Paul McCartney entre nós: levamos a sério o 'até a próxima, Bahia'

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  • Da Redação

Publicado em 25 de março de 2019 às 18:00

- Atualizado há um ano

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Paul McCartney acenou para nós assim que apareceu na entrada principal do Hotel da Bahia, antes de sentar no banco detrás do carro como na música The back seat of my car. Melhor ainda, o carro veio em nossa direção — éramos apenas cerca de 10 pessoas — e ele abaixou o vidro quando chegou do nosso lado. I’ve just seen a face, e Paul estava de óculos escuros, nos dando tchau a centímetros de distância. Fui britânico demais para fazer o mesmo, mas uma fã colocou o braço dentro do carro para cumprimentá-lo, apesar da ação do segurança. Paul foi gentil e brasileiro, estendeu a mão e a cumprimentou.

Cenas de proximidade de Paul com o público brasileiro tornaram-se mais comuns desde 2010, quando o eterno beatle passou a trazer suas turnês ao país quase todo ano, passando por 12 cidades e realizando um sonho que nos parecia distante. Pra fechar a década, ele volta ao Brasil para shows em São Paulo e Curitiba, entre os dias 26 e 30 de março. No passado, já tinha se apresentado para cerca de 184 mil pessoas no histórico show do Maracanã, em 1990 — que entrou para o Guiness como o recorde de público em show de apenas um artista —, e depois em 1993, em São Paulo e Curitiba, o mesmo roteiro de agora.

Dessa vez não teremos mais como esperar por 17 anos. É bem verdade que Paul sempre parece disposto a voltar, mas prestes a chegar aos 77 é improvável que ainda tenha como se apresentar por aqui pelos próximos 10 anos. Por isso, essa década que está chegando ao fim terá sido um período especial em que tivemos a sorte de receber a visita de Macca. Igual, não haverá mais.

Mas o maior artista vivo da atualidade não pensa em parar. Em entrevista no programa de Jimmy Fallon, McCartney citou o veterano compositor Willie Nelson, que quando perguntado sobre se aposentar, respondeu irritado: “Me aposentar do quê?”. Ano passado, Paul lançou o disco Egypt Station, que atingiu o topo das paradas, algo que um álbum seu não alcançava desde os anos 80. Sua relação especial com o Brasil virou música em Back in Brazil, canção que compôs no tempo livre em uma de suas vindas ao país, e que teve o clipe gravado durante sua passagem por Salvador, em 2017, com algumas imagens captadas no Pelourinho, seguindo os passos do xará Paul Simon e do ex-parceiro Michael Jackson. O disco e o clipe foram lançados justamente no dia 7 de setembro, uma data simbólica para o Brasil.

Na crônica sobre o milésimo gol de Pelé, Nelson Rodrigues escreveu que toda a população do Rio de Janeiro deveria ter ido ao Maracanã assistir o jogo. E antes que os idiotas da objetividade lhe dissessem que a população da cidade não caberia no estádio, ele explicava que quem não conseguisse entrar deveria ficar nas cercanias, ouvindo tudo pelo rádio. Pois no show de Paul McCartney em Salvador, toda a Bahia merecia ter tido como se transportar pra lá de alguma maneira.

Na Fonte Nova, mesmo visto de longe e pelo telão, Paul estava mais perto de nós do que nunca. “It’s beautiful here”, disse ele sobre a cidade. Quando o show começou com A hard day’s night, o coro do público encobriu a voz de Macca como se o estádio fosse uma enorme Concha Acústica. Foi assim em quase todas as músicas dos Beatles: o público cantava junto, mais alto do que em outras cidades brasileiras, que já estão normalmente a muitos decibéis de vantagem sobre o resto do mundo. Nas arquibancadas, quem não resistiu sentado a tanta eletricidade se levantou e transformou as fileiras da frente numa espécie de geral, pulando e fazendo tremer o concreto. Antes de Blackbird, Paul falou em português, dizendo que a música era sobre direitos humanos, o que levou o público a vibrar e entoar um hoje obsoleto coro de “Fora, Temer”.

No palco, Paul achou a plateia “massa”, mandou um “Ave Maria” e disse até “Ó paí, ó”. O “até a próxima, Bahia” com que ele se despediu ainda vale como promessa. Naquela noite, entre as mais de 53 mil pessoas, teve quem acendesse o isqueiro só de brincadeira, porque a dança dos celulares já venceu essa batalha incandescente. E se os potentes vagalumes digitais não conseguem filmar e fotografar com a nitidez que só as nossas retinas podem registrar, servem para descobrirmos depois que tantas pessoas queridas estavam sendo realmente felizes ao mesmo tempo. Sim, neste caso estavam, não era truque.

A comunhão que se forma nos shows de Paul, com a aura dos Beatles e dos anos 60, dá a sensação de fazermos parte de um tipo bem especial de Igreja, com benefícios que nenhuma delas têm e sem os malefícios que todas possuem. Em 2014, em um show em São Paulo, com um ukelele em mãos, bem na hora em que ia recordar George Harrison em Something, Paul viu a chuva desabar sobre um público que realmente não se importava com o dilúvio. Ele então se aproximou do microfone e declamou um trecho de My Valentine: “What if rained? We didn’t care”.

Atrás do submarino amarelo só não vai quem já morreu...

*Lucas Fróes é jornalista.