Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.
Paulo Leandro
Publicado em 19 de junho de 2017 às 10:59
- Atualizado há um ano
Depois da derrota para o Palmeiras, o Bahia faz agora um Torneio do Povo contra Corinthians e Flamengo. São três clubes que desenvolveram entre os trabalhadores da base da pirâmide sua melhor representação. O futebol para consumo vem alterando este paradigma: baixa renda não combina com poder de compra. Restou a nostalgia de inclusão, orgânica a estes clubes, hoje apropriados pelo modelo mercantil excludente. O Torneio do Povo até já existiu mesmo e o Flamengo foi campeão em 1972. Disputavam também o Atlético Mineiro, o Internacional e o Coritiba, único intruso, por seu perfil antagônico. Em 1973, foi este Coritiba coxa-branca o campeão. A mitologia do futebol registra que um torcedor do Vitória, Antonio de Sá Teles Neto, tirou o título do Bahia. Na final do Torneio do Povo, em 1973, o Coritiba perdia por 2x1, naquela noite de Fonte Nova. Homero conta que o cíclope Antônio, infiltrado na torcida, trilou bem forte seu apito de juiz de basquete. Os zagueiros do Bahia, no reflexo, voltaram-se para o árbitro José Marçal Filho pra ver o que foi, seu juiz. Nada não, segue o baba. Fração de segundo suficiente para o lépido Hélio Pires deslizar rumo à meta tricolor. Gol do coxa-branca contra o Povo. O torcedor sapeca, depois de uns bons cascudos, saiu da Fonte direto para uma cela na Delegacia de Jogos e Costumes. Este tempo dos mitos e heróis ficou na Odisseia: agora, na era da cadeirinha de plástico, o locutor manda sentar e levantar, gritar e calar. A deliciosa espontaneidade dos estádios do povo virou congelamento de afetos: o torcedor-cliente vê sua imagem no telão de led enquanto mastiga seu cheesebacon comprado no cartão – quanta moral, pai!Foi a mitologia dos exageros e das surpresas que temperou o futebol como bom produto. A torcida, mesmo bonsai, aparada em suas rebeldias, resiste e dá show, mas até quando terá respostas próprias à estética de padrão, à previsibilidade dos comportamentos, à aparência em vez da essência, à chatice que esgana a galinha das bolas de ouro?Nunca mais teremos uma decisão de Ba-Vi 16x15! Está no Canto 32 da Ilíada que há exatos 40 anos, Bahia e Vitória empataram de 0x0, no tempo normal e na prorrogação, uma das decisões de turno do acirrado Campeonato Baiano de 1977. O Bahia foi Ulisses!Homero canta em seu poema que os jogadores acertavam e reacertavam divinamente bem as penalidades. Até os goleiros Luiz Antônio e Iberê fizeram gol um no outro! O clima de eternidade rondava a Fonte: e se nunca mais ninguém errasse? Somos gratos ao zagueiro Amadeu por nos trazer de volta a condição mortal ao chutar pela linha de fundo ali no gol do dique. Fomos deuses por algumas horas eternas! Por estes e outros mitos, o futebol tornou-se o melhor jogo, capaz de nos livrar do tédio, desde Epimeteu e Prometeu, criadores dos homens e dos bichos como diversão para Zeus e sua turma cósmica.O rival comum a todas as torcidas no mundo inteiro é o Tédio Futebol Clube. Este modelo chatinho e previsível, que escalamos no lugar do futebol alegre e fora de controle, é freguês deste TFC. Os torcedores, clientes entediados, podem buscar outras diversões. Ah, nunca mais um torcedor infiltrado, apitando da arquibancada para tirar o título do coirmão, nunca mais um placar de 16x15 no clássico mais difícil do mundo! Ouçam o velho Bigode: “o futebol existe para que a realidade não nos destrua!” Respondam ao homem da cabana: “por que existe o Bahia do Povo no lugar do nada?” Paulo Leandro é jornalista, prof. Dr. e estudante de Filosofia.