Pedro Cardoso e nosso arrepio alheio

Senta que lá vem...

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  • Malu Fontes

Publicado em 24 de novembro de 2017 às 09:13

- Atualizado há um ano

Vamos combinar: fica muito mais possível fazer isso quando não se tem nenhum contrato com nenhuma emissora de TV no Brasil, quando se resolve que vai brigar com a indústria cultural do país e, principalmente, quando se está morando fora do Brasil há algum tempo e não se quer voltar, como é o caso dele, que se mudou para Portugal após o fim de A Grande Família saiu super ressentido porque a Globo não bancou a ideia de um programa dele. Fica muito difícil é quando se tem um contrato com uma emissora no Brasil, precisar fazer publicidade em TV e fazer algo assim. 

Acho - e não é certeza nem sentença, é só opinião pessoal, que não tem a ver só com coragem. É militância e senso de oportunidade que a vida dele hoje permite. Um monte de colegas - e de nós, que adoramos nos “arrepiar” e adotar para arrepios de segunda mão em rede social - com trabalhinho, contrato televisivo e todas as contas para pagar no futuro - talvez morra de vontade de fazer isso, mas não vai fazer porque não pode e a sensatez pisa no freio. E levantar do Sem Censura, de uma TV pública hoje com uma gestão desmoralizada, convenhamos, é fácil. Muita gente nem lá vai para levantar ao vivo. 

Difícil é levantar da cadeira de Fatinha no meio do encontro, da poltrona quentinha da madrugada de Bial e do sofá estiloso do Saia Justa. Havia, há, todo um contexto que acolhia o ato, no caso de Pedro, que há cerca de 3 anos decidiu decidir que tudo o que se faz na indústria cultural brasileira é pornográfico, tudo, tudo mesmo, nos termos dele, exceto o que ele faz, claro, e agora faz em Portugal. E diante de algumas atitudes parece que todo mundo fica meio infantilizado nesses tempos sombrios: “olha, vamo pular, vamo pular, vamo pular, temos mais um herói para chamar de nosso! Nossa, ele cuspiu na cara do sistemão que eu também cuspo”. Cospe nada! A gente adora e tem talento grande mesmo é para ser claquete do cuspe alheio e mais ainda para cuspir em gente do nosso tamanho e de preferência em rede social, pois na rua a gente é limpinho, do bem e triste por esse mundo tão desumano. Ah, sei. Ah, tá. 

O gesto de Pedro é o alimento da nossa emoção de segunda mão de cada dia. É nossa ração das últimas 24 horas. Cada um faz o que pode e tem vontade e, principalmente, o que a nossa vida permite. Vejo gente que conheço de perto, escrota para caralho, aliada ao que há de pior no mercado, postando aqui que tá arrepiada. Eu também estou, mas é de frio mesmo. Sobre Pedro, ok, aplausos, mas ele estava apenas sendo Pedro, o Pedro que arrepia os pêlos dos militantes de sofá das redes sociais desde que saiu do Brasil brigando com Deus e o mundo porque não lhe deram um programa para chamar de seu. Pronto, por hoje já contrariei o meu manual em rascunho, o “como sobreviver às tretas das redes sociais”. Fiquei cansadinha de tanto arrepio e mordi a isca sabendo que estava mordendo. Ativei o ímã logo cedo, eu sei.

Texto originalmente publicado no Facebook