Pai e filho, Antonio e Rocco Pitanga se encontram em Embarque Imediato

Espetáculo celebra 80 anos do ator baiano, com debate sobre identidade e diáspora africana

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  • Da Redação

Publicado em 22 de maio de 2019 às 05:20

- Atualizado há um ano

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Quem eu sou? De onde eu vim? Para onde vamos? Uma viagem cujo itinerário é a própria identidade é o mote de Embarque Imediato, espetáculo que reúne pela primeira vez em cena os atores Antonio e Rocco Pitanga. Pai e filho na vida real, os dois encarnam o atravessar de gerações nas peles de um homem africano mais velho - “um griot”, nas palavras de Pitanga - e de um jovem pesquisador brasileiro.  A trama se desenrola em uma sala de aeroporto, onde os dois surgem confinados após perderem os passaportes durante uma conexão de voo. Presos em uma espécie de não-lugar, os personagens transitam entre Brasil e África para discutir passado, presente e futuro.

“Algo que venho dizendo é que a palavra afrodescendente não é o bastante para me classificar. Quero saber de que África eu venho. Eu pertenço a um continente, mas também pertenço a um país!”, exclama Antonio Pitanga ao explicar que o espetáculo mergulha nesse universo de culturas, de raízes, das pessoas que vieram não por uma decisão própria, mas por vontade do colonizador, e daquelas que conseguiram voltar, mas também das que não conseguiram. "Embarque Imediato é a realização de uma vontade antiga de ter Antonio em cena numa obra minha" - Aldri Anunciação; dramaturgo já havia feito leitura dramática do texto com o ator em 2016 (Foto: Rafael Aguiar/ Divulgação) Com texto de Aldri Anunciação e direção de Marcio Meirelles, o espetáculo estreia amanhã, em Salvador, cidade natal de Pitanga. Na primeira semana, a montagem  será apresentada a grupos fechados e  estudantes de escolas públicas. A estreia para o grande público acontece no dia 30, seguindo em cartaz até o dia 16 de junho (sempre de quinta a domingo,  às 20h).  “Tudo isso é um presente que Aldri está me dando, uma oportunidade de tudo que fiz a vida inteira continuar a fazer sentido. Vou estar no palco dia 6 de junho, dia em que completo 80 anos, com minha filha, na companhia dos meus filhos, na Bahia, recebendo os aplausos da minha gente e trabalhando, trabalhando muito. É o tipo de gesto que enobrece a gente”, comenta emocionado.

Trilogia Embarque Imediato faz parte da Trilogia do Confinamento de Aldri Anunciação, que começou com Namíbia, Não! (direção de Lázaro Ramos), seguida de O Campo de Batalha (direção de Márcio Meirelles e Fernando Philbert). Apesar de não comporem uma mesma narrativa, todas as peças se estruturam a partir dos debates sobre a condição dos descendentes da diáspora africana. Antonio Pitanga vive um descendente de agudás - africanos escravizados no Brasil que retornaram ao país de origem após alforria quase sempre comprada. Rocco, por sua vez, é um negro brasileiro cuja perspectiva ocidentalizada é capaz de defender a presença de aspectos positivos na diáspora forçada dos africanos para a América, supostas vantagens que estarão no centro do debate. "O Aldri está no nível de um Mia Couto, de um Agualusa.  Um texto presente, vibrante" - Antonio Pitangaelogia dramaturgo baiano ao compará-lo aos mais reconhecidos autores da literatura africana “É uma arena caracterizada pela união, e não pela polarização. A grande lição do espetáculo é essa: é preciso começar a agregar. Um olhar é tão importante quanto o outro quando os dois estão nessa busca. É preciso mostrar os problemas, as coisas ruins, mas potencilizar o que há de bom nessa construção coletiva, produtiva, que se afaste do ressentimento”, defende Rocco.  Para ele, o que faz as coisas mudarem não é a indignação pura e simplesmente, mas sim a forma como você age e reage frente a essa indignação. E, para isso, nada melhor do que entender o passado.

