Pierre Lévy: 'Estamos vivendo a quarta revolução da comunicação'

Francês é o próximo conferencista do Fronteiras do Pensamento, terça-feira (10)

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  • Roberto Midlej

Publicado em 7 de setembro de 2019 às 05:30

- Atualizado há um ano

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O filósofo francês Pierre Lévy, de 63 anos, ganhou projeção internacional nos anos 1990, quando lançou livros como A Inteligência Coletiva (1994) e  Cibercultura (1997), em que analisava questões suscitadas pela internet quando a rede de computadores ainda estava nascendo.

"Naquela época, apenas 1% da população mundial tinha acesso à internet; hoje esse número ultrapassa os 60%", observa o estudioso. Lévy também defende a internet como ferramenta para a sustentação da democracia: "Hoje, você não está sujeito apenas à opinião de um editor de um veículo de comunicação e esse é um ponto positivo dessa democracia".

O francês ressalta ainda a internet e a tecnologia como importantes ferramentas de educação, embora reconheça que nem sempre as escolas aproveitam efetivamente esses elementos: "Elas observam a tecnologia como ferramenta pedagógica, como forma de olhar mapa no tablet ou aprender matemática pelo computador", critica o ex-professor da Universidade de Ottawa, no Canadá, hoje aposentado. Em conversa com o CORREIO, Levy antecipou um pouco da conferência que fará nesta terça-feira no Fronteiras do Pensamento, no Teatro Castro Alves.

"Sou um filósofo racional, não sou um guru (risos). Portanto, não vou lhe dizer qual o sentido da vida", disse ao jornal em tom bem-humorado quando questionado sobre o tema do evento deste ano, que são os sentidos da vida. O Fronteiras do Pensamento é patrocinado pela Braskem e pelo Governo do Estado da Bahia, através do Fazcultura, com apoio do Clube Correio e da Rede Bahia.

O senhor afirma que estamos vivendo a quarta revolução da comunicação? Pode explicar o que significa? Eu acho que a primeira revolução da história da comunicação foi a invenção da escrita e com a invenção da escrita veio a agricultura organizada, cidades planejadas, estados, os templos. Portanto, essa primeira revolução chega junto a uma transformação antropológica da época. A segunda grande revolução foi uma melhora da escrita, a invenção do alfabeto, dos algarismos arábicos, do papel... todas essas invenções que tornaram a escrita mais fácil de ser compreendida e utilizada pela maioria das pessoas. Então, com essa segunda revolução, a "revolução alfabética", mais pessoas foram capazes de escrever e ler e se criou a noção de cidadania, a democracia, a filosofia. Todas essas coisas ajudaram a pessoas a pensar de formam mais abstrata, ir além do concreto e começar a filosofar sobre essas questões. A terceira revolução foi a criação da imprensa, não só  imprensa escrita, mas a mídia de massa, com a televisão, o rádio, que ajudou na multiplicação ou a distribuição de mensagens, músicas e por aí vai. E hoje vivemos a quarta grande revolução: temos uma rede onde todos os documentos e a informação podem se comunicar entre si, onde pessoas podem se comunicar facilmente, estamos longe um do outro e além disso, temos milhões de microrrobôs que podem traduzir, transformar e computar todo tipo de informação. Então, da mesma forma que com a imprensa, nós tivemos a democracia moderna, estamos agora passando pela experiência do começo de uma grande transformação da civilização. Mas é apenas o início. 

Muitos defendem que a internet é muito importante para a sustentação da democracia. Por que? Primeiro, sei que há um sistema eletrônico para votar no Brasil, mas o mais importante é a habilidade melhorada para discussões e deliberações. Temos uma melhor meio de nos informar, temos acesso a diversidade de opiniões e não estamos restritos às opiniões da TV ou dos grandes jornais. Antes da internet, eu só teria acesso à opinião canadense ou francesa. Hoje, posso ver opiniões de todo o mundo. Outra coisa: há maior possibilidade de se expressar, afinal qualquer pessoa pode ter um blog ou se exprimir em redes sociais. Hoje, você não está sujeito apenas à opinião de um editor de um veículo de comunicação e esse é um ponto positivo dessa democracia. : minha barba está branca, mas quando eu era jovem eu lia muitos jornais impressos e via TV, os noticiários, era interessado no que ocorria no mundo, era um animal político, não me arrependo da forma como usei o tempo nessas épocas. No meu twitter, sou interessado em política judia, américa Latina, Europa e Eua e tenho lista para essas regiões, para o Irã, Egito, Turquia... Em cada uma das listas, eu sigo uma outra lista de notícia desses países e sigo pessoas de partidos diferentes para ter o ponto de vista de governo e de oposição, mas isso demanda tempo. E todos eles podem ser como jornalistas, se equiparar a um jornalista, você tem uma variedade de fontes e pode compará-las. Uma variedade de fontes e você pode comparar o que elas dizem e isso era impossível antes. E isso não diz respeito aos "jornalistas" no sentido estrito, mas também a autoridades, ministros, diplomatas, empresários, mas os grandes atores têm essa visão e posso fazer perguntas a eles diretamente.

