Perguntas e resposta sobre a greve dos caminhoneiros; entenda

Apesar de acordo estabelecido entre categoria e governo, em alguns estados a greve permanece e chega ao 9° dia

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  • Da Redação

Publicado em 29 de maio de 2018 às 08:28

- Atualizado há um ano

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1 – Por que o diesel e a gasolina sobem tanto se o Brasil é um grande produtor de petróleo?

De um lado, a Petrobras faz dinheiro exportando óleo cru. De outro, produzindo diesel e gasolina com seu petróleo para vender no mercado interno. A exportação de matéria-prima, porém, é mais lucrativa. A gestão Pedro Parente, então, decidiu focar na exportação, diminuindo a produção de derivados. Para suprir a demanda por diesel e gasolina, a estatal e suas concorrentes importam os combustíveis.

De acordo com a Associação de Engenheiros da Petrobras (Aepet) o diesel importado respondia por 41% do mercado em 2015. Em 2017, já tinha subido para 80%. Os preços dos combustíveis importados flutua diariamente no mercado internacional, acompanhando a variação do barril de petróleo. Se a Petrobras não acompanhar esses valores, reajustando seus preços diariamente, corre o risco de amargar prejuízos.

É o que vinha acontecendo até 2014, quando a empresa era obrigada a comprar combustíveis lá fora por um preço maior que o de revenda no mercado interno. Era como se a estatal comprasse algo por R$ 10 e tivesse de revender a um preço tabelado em R$ 7. Essa política sangrava o caixa da Petrobras, e colocava a própria existência dela em risco. A adoção dos reajustes diários, em julho de 2017, foi considerada o movimento mais importante da companhia rumo à saúde financeira. Mas aí apareceu uma pedra no meio do caminho: de 2016 para cá, o preço do barril no mercado internacional subiu 170%, de US$ 28 para os atuais US$ 76, o que nos leva à segunda pergunta.

2 – Por que o petróleo aumentou lá fora?

Quando o barril estava abaixo de US$ 30, a Arábia Saudita liderou uma freada na produção global para reduzir a oferta, e fazer o preço subir na marra. A medida demorou para surtir efeito, porque os estoques dos países consumidores estava cheio de petróleo comprado a preço de banana.

Conforme os estoques foram reduzindo, do meio de 2017 para cá, os petróleo ficou mais caro. A recuperação econômica dos EUA e da União Europeia, que só agora começam a se ver livres da crise que começou em 2008, também pressionou a demanda. Para piorar, os EUA voltaram a boicotar petróleo do Irã, um dos grandes exportadores do planeta, por razões políticas – o que fez a oferta de petróleo diminuir mais ainda, e os preços voltarem à estratosfera.  

3 – Mas e a alta do dólar?

Pois é. Não dá para comprar petróleo com reais, ou com qualquer outra moeda que não seja o dólar. O problema é que o dólar está caro, e por um motivo que nada tem a ver com petróleo. Os EUA estavam aplicando uma política de juros perto de zero para fomentar a economia (quanto menores os juros, maior o consumo). Com a recuperação, os juros americanos começaram a voltar a taxas mais próximas das normais. Só tem uma coisa.

Os juros também balizam o quanto um país paga para pegar dinheiro emprestado (dinheiro sem o qual nenhum governo consegue tocar as despesas do dia a dia). Pois bem. Os juros de longo prazo dos títulos da dívida pública americana subiram de algo perto de zero para 3% ao ano. Para comprar títulos da dívida americana, você precisa de dólares. Quando esses títulos ficam mais atraentes (e 3% é atraente para uma moeda que inflaciona pouco, como o dólar), a demanda pela moeda americana sobe.

Moeda, afinal, também é mercadoria. E pagando juros bons sem o risco de inflacionar, o dólar se torna uma mercadoria requisitada. Nisso, o real e todas as outras moedas perdem valor, já que você vai precisar de uma quantidade maior delas para comprar cada dólar. Mesmo assim, o aumento do dólar não foi tão relevante. A moeda americana subiu 12% nos últimos 12 meses, contra 22%, em média, da gasolina e do diesel.

4 – Quem começou a greve?

