Pais isolam filhos após casos de coronavírus em Feira de Santana

Na escola onde filhas da primeira baiana infectada estudam, alguns pais não deixaram crianças irem à aula

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  • Fernanda Santana

Publicado em 10 de março de 2020 às 05:45

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Às 12h, quando os primeiros alunos começaram a ser liberados do turno matutino, havia apenas duas mães à espera. No Colégio Helyos, em Feira de Santana, onde estudam as duas filhas da  primeira paciente diagnosticada com coronavírus  na Bahia, alguns pais não levaram os filhos para a escola, nesta segunda-feira, 09. As garotas, de 4 e 7 anos, não estão contaminadas pelo vírus, como divulgou a Prefeitura da cidade, no domingo, 08.

“As pacientes com coronavírus se encontram bem, os resultados dos contatos domiciliares foram negativos. Os contatos do trabalho estão sendo monitorados e até o momento todos estão assintomáticos”, confirmou nesta segunda, 09, ao CORREIO a médica infectologista Melissa Falcão, coordenadora do Comitê Gestor Municipal de Controle ao Coronavírus em Feira de Santana.

Também nesta segunda, o Ministério da Saúde (MS) disse em nota que vai adotar o mesmo critério estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que amplia a busca por casos suspeitos do novo coronavírus (Sars-Cov-2), vírus responsável pela doença Covid-19. Pela nova regra, nas cidades onde há casos confirmados de Covid-19, os testes serão feitos nos pacientes que não viajaram em duas situações: aqueles internados com quadro respiratório grave e os atendidos com síndrome gripal. Na Bahia, a única cidade  com dois casos confirmados é Feira de Santana.

No Estado, são 61 casos suspeitos sendo monitorados pela Secretaria Estadual de Saúde (Sesab). A informação foi divulgada em boletim atualizado pelo órgão, que considera  notificações de janeiro até  ontem. No total, já ocorreram 145 notificações à Sesab de casos suspeitos, sendo que 21 foram excluídos por não se enquadrarem no protocolo do MS, 61 foram descartados após exames e 61 aguardam análise.

Salas quase vazias

Na portaria da escola, a reportagem do CORREIO foi recepcionada com o recado de que nem os diretores do colégio - Maria Luiza Soledade e Teomar Soledade Júnior -, nem os funcionários dariam qualquer declaração. “O que era para ser dito já foi dito em nota”, restringiu-se a dizer uma porta-voz. Os funcionários traziam um adesivo com a frase “Lave as mãos” fixado nas camisas. Nos corredores da escola, foram distribuídas embalagens de álcool em gel.

Desde a confirmação do caso de coronavírus na mãe das alunas do colégio, na última sexta-feira, 06, houve queda na presença de estudantes. As filhas da paciente que se infectou com o vírus na Itália, mesmo sem apresentar a infecção Covid-19, também não foram para a aula. Ainda assim, quando deixou o filho numa turma da Educação Infantil, uma mãe reparou que, dos 18 alunos, apenas três estavam presentes. 

Todos os pais, mães e avós ouvidos pelo CORREIO pediram para não ter o nome divulgado na reportagem. “Não quero que digam que estou alimentando polêmica, mas realmente a gente não sabe de nada”, disse uma avó. Em outras duas turmas de crianças pequenas, dois aniversários foram cancelados. Nem as aniversariantes foram para a aula. 

Num grupo de mensagens pelo celular mães contaram que não mandariam seus filhos para a escola nos próximos 14 dias. Algumas disseram até que levaram seus filhos para consultas em pediatras. “Ele me recomendou que eu não levasse para a escola, para se alguma coisa aparecer nele ou se outros casos surgirem na cidade”, relatou uma mãe, sobre o filho. Em outra sala, apenas dois dos 18 alunos apareceram. 

As filhas da primeira paciente com coronavírus chegaram a ir para a aula antes da mãe ter o diagnóstico positivo. Foram embora por volta das 9:30 da última sexta. Uma das duas empregadas da feirense também foi contaminada. Nenhum dos integrantes da famílias ou as secretárias foram identificados e os nomes são mantidos sob sigilo. “Se teve alguém aqui que teve contato com o vírus, isso gera um caos. A gente fica sem ter informação”, disse outra mãe. Colégio convocou pais para reunião (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Enquanto esteve na entrada da escola, por mais de uma hora e meia, a reportagem viu duas crianças com máscara. Na saída dos pais, funcionários entregavam um panfleto amarelo com o anúncio de uma palestra, às 19h, do Comitê Gestor Municipal de Controle ao Coronavirus na unidade.

Depois da reunião, uma mãe entrou em contato com o CORREIO e afirmou que as dúvidas sobre o vírus foram esclarecidas. "Nos sentimos seguros em voltar à vida estudantil normal", contou ela.

