Pantera Negra vai além das cifras e se transforma em evento cultural histórico

Sucesso de bilheteria, filme foi capaz de de injetar autoestima e representatividade em negros de todo o mundo

Publicado em 24 de março de 2018 às 06:25

- Atualizado há um ano

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Os mais de 1,2 bilhão de dólares arrecadados pelo filme Pantera Negra em todo o mundo desde a estreia, há cerca de um mês, são poucos para atestar o sucesso da produção - que já está com sequência garantida pela Marvel e já é a quarta mais vista do estúdio, atrás apenas dos dois filmes dos Vingadores e do Homem de Ferro 3. Comunicadores, ativistas e digital influencers foram convidados da pré-estreia no Shopping da Bahia; ideia era divulgar ao máximo o filme nas redes sociais (Foto: Genilson Coutinho) E são poucos porque o filme vai muito além das cifras e tem se configurado como uma experiência cultural única, capaz de injetar autoestima e representatividade em um público que não costumava se ver nas telonas quando o assunto era filme de super-herói.

Dirigido por Ryan Coogler e aclamado por sua diversidade na frente e atrás das câmeras, Pantera Negra conta a história do príncipe T'Challa (Chadwick Boseman), que retorna a Wakanda, uma nação africana isolada do mundo, mas com um tremendo potencial tecnológico, após a morte do pai, o rei T'Chaka (John Kani). Público tem caprichado no visual, apostando em adereços e tecidos africanos (Foto: Divulgação) À frente do país, T’Challa precisa lidar com um dilema:abrir as riquezas e conhecimentos de Wakanda para o mundo ou manter-se oculto do interesse externo e proteger aquilo que torna o lugar único? O conflito será levado ao extremo com a chegada do vilão Erik Killmonger (Michael B. Jordan).A marca da pantera O efeito Pantera Negra é tão poderoso que acaba motivando uma reação em cadeia: é sair do cinema com a sensação de que é preciso fazer outras pessoas assistirem ao filme. Aliás, teve muita gente que nem esperou o filme ser lançado para começar a movimentação. Caso do publicitário e empreendedor baiano Paulo Rogério, da Vale do Dendê, que organizou um evento no UCI Orient Shopping da Bahia. “Decidimos entrar em contato com o estúdio para fazer uma sessão especial em Salvador já na pré-estreia. Para gente era muito importante isso, pelo fato de Salvador ser a cidade mais negra fora da África”, comenta. Para sessão, ele convidou ativistas, jornalistas e digital influencers. “Pensamos nesse público pelo poder de propragação que eles têm e a ideia era divulgar ao máximo o filme”, diz. 

[[saiba_mais]] Presente na sessão, a comunicóloga Midiã Noelle afirma que o filme é mesmo poderoso. “Nos traz muitas reflexões sobre a importância da nossa ancestralidade, lembra que a população negra tem voz, que ela é capaz de mover o mundo nessa perspectiva da representatividade”, elenca. Versão brazuca: o designer Beto Vieira criou cartaz com brasileiros e viralizou nas redes sociais (Foto: Reprodução/ Facebook) Foi essa representatividade que fez a educadora Paula Nascimento formar o coletivo Panteras Negras, ao lado de outras 3 mulheres que atuam na área da tecnologia, da arte e da educação. Juntas, elas organizaram via Facebook um evento no Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha, no Centro de Salvador. “Conseguimos reunir 184 pessoas na pré-estreia e, desta primeira ocupação, rolaram desdobramentos, como a criação de grupos nas redes sociais  e a organização de novos encontros”, destaca.    Programa Corra pro Abraço levou pessoas em situação de rua e jovens moradores de bairros violentos de Salvador ao cinema no último dia 13 (Foto: Divulgação) Escolas, ONGs e projetos têm se mobilizado pra ampliar ao máximo o impacto social causado pelo filme. O programa Corra pro Abraço, que assiste pessoas em situação de rua e jovens moradores de bairros violentos de Salvador, levou 40 pessoas ao Glauber Rocha no último dia 13. De acordo com a coordenadora do programa, Trícia Calmon, a representatividade, o enfrentamento ao racismo e a luta pela garantia de direitos da população negra foram os principais fatores que levaram à saída cultural. “Pantera Negra permite o fortalecimento dessa identidade enquanto sujeitos de direitos na medida em nos apresenta referências éticas, comunitárias, políticas e científicas diferentes do que estamos acostumadas a ver nessas produções”, destaca.

A união faz a força Essa foi a primeira vez que Claudio Marques, diretor do Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha, viu uma movimentação tão intensa em torno de um filme no cinema. “É lindo ver o foyer tomado de gente preta, pessoas tão lindas quanto os atores e atrizes do filme. A gente costuma receber eventos de lançamento, sessões especiais, mas nessa quantidade e intensidade nunca tinha acontecido”, comenta. Segundo ele, cerca de 2400 pessoas assistiram ao filme em sessões especiais como as descritas.  “Gostaria que essas iniciativas continuassem, inclusive para filmes brasileiros, tão representativos da identidade da gente também”, arremata. Localizado no Centro, Cine Glauber Rocha foi o mais cotado para os rolés; na foto, estudantes da Escola Municipal Suzana Imbassahy, no Barbalho (Foto: Rafael Ribeiro) No que depender do fotógrafo Rafael Ribeiro, que após uma campanha online, conseguiu levar uma turma de 130 estudantes de uma escola municipal do Barbalho para o cinema, o trabalho está só começando. “Eu sou muito envolvido com movimento de cultura nerd, geek e esse filme traz uma mensagem muito importante. Juntei com dois amigos que também acreditam nisso e articulamos para que o filme chegasse a quem deveria chegar. Devemos fazer mais ações do tipo”, planeja.

Rolezinhos A ida de grandes grupos de jovens negros aos shoppings para assistir ao Pantera Negra fez muita gente recordar dos rolezinhos que tomaram conta do país em 2014. A prática, que chegou a ser reprimida por diversos shoppings,consistia no encontro de adolescentes nessses espaços durante o fim de semana; a marcação se dava sobretudo via redes sociais. "Naquele momento, a discussão girava em torno da expulsão dos negros desses espaços e agora nós voltamos, provando que somos cidadãos, consumidores. Às vezes o mercado não entende, o racismo continua vindo na frente, mas não tenho dúvida que as lanchonetes, lojas e o próprio cinema lucraram ainda mais com essa movimentação", comenta Paulo Rogério.

 Por isso, para a organização de alguns desses encontros, é um ato de extrema importância ocupar espaços elitizados e dar visibilidade ao movimento negro nesses locais. Segundo Claudio Marques, esse desejo político fez um dos grupos desmarcar a sessão com Espaço de Cinema Itaú Glauber Rocha. "Teve um grupo grande que procurou a gente dizendo que o Glauber era o cinema onde eles se sentiam mais acolhidos, mas depois de praticamente fechar, eles  me ligaram dizendo que iam pra outro cinema, em que eles se sentiam mal, justamente por conta desse enfrentamento. Entendo isso também, mas fiquei muito feliz por esse retorno de que, mesmo com todas as dificuldades, o Glauber é um dos cinemas mais acolhedores para essas pessoas. Sempre foi um ideal nosso fazer o cinema o lugar mais democrático possível", diz. Ocupação Afrofuturista: Cosplayer do Pantera Negra durante evento na Estação da Lapa, ano passado; movimentação em torno do filme começou bem antes do lançamento (Foto: Arisson Marinho/CORREIO)