Encontros Embarque Imediato é, em si, fruto de muitas convergências. Autor do texto, Aldri estudou com Camila Pitanga no Rio de Janeiro. Conheceu o patriarca da família através da filha.  (Foto: Rafael Aguiar) “Sempre tive um carinho muito grande pela família Pitanga. Por anos fui colega na graduação de Camila, estive em inúmeros testes com Rocco e sempre que pude, convidei Pitanga para ler meus textos. Embarque Imediato é a realização de uma vontade antiga de ter Antonio em cena numa obra minha” explica Aldri sobre á montagem, que também contará com a presença virtual de Camila e do diretor Aderbal Freire Filho em textos em off e em vídeos. O sentimento de gratidão perpassa a todos. “Para mim enquanto diretor, é uma emoção muito grande fazer parte desse projeto tão afetuoso e cercado de emoção. É um encontro de família, onde cada ensaio é regado a muitas conversas e aprendizados. Ver Pitanga em cena é um prazer e um privilégio”, complementa Marcio Meirelles sobre o espetáculo, que também celebra os 80 anos de vida deste artista fundamental no cinema, no teatro e na TV brasileira, além de uma importante voz na defesa dos direitos de negros e negras no país. Para Rocco Pitanga, estar ao lado do pai no palco lhe permitiu uma série de aproximações. “Está tudo convergindo de uma maneira muito positiva, como se o universo estivesse conspirando a favor. É um encontro no teatro e na vida, ajudando a melhorar as duas coisas, o que também tem me inspirado a querer fazer mais e melhor”, explica, ao dizer que esse ano os dois, que moravam distantes , passaram a morar juntos.  “Mesmo com a agenda corrida, estamos passando os textos em casa. Nos ensaios, tenho vivido momentos singulares com meu pai, olhando no olho, conhecendo mais de mim, da nossa história, através dessa ferramenta motivadora que é o teatro com esse propósito”, complementa o ator. Provocações sobre identidade, política, história e tempo dão origem a diferentes pontos de vista, que permitem ao espectador chegar às suas próprias conclusões, a partir das reflexões e argumentações tecidas ao longo da cena. “Eu gosto muito da carpintaria dramatúrgica do Aldri. Ele tem uma visão rica da nova geração, tem um universo que me emociona muito. Pertence a uma boa safra”, elogia Pitanga, ao compará-lo com renomados escritores de África. “Está no nível de um Mia Couto, de um Agualusa“.Expectativas É por isso que o desejo de Pitanga é um só. “Eu quero com esse espetáculo surpreenda a todos. Espero que a gente encha aquele teatro, vá para as praças, universidades, escolas. Essa revisitação é o conhecimento, é a necessidade fundamental de saber quem é você, quem somos nós. É formação, é educação e isso é muito importante nos dias de de hoje”, defende. Quem for assistir à temporada na Sala do Coro do TCA, ainda vai poder saber mais sobre a vida do ator no foyer, onde serão exibidos trechos do documentário Pitanga (2017), antes das apresentações da peça. Dirigido por Beto Brant e por Camila Pitanga, o longa é ancorado nas andanças do ator pelas ruas de Salvador - pela escadaria da igreja de O Pagador de Promessas, pelas barracas de A Grande Feira - e em conversas espontâneas que trava com amigos e colegas. (Foto: Divulgação) CONTADOR DE HISTÓRIAS Dirigido por Camila Pitanga e Beto Brant, o documentário Pitanga (2017) mostra a intimidade do ator, para quem o maior tesouro são os amigos. Maria Bethânia está na lista. Aparecem também Caetano Veloso, Zezé Motta, Cacá Diegues, Paulinho da Viola, Othon Bastos e Ruth de Souza. (Foto: Divulgação)  HOMENAGENS RECENTES O ator foi homenageado no Prêmio Braskem de Teatro em 2018 e, este ano, tema do samba-enredo da Porto da Pedra. “Esse prêmio é uma revisitação a minha Bahia, ao meu povo, a minha família do teatro, das artes, da música, da literatura, do cinema, da capoeira. Neste templo sagrado, me chamam para ser homenageado em vida. Muito obrigado minha Bahia”. (Foto: Reprodução) CINEMA NOVO Pitanga foi peça central na construção da brasilidade, preocupação central dos diretores do Cinema Novo. Em A Grande Feira (foto acima), de Roberto Pires, ele vive o bandido Chico Diabo. Longa denuncia o racismo e a demagogia eleitoral, ao narrar a dramática disputa dos feirantes contra uma imobiliária em Água de Meninos.

PROGRAME-SE  O QUÊ Embarque Imediato ONDE Sala do Coro do TCA QUANDO 30 de maio a 16 de junho; De quinta a domingo, às 20h QUANTO R$ 30 | R$ 15; vendas nas bilheterias do Teatro Castro Alves, balcões no SAC e no site ingressorapido.com CLASSIFICAÇÃO  12 anos