Não foi possível detectar uma liderança centralizada até agora. A organização foi com base no Whatsapp – num modus operandi que lembra mais os protestos de 2013 do que uma greve clássica, com líderes estabelecidos. Mas há evidências de que as empresas de transporte estejam por trás do movimento. De acordo com o sociólogo do trabalho Ricardo Antunes, da Unicamp, 55% dos dois milhões de caminhões que circulam pelo país pertencem a empresas.

Sem as grandes companhias envolvidas, então, dificilmente haveria uma greve tão generalizada. Tal atitude, como você deve estar acompanhando no noticiário, é crime. Empresários não podem paralisar seus serviços para obter vantagens do governo – só trabalhadores têm esse direito.

5 – Foi só por causa do preço do combustível?

Não. A situação dos caminhoneiros e das empresas de transporte se complicou com a recessão. Quando a economia crescia com força, no final da década passada, o governo federal passou a oferecer crédito barato, via BNDES, para a compra de caminhões. Natural.

O “gargalo logístico” sempre foi um freio para a nossa economia. A medida melhorou nossa capacidade logística. De 2009 para cá a frota de caminhões aumentou em 40%. A economia, porém, subiu só 11%. Nisso, passamos a ter caminhão demais para frete de menos. Todos foram obrigados a reduzir seus preços, operando com margens de lucro bem menores. Então veio a escalada no preço do diesel para comer uma fatia desse lucro já minguado. Foi a gota que faltava.

6 - O governo demorou para agir?

A CNTA apresentou em 16 de maio um ofício ao governo federal pedindo o congelamento do preço do diesel e a abertura de negociações. Dois dias depois, lançou um comunicado alertando para a possibilidade de greve. Nas duas ocasiões, foi ignorada.

A avaliação do Planalto é que os serviços de inteligência não previram o potencial do movimento para gerar uma crise. Ao longo da semana passada, o presidente Michel Temer continuou cumprindo sua agenda de compromissos normalmente, enquanto diversas cidades já enfrentavam falta de gasolina nos postos, redução da frota de transporte público e boxes vazios nos centros de abastecimento de alimentos.

O governo só foi se reunir para avaliar a situação na noite de segunda-feira, quando a greve já estava a todo vapor na maioria dos estados. A primeira proposta para encerrar a paralisação só foi sair um dia depois, na terça à noite, mas coube ao Legislativo o papel central. O presidente da Câmara anunciou que a cobrança de um dos impostos do diesel, a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), seria zerada. Mas os caminhoneiros consideraram a proposta insuficiente e continuaram nas estradas.

No terceiro dia de greve, foi feita uma nova tentativa de acerto com os caminhoneiros. Mas, mais uma vez, o protagonismo não veio do governo. Coube ao presidente de Petrobras, Pedro Parente, anunciar uma redução de 10% do preço do diesel nas refinarias por 15 dias. De toda forma, a medida não foi o bastante para encerrar a greve.

O governo só foi participar de forma mais consistente das negociações na quinta-feira, quarto dia de greve, quando ofereceu um acordo que incluía, além da redução do diesel, diversas outras medidas. Mas nem mesmo esse amplo acordo garantiu o fim da paralisação, que se estendeu por todo o final de semana. No domingo, após quase uma semana de paralisação, o governo anunciou uma nova proposta. Desta vez, atendeu praticamente todas as exigências dos caminhoneiros e oficializou rapidamente o compromisso no Diário Oficial da União. Mesmo assim, ainda há bloqueios nas estradas.

7 - O que eles pediram (e conseguiram) a mais?

Além de mexer nos preços do diesel, os autônomos conseguiram:Isenção de pedágio pelo eixo suspenso de caminhões (quando o veículo roda vazio) em rodovias municipais, estaduais e federais;  Reserva de 30% do frete da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) para caminhoneiros autônomos;  Criação de uma tabela com preço mínimo para o valor do frete;  Negociar para que a Petrobras passe a permitir a contratação de autônomos no transporte de cargas; Cumprir regras da ANTT sobre a renovação de frotas na contratação de transporte de carga; Não voltar a cobrar imposto sobre a folha de pagamento de empresas do setor de transporte de carga; Negociar para que os estados deixem de cobrar, nas rodovias estaduais, pedágio sobre eixo suspenso em caminhões vazios.