Divididos

Na escola, pais e mães estão divididos. Há aqueles que temem a contaminação dos filhos por qualquer contato que possam ter tido com a família e funcionárias da paciente e quem está certo de que não há motivo para pânico. “Eu sou pediatra e trouxe minha filha. Não tem porque esse pânico todo. Nem acho certo esses discursos que algumas pessoas estão fazendo aqui dentro”, disse a mãe de duas estudantes.

Como ela, outras mães e pais sequer pensaram em resguardar crianças saudáveis em casa. “Uma hora ou outra, se for pra espalhar, vai espalhar. Aí, quem está fora, volta daqui a 15 dias e vai ter contato com o vírus de qualquer jeito. É só mais uma gripe”, opinou a mãe de uma criança de quatro anos, colega de sala da filha mais nova da primeira infectada por coronavírus no estado.

Depois do Carnaval, o colégio, o mais caro de Feira de Santana, chegou a pedir a ausência de alunos que tivessem viajado para o exterior. Em nota divulgada no Instagram, no sábado, 07, a escola pediu que crianças com resfriado e gripe não fossem enviadas para a aula. O secretário de Saúde da Bahia, Fábio Villas-Boas, criticou o pedido nos comentários e disse que crianças saudáveis não precisam ficar isoladas. Logo depois, a instituição desabilitou os comentários da postagem. 

O colégio é uma síntese da cidade, localizada a 100 quilômetros de Salvador. Há quem evite dar apertos de mãos em desconhecidos e pareça, ainda, querer uma distância mínima na hora da conversa. Outros circulam, abraçam, e cumprimentam com dois beijinhos no rosto como sempre fizeram. Não há nenhuma espécie de pânico e a rotina segue normalmente. 

Na Avenida Maria Quitéria, encontramos a fisioterapeuta Carla Almeida, 43, com uma máscara no rosto. Ela até achou que a corisa, a febre e a dor no corpo fossem reflexo do coronavírus, mas, depois de ir ao médico, teve a hipótese descartada. “Estou andando de máscara mais para proteger os outros da minha gripe do que qualquer outra coisa”, esclareceu. 

Álcool e máscaras na Feiraguay

Na Feiraguay, o maior centro de compras de Feira, o álcool em gel é visto sobre a maioria das bancadas. Por lá, comerciantes calculam que circulem, em média, três mil pessoas diariamente, entre turistas e moradores da cidade. Num dos boxes de uma galeria, um aviso informava que os funcionários começariam a usar máscaras. O material também fica disponível para os clientes. 

Um dos proprietários da loja de óculos, o chinês Kelvin Lichan contou que o álcool faz parte da rotina desde a confirmação do primeiro caso de coronavírus no Brasil, no dia 25 de fevereiro. Ele próprio acompanha o drama de familiares ainda residentes na China, onde a epidemia surgiu. “Quem estiver doente que fique em casa”, disse o estrangeiro, que, no meio da frase, mistura português e chinês. 

Quatro funcionárias de uma loja vizinha já usam máscara durante o expediente. “A gente tem contato com todo tipo de gente. No sábado, quando saí de máscara pela primeira vez, todo mundo estranhou, mas acho melhor prevenir”, afirmou Evelin Cristina dos Santos, 19, que trabalha mascarada desde então. Enquanto dava entrevista, uma colega, sob anonimato, discordava. “Não é para esse exagero todo não”, opinou.

O estoque pessoal de álcool em gel na feira começou a crescer nesta segunda, contaram os comerciantes. A vendedora Brenda Santos Almeida, 20, por exemplo, esguichava álcool nas mãos depois de atender qualquer cliente. “Meu patrão trouxe um pacote com 50 unidades hoje”, disse. Ela e outros comerciantes ouvidos acreditam que o movimento estava menor depois dos dois casos confirmados de coronavírus na cidade. Na mesma proporção, vendedores negaram queda no movimento.“Não vou deixar de vir só porque tiveram casos isolados”, comentou a consumidora Claudia Santana, 38, à procura de películas para o celular.  Comerciante decidiu começar a vender álcool gel (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) No balcão de vidro do seu box, Edvaldo Cajaíba de Oliveira, 79, arrumou, nesta segunda, seis embalagens de 500 ml de álcool em gel. Comprou de um fornecedor local uma caixa com 30 unidades depois de saber que o produto está em falta nas farmácias e ver na preocupação de amigos e clientes uma possibilidade de lucro. “Mas até agora não vendi nada. Comprei pensando em vender com essa história de vírus. Talvez não valha de nada”, brincou o senhor, que limpou as mãos com álcool em seguida.