Paulinho Boca de Cantor volta em álbum só com composições próprias

Pela primeira vez, cantor tem disco com repertório 100% autoral

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  • Roberto Midlej

Publicado em 26 de agosto de 2021 às 10:27

- Atualizado há um ano

. Crédito: Paola Alfamor/divulgação

Antes mesmo de começar a conversar com o repórter para falar sobre seu novo álbum, Além da Boca - já disponível nas plataformas de música -, Paulinho Boca de Cantor se antecipa e faz questão de dizer que nunca ficou parado depois do fim dos Novos Baianos, grupo que o revelou, assim como aconteceu com Moraes Moreira, Pepeu Gomes, Baby Consuelo (hoje, Baby do Brasil) e músicos importantes.

"Logo que o grupo terminou, lancei o disco Bom de Chinfra e Bom de Amor, em 1979 mesmo. Tinha parcerias com Zé Ramalho, Galvão, Gil... Dois anos depois, o disco Valeu. Mais dois anos, e veio Prazer de Viver. Ainda fiz três discos com a [gravadora] Odeon. Na década de 1990, teve o retorno dos Novos Baianos e gravamos Infinito Circular. Fiz com Edil Pacheco um disco sobre a música baiana. Participei do disco do centenário do Vitória, que tinha Ivete, Daniela, Tatau...", lembra o artista.

Agora, aos 75 anos, Paulinho continua mostrando que tem muito fôlego e lança, pela primeira vez, um trabalho em que assina todas as composições, sendo algumas em parceria. Na entrevista, empolga-se como um menino em início de carreira e se entusiasma principalmente quando fala dos parceiros no álbum. 

E essa empolgação se explica: Paulinho adora juntar uma turma para fazer um som e se assume agregador por natureza. Com o apoio do filho Betão Aguiar, que produz o álbum, o cantor conseguiu se reunir com uma turma muito interessante de outras gerações. Marcelo Jeneci, Anelis Assumpção, Manoel Cordeiro, Pupilo e Curumin são apenas alguns que participam de Além da Boca. "Betão foi muito legal porque tenho outras músicas e ele fez uma peneirada. E ele participa deste movimento da nova música popular brasileira. Sempre gostei de estar junto deste frescor: já participei de um show de Curumin e artistas de novas gerações participaram do meu trio no Carnaval, como Luê, Tulipa Ruiz, Lucas Santana...".

Esse espírito aglutinador vem dos tempos dos Novos Baianos, garante Paulinho. Ele já tinha alguma experiência como cantor quando conheceu Galvão e Moraes. "Se não fosse minha cancha como cantor, talvez eles dois fossem uma dupla hoje", diz o cantor, mas com muita modéstia e sem nenhum tom de exibicionismo.

Compositor

Na época do grupo, Paulinho tinha algumas composições próprias, mas Galvão acabou assumindo o posto de letrista e Moraes criava as melodias. Paulinho revezava o vocal com Baby e Moraes. "Eu tinha algumas músicas prontas na época, mas Galvão era o tradutor de toda a loucura que tava acontecendo. Fiz algumas músicas com os Novos Baianos, mas às vezes não eram gravados ou não fizeram o mesmo sucesso de Mistério do Planeta [de Moraes e Galvão], por exemplo", diz, sem nenhum ressentimento. 

"Eu era um compositor bissexto, mas Galvão era o tradutor de nossa vivência. A letra dele era uma tradução do ue todos nós falávamos. Não tenho nenhum desconforto em não ter feito as músicas", garante.

Mas agora, mais de 35 anos depois, é possível conhecer as qualidades de Paulinho como compositor - e não são poucas, como se percebe logo na primeira faixa, a emocionante e singela Eu Vou Deixar Essa Canção no Ar, um "reggae xoteado, um xote reggaeado", como diz Paulinho. Com direito a refrão grudento e tudo. 

Para Paulinho, essa canção traduz bem o espírito do álbum: "Betão tem essa coisa de jam session e essa música tem essa coisa da criação coletiva em estúdio, com músicos maravilhosos: Klaus [Sena] no baixo, [Marcelo] Jeneci no acordeon, Anelis [Assumpção] faz uma participação especial recitando um texto dela...", festeja o cantor. "Essa música é um grito de paz, busca a coisa que resiste dentro de nós, a esperança que ainda resiste", define.

E não falta no disco, claro, um toque de Novos Baianos, que está no samba O Jogo é 90 Minutos, uma das parcerias de Paulinho com o amigo Galvão. Além do ritmo, o tema lembra o antigo grupo do cantor, afinal o futebol era uma paixão daquela turma. "Sempre tivemos ligação com o futebol e é uma ligação filosófica. O futebol é como a vida: você tem que resolver no campo, às vezes em 30 segundos. Quem tá no campo tá na mesma batalha de quem tá na arquibancada".