Por outro lado, a internet revelou o problema da disseminação das fake news, não é? laro que há questões negativas como manipulação como fake news, mas gostaria de exprimir a possibilidade de mentir já está implícita com a linguagem e sempre existiu. Se você ler muitos historiadores do Império Romano, vai ver que muitos deles manipulavam os fatos. Isso sempre existiu, então a internet não é razão das fake news e mentiras. Claro que o horizonte aumentou com o poder da comunicação, mas acho que a melhor forma de evitar essa manipulação é integrar a análise crítica desde a escola. Explicar como utilizar a mídia social de maneira cívica, deve haver uma pedagogia específica de mídias sociais dirigida ao público escolar. Mais uma vez uma questão de educação.

As escolas têm aproveitado a internet de forma adequada para a edução ou ainda está distante disso? Hoje, as pessoas veem tecnologia como ferramenta pedagógica, mas é  a forma errada de vislumbrar. Elas observam a tecnologia como ferramenta pedagógica, como forma de olhar mapa no tablet ou aprender matemática pelo computador. Isso não é ruim, mas não é o mais importante. O mais importante é que os jovens estejam completamente imersos no mundo da internet e mídias sociais. O professor precisa juntar-se a eles neste mundo. Assim, você vai criar muito mais atividades. Pessoalmente, uso a mídia social nos cursos que dou nas universidades.

No Brasil, um país ainda em desenvolvimento, poucas escolas públicas oferecem aos alunos recursos tecnológicos. Como resolver essa questão? Claro que nos EUA, canadá ou França, todos os estudantes tem seu próprio material, seus smartphones ou computadores e entendo que não é o caso do Brasil, em regiões mais pobres, mas em lugares maiores e metrópoles eles têm suas ferramentas e deveríamos utilizá-los. E se não tem, deveríamos fornecer. A ideia é essa porque depende da situação do local e observo que quando a escola distribui aos estudantes os tablets, não deveriam restringir seu uso especificamente aquestões escolares, mas deveriam ensinar os alunos como se comportar e a entender o que acontece no mundo digital.

O que é a inteligência coletiva, tema ao qual o senhor se dedica? A inteligência coletiva existe há muito tempo, mesmo até no reino animal entre as abelhas, que são da mesma colmeia, que trabalham juntas, fabricam mel juntas... Mamíferos tabém desenvolvem a inteligência coletiva, como balbuínos e chimpanzés, que estabalecem hierarquia social. Quando há um perigo, eles se comunicam e tudo isso é inteligência coletiva. Humanos, claro, são animais sociais e desde o início têm essa inteligência coletiva e também tem a linguagem, eles falam. Então, a inteligência coletiva é mais poderosa que de outros animais. Podemos transmitir nosso conhecimento de uma geração pra outra e podemos nos coordenar numa escala mais larga que outros animais. Temos um sistema poderoso de comunicação que pode nos ajudar a desenvolver uma melhor inteligência coletiva. O aspecto primordial é a memória. Podemos acumular a memória, como as abelhas fazem com o mel: mas, em vez de algo para comer, nós produzimos informação. Então, temos melhor memória, melhor comunicação, melhor racioncínio, melhores formas de coordenar nossa ações em negócios, na política ou em qualquer área de interesse. Temos uma oportunidade de aumentar nossa inteligência coletiva e temos ferramentas para isso, mas o problema agora é usá-las corretamente. Isso é porque estou dizendo: é melhor aumentar nossa inteligência coletiva que fazer bullying e importunar outras pessoas.

O Fronteiras do Pensamento deste ano, onde o senhor fará uma conferência, aborda os sentidos da vida. Embora seja uma pergunta complexo, o senhor pode dizer qual o sentido da vida? Sou um filósofo racional, não sou um guru (risos). Portanto, não vou lhe dizer qual o sentido da vida. Minha primeira observação é que os animais não são capazes de fazer a eles mesmo essa pergunta. Nós podemos nos fazer a pergunta porque temos a linguagem e com ela vêm muitas instituições sociais complexas como governo, economia e por aí vai. Tradições de conhecimento como filosofia e religião e essa tradições foram desenvolvidas para responder a essas perguntas, então vamos enfrentar esses problemas juntos e pensar a respeito. Na conferência, vou tentar entender quais são as ferramentas mentais que nos ajudam a construir razão e significado, que existem fora da objetividade do mundo material. É algo que é construído por pessoas que têm poderes linguísticos e culturais mais aprimorados. Vamos  crescer e desenvolver esses poderes que vão nos ajudar a responder essas questões.  

*Com tradução gentilmente realizada por William Jadie Faltesek Junior

ServiçoFronteiras do PensamentoLocal: Teatro Castro Alves (Campo Grande)Data: Terça-feira, 10 de setembro de 2019Horário: 20h30Ingresso: R$ 50 | R$ 25Conferencista: Pierre Lévy

Próxima edição  Quando: 1º de outubro, 20h30Conferencistas: Djamila Ribeiro e Lilia SchwarczOnde: Teatro Castro AlvesIngressos: cada conferência – R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia)