Pai de Geovane visitou mais de 20 instituições à procura do filho; ele será ouvido hoje

O subtenente e dois soldados da PM que realizaram a abordagem que antecedeu o desaparecimento de Geovane foram afastados ontem

  • Foto do(a) author(a) Bruno Wendel
  • Bruno Wendel

Publicado em 15 de agosto de 2014 às 06:36

- Atualizado há um ano

Jurandy, pai de Geovane, e Jamille, mulher do rapaz, na frente do MP (foto: Marina Silva)O comerciante Jurandy Silva de Santana, 40 anos, não é policial, muito menos militar. Mas, na angústia de encontrar o filho, desaparecido há 13 dias, iniciou uma peregrinação que já incluiu 21 lugares diferentes - entre delegacias, companhias da PM, corregedorias, hospitais, presídios e até o Instituto Médico Legal.Geovane: desaparecido há 13 dias (Foto: Reprodução)Desde o desaparecimento de Geovane Mascarenhas de Santana, 22, no último dia 2, o pai vem atuando como um “P2”, que no jargão policial se refere a PMs que atuam, sem farda, em investigações. Na investigação por conta própria, foi Jurandy que conseguiu as imagens em que o filho é abordado por policiais militares. Foi a última vez em que Geovane foi visto.

O caso veio à tona depois da  publicação do vídeo pelo CORREIO, na quarta-feira. As imagens revelaram que o rapaz foi agredido e colocado no porta-malas de uma guarnição da Rondesp no bairro da Calçada. Em seguida, a viatura deixou o local com Geovane, e um dos policiais saiu pilotando a moto do rapaz. Tanto ele quanto a moto desapareceram.

O subtenente e dois soldados da PM que realizaram a  abordagem que antecedeu o desaparecimento de Geovane foram afastados ontem das atividades de rua. Segundo o Departamento de Comunicação Social da PM (DCS), os três policiais cumprem serviço administrativo na unidade em que são lotados.Eles são das Rondas Especiais (Rondesp) Baía de Todos os Santos, localizada na 14ª Companhia Independente (Lobato), mas a corporação se nega a identificá-los. Em, nota, a PM diz que está preservando a identidade dos policiais por uma questão técnica do inquérito policial, “pois as provas colhidas até o presente momento são contraditórias e os indícios de culpabilidade só irão se apresentar com a conclusão do inquérito (Policial Militar)”.

Há dois inquéritos abertos sobre o caso: um Inquérito Policial Militar (IPM), que corre na Corregedoria da PM e investiga a atuação dos policiais; e um inquérito civil, aberto no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que investiga o desaparecimento do rapaz. Na quarta-feira, a PM havia informado que o prazo para conclusão do IPM era de 30 dias.Ontem, passou para 40.ContradiçãoSegundo o comandante da Polícia Militar, coronel Alfredo Castro, em depoimento na Corregedoria da PM, na quarta-feira, os PMs alegaram que fizeram abordagem a um suspeito de roubar uma moto e levaram o rapaz a uma delegacia. Na unidade, a vítima não o reconheceu e ele foi liberado. O coronel não informou a delegacia, nem o paradeiro da moto.Sendo uma  suspeita de roubo, Geovane deveria ter sido levado à Central de Flagrantes (Iguatemi), à 2ª DP (Lapinha) ou à Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos (DRFRV). Procurada pelo CORREIO, a delegada Patrícia Crisóstomo, titular da 2ª DP, informou que o rapaz sequer pôs os pés na unidade.  A delegada Dalva Cardoso, da Central de Flagrantes, disse que nenhuma ocorrência foi registrada em sua unidade. Desde quarta-feira, o titular da DRFRV, Marcos César, não atende as ligações. AngústiaHoje, às 10h, Jurandy irá pela segunda vez à Corregedoria da PM, onde será ouvido pelo capitão Vinícius. No dia 9, o pai entregou à Corregedoria uma cópia do vídeo do filho durante a abordagem. Também na tarde de hoje, o comerciante irá à sede do Grupo Tortura Nunca Mais Bahia (GTNM-BA), nos Barris. A ONG, que atua na defesa dos direitos humanos, vai oferecer apoio à família de Geovane.“A angustia não me deixou dormir. Cochilei um pouco, mas acordo com o susto. Praticamente não preguei o olho essa noite, mais uma vez. Assim que amanheceu, vim para a delegacia”, declarou Jurandy, na porta da 2ª DP. Ele chegou à unidade às 8h de ontem e foi recebido pela delegada Patrícia Crisóstomo, que não está mais à frente do caso. Antes de o caso voltar para o DHPP – inicialmente Jurandy já havia prestado queixa no órgão – a delegada colheu seu depoimento. “A ocorrência servirá para ele apresentar ao Ministério Público”, disse a delegada, que já havia encaminhado o inquérito para o delegado Jorge Figueiredo, diretor do DHPP.Ao deixar a 2ª DP, Jurandy, acompanhado da mulher de Geovane, Jamille dos Santos, retornou ao local onde Geovane foi abordado pelos policiais. “É duro.  São 12 dias de pura aflição. Se ele estiver morto, o que não desejo, mas se foi isso que aconteceu, quero só ter o direito de enterrá-lo dignamente”, declarou Jurandy, depois de várias negativas ao perguntar a moradores e comerciantes sobre o paradeiro de seu filho.Ministério PúblicoPouco depois das 12h, Jurandy e Jamille chegaram ao Ministério Público  Estadual, em Nazaré. Depois de duas horas, foram recebidos pelo promotor José Emannuel de Araújo Lemos, coordenador do Grupo de Atuação Especial para o Controle Externo da Atividade Policial (Gacep).  A assessoria do MP-BA informou que o promotor enviou um ofício ao DHPP pedindo informações sobre a investigação e afirmou que vai acompanhar o processo. Um inquérito só pode ser instaurado pelo MP-BA caso a polícia não cumpra com a investigação.Por volta das 17h, Jurandy foi ouvido pela terceira vez na Polícia Civil. Na sede do DHPP, relatou todo o episódio ao delegado Jorge Figueiredo. “Ele me disse que vai atrás das pessoas responsáveis e vai prendê-las”, disse o comerciante. O coordenador do Observatório de Segurança Pública da Bahia, Carlos Costa Gomes, comentou a saga de Jurandy. “Nesse caso, ainda tem um agravante muito sério. A polícia anuiu que o pai do jovem apresentasse as provas que ele possui. Um absurdo total”.