Pagodinho diz que a vida está dura, mas mantém a fé na alegria

O sambista carioca brilha no seu 24º álbum, Mais Feliz, cujo show de lançamento em Salvador será dia 9/2 na Concha Acústica

Publicado em 18 de setembro de 2019 às 05:00

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Zeca Pagodinho, 60 anos, é um dos maiores sambistas da história do país e um dos seus grandes parceiros é o baiano Nelson Rufino (Foto/Guto Costa)

Mais Feliz é o 24º álbum solo do cantor e compositor Zeca Pagodinho, 60 anos, mas, na tarde carioca, o grande sambista diz sorrindo ao repórter baiano que o trabalho leva esse nome justamente no momento em que ele está "mais puto". Zeca Pagodinho numa das mesas do bar temático que leva seu nome na Barra da Tijuca, no Rio, onde recebeu a reportagem do Correio* na última segunda-feira (Foto/Guto Costa/Div.) Artista de poucas palavras, porém muito gente fina e humilde, Zeca Pagodinho (Jessé Gomes da Silva Filho) sabe que a vida da maioria do povo brasileiro está muito difícil, incluindo a alta violência, mas não perde a fé e a esperança de que dias melhores virão.

Em Sexta-Feira (Alamir Quintal/ Levy Vianna/ Marquinhos FM/ Roberto Lopes), uma das 11 inéditas do repertório de 14 faixas do ótimo álbum, ele canta com propriedade: "Ela sabe que a roda de samba é o nosso lazer/Ela samba e bebe cerveja pra despairecer/ A vida é dura, mas que bom/Que existe o samba pra relaxar"."Um dia desses fui em Irajá, na minha rua, e tudo está com grade. O que é isso? Não existem mais cadeira e conversa na calçada. Não consigo mais ir no morro, na favela, tomar uma cerveja na tendinha. Sinto falta disso. É muita violência hoje em dia. Sou de um tempo em que não se assaltava mulheres, por exemplo. É preciso investir forte em educação para as crianças, do contrário a situação só vai piorar", afirma. "Esse samba lembra quando eu trabalhava. Toda sexta eu levava meu pandeiro e de lá ia para o botequim. Sexta-feira na cidade é assim", lembra numa das mesas do bar temático que leva seu nome, sob licenciamento, no Shopping Vogue, na Barra da Tijuca.

Produzido pelo inseparável Rildo Hora (cujo talento na gaita dá um gostoso e elegante toque de nostalgia nos arranjos de Mauro Diniz, maestro Leonardo Bruno e Paulão 7 Cordas), e disponível em CD e nas plataformas digitais, Mais Feliz é, ao modo de Zeca Pagodinho, um trabalho com um toque de crítica política, no sentido mais amplo do termo.

Crítica política - Fruto da cultura suburbana da alma do Rio, mas hoje morador do nobre e emergente Barra da Tijuca, Zeca Pagodinho evoca musicalmente os dias em que bairros como Bangu, Marechal Hermes, Vigário Geral, Irajá e Del Castilho eram tranquilos.

"Um dia desses fui em Irajá, na minha rua, e tudo está com grade. O que é isso? Não existem mais cadeira e conversa na calçada. Não consigo mais ir no morro, na favela, tomar uma cerveja na tendinha. Sinto falta disso. É muita violência hoje em dia. Sou de um tempo em que não se assaltava mulheres, por exemplo. É preciso investir forte em educação para as crianças, do contrário a situação só vai piorar", afirma.

Em Na Cara da Sociedade, de Serginho Meriti e Claudemir, Zeca Pagodinho abre o samba pedindo paz no mundo, no Brasil e, principalmente, no Rio, para em seguida explicitar: "Sou carioca, mas sei que o meu Rio não anda legal". Alegria e Bahia - Tempos bicudos à parte, além dos problemas de saúde do amigo Arlindo Cruz e da morte da madrinha Beth Carvalho, o forte de Zeca Pagodinho continua sendo mesmo a alegria - e isso é o que impera no seu primeiro álbum solo desde Ser Humano (2015).

Aliás, pelo visto, se a gravadora quisesse, ele teria sambas inéditos suficientes para lançar álbum todo ano, graças aos bambas leais que formam o seu grupo de compositores.

Um deles é o baiano Nelson Rufino, autor do grande sucesso Verdade (1999). Ele comparece em Mais Feliz com o bonito samba Permanência: "O amor não bate na porta do coração/Chega como um rei, dita como quer toda emoção/ Contrariando bem mais, brinca com a razão/ Vai, bem muito mais, ele vai além da imaginação"."Foi ótima a turnê (De Santo Amaro a Xerém/2018) com Maria Bethânia. Estou nervoso, eu disse. Ela perguntou por quê e eu disse que era o fato de estar com a Rainha. Ela respondeu: ‘E eu estou com o Rei, vamos nos divertir, Zeca, se a gente errar, errou, se acertar, acertou, vamos embora’".E a turma só aumenta, como prova o dolente e também belo samba Enquanto Deus Me Proteja, a primeira parceria de Zeca (letra) com Moacyr Luz (música) e que ficou pronta exatamente no Dia Mundial do Compositor (15 de janeiro).

Dois clássicos da MPB foram regravados no álbum: O Sol Nascerá (À Sorrir), dos mestres Cartola e Elton Medeiros; e Apelo, de Vinicius de Moraes e Baden Powell. 

A primeira, um dueto com Tereza Cristina, é tema de abertura da novela Bom Sucesso (Globo). Já Apelo conta com o bandolim de Hamilton de Holanda e do violão de 7 cordas de Yamandu Costa.

Com forte ligação afetiva com a Bahia, Zeca fará o show de lançamento do álbum em Salvador dia 9 de fevereiro, na Concha Acústica do Teatro Castro Alves. O mesmo local onde ele encerrou a turnê De Santo Amaro a Xerém (2018), com a diva Maria Bethânia, no último janeiro.

Como foi a experiência de fazer uma turnê e gravar um DVD/CD com Maria Bethânia, Zeca? "Foi ótima. Estou nervoso, eu disse pra Bethânia. Ela perguntou por quê e eu disse que era o fato de estar com a Rainha. Ela respondeu: ‘E eu estou com o Rei, vamos nos divertir, Zeca. Se a gente errar, errou, se acertar, acertou, vamos embora’", conta.

* O jornalista viajou ao Rio de Janeiro a convite da gravadora Universal

Ouça os áudios das faixas Mais Feliz, Sexta-Feira, Permanência e O Carro do Ovo