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Kátia Borges
Publicado em 29 de setembro de 2018 às 05:00
- Atualizado há um ano
Há um único aspecto positivo na tirania. Ela nos desafia a ser criativos. Não há tempo para descanso ou remanso contemplativo. A tirania pede que o corpo se mova com cuidado o tempo todo. Tensos, seremos servos voluntariamente. O inferno costuma ser tão quente e acolhedor quanto uma zona de conforto. Não há paz ou sono ou sonho que se sustentem no espaço reduzido que a tirania oferece. Já reparou em nossos 3x4?
Tudo que nos reduz a números exatos vai nos encolhendo pouco a pouco até cabermos em espaços reduzidos de cidadania. Não há paz ou sono ou sonho. Há um único aspecto positivo na tirania. Ela nos desafia a ser criativos o tempo todo. O céu de Zuckerberg só é azul porque ele é daltônico, ilusão de imensidão em cubículos. Tudo que nos reduz a rótulos é existência em diminutivo. Já reparou em nossos 3x4?
Onde resta inteireza nesses retratos minúsculos? Neles, parecemos sempre feios e esquisitos. Pouco se vê do pescoço. Face sem corpo. Negação simbólica do universo em torno. Painel neutro estendido, branco a simular um outro. Funcionalidade para documentos. Neutralidade a negar o rosto. Tudo que nos reduz a números nos desafia a ser criativos o tempo todo. Não há zona de conforto em deixar que tomem nossa guia.
Para guiar um cão bem cego é preciso estar sempre pronto a acionar mecanismos de controle. Todos os animais se movem como se fossem o inferno em torno. Ameaça de ataque ao que, rendido, segue indiferente a um ambiente hostil que não acolhe. Tudo que nos reduz a números exatos tolhe a percepção de que o mundo é grande. Há países em que se come insetos. Há países em que se cultuam as vacas. Eis o belo.
Seja criativo o tempo todo, pede a tirania. Reinvente a roda, a porta na parede. Desenhe com o giz de sua mente. Onde resta a sua inteireza, onde a guia é sua sempre. Para guiar um cão bem cego é preciso alguma coragem. Vai que nos morde? O inferno costuma ser tão quente! Ilusão de azul em cubículos, onde ninguém cabe quando cresce. Cresce! Desconfortável zona de conforto, a tirania desvanece.