não identificada, e que o alvo seria o caseiro Neném.

A verdade, porém, veio à tona no final da manhã desta quarta, quando ele foi intimado para ir à delegacia. “Quando a gente estava orando, de madrugada, bateu no meu coração a vontade de contar a verdade. Eu não consegui mais mentir porque isso acabou com a minha vida”, relatou o padastro.O caso é investigado pela delegada Aymara Bandeira Vaccani, titular da 33ª Delegacia (Monte Gordo). 

Charle foi autuado em flagrante por homicídio culposo – quando não há intenção de matar - e será levado para a carceragem da 26ª Delegacia (Abrantes), onde ficará à disposição da Justiça. Já o corpo de Guilherme permanece no Instituto Médico Legal (IML) de Salvador. O enterro está marcado para as 11h desta quinta, em Barra de Pojuca. Luiz Antônio Rodrigues, tio do garoto, conta que a família está desolada e pede justiça (Foto: Almiro Lopes/CORREIO) Sonhos de menino Segundo familiares, Gui, apelido do menino, era apaixonado por cavalos e queria ser vaqueiro. Ele frequentava todas as cavalgadas da região e até já tinha ganhado sua primeira égua. “Ele já fez capoeira, tinha bicicleta e videogame, mas o negócio era com os cavalos”, disse o tio Luiz Antônio Rodrigues.“Estamos arrasados porque Gui era um menino tão bom, uma criança extrovertida. Minha irmã, a mãe dele, está acabada”, completou o tio, desolado.Guilherme morava com a mãe, Olga Silva, com a irmã, Bianca Silva, e com o padrasto, na região de Cachoeirinha, há cerca de quatro anos. A prima do garoto, Rita Mota, ainda não consegue acreditar no ocorrido. “Gui me chamava de tia e eu era muito apegada a ele. Não é justo que isso tenha acontecido com meu menino”, lamentou.

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Protesto na Linha Verde A morte de Guilherme chocou a família e comoveu toda a vizinhança de Barra de Pojuca. Nesta quarta, mais de 300 moradores seguiram para a Linha Verde, próximo à casa da avó da criança, para protestar e pedir justiça, além de segurança na região.

Vestido com uma camisa estampada com uma foto de Guilherme montado em um cavalo, Anderson Conceição, primo da vítima, gritava exaltado: “Eu quero justiça porque ele era uma criança. Toda semana uma criança morre nesse bairro e ninguém faz nada”.

Na pista, os manifestantes, que seguravam cartazes, queimaram pneus e troncos de árvores, bloqueando temporariamente o tráfego na Linha Verde. Todo o trânsito da região ficou afetado por conta do protesto, que durou das 15h30 às 17h30. Menino costumava ir com o padrasto para sítio onde acabou morto (Foto: Almiro Lopes/CORREIO) Pressão por investigação Apesar de nunca ter suspeitado de que Charle, padrasto do menino, teria feito o disparo, Josué Rodrigues, também tio da vítima, não acredita que a morte do menino foi acidental.“Ele contou várias versões. Hoje (quarta), quando fomos ao IML para reconhecer o corpo de Guilherme, vimos o rosto dele todo queimado de pólvora. Foi um tiro à queima roupa. Não vamos aceitar que a morte seja tratada como um crime acidental”, comentou o tio Josué.Ele promete, junto com a família, ir ao Ministério Público, pedir que ele seja denunciado por premeditação do crime. “Foi frio e calculista. Levou o menino para matar", considerou.

Mesmo com a polícia tratando o caso como acidente e com o padrasto autuado por homicídio culposo, o tio de Guilherme quer que o MPE investigue o caso.

Rodrigues disse ter ficado ainda mais abalado quando soube da autoria do disparo. "Mesmo que tenha sido acidental, ele (Charle) mentiu. Pegou a gente de surpresa porque a gente jamais ia imaginar que tivesse sido ele, pois ele tinha uma relação muito boa com o menino. Eles estavam sempre juntos e meu sobrinho andava com ele para cima e para baixo”, afirmou Josué.

Logo após a notícia da morte de Guilherme, os familiares acreditaram que o menino teria sido morto, por engano, no lugar do alvo do tiro, que seria o caseiro Neném, amigo de seu padrasto. De acordo com a vizinhança, Neném teria sido jurado de morte por bandidos.