Pioneira em dirigir, vestir biquíni e fotografar inspira livro aos 97 anos

Aracy Esteve Gomes tem parte de seu acervo lançado em livro da Edufba, nesta quarta-feira (24)

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  • Laura Fernades

Publicado em 24 de fevereiro de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Aracy Esteve Gomes/Acervo Pessoal
Álbuns de família feitos por Aracy por Foto: Aracy Esteve Gomes/Acervo Pessoal

Mulher que usou biquíni quando nenhuma outra tinha coragem e dirigiu em uma época que só os homens faziam isso, Aracy Esteve Gomes, 97 anos, se formou na primeira turma de matemática da Bahia e fez da fotografia um hobby. Parte do seu acervo está reunido no livro Entre Imagem e Escrita: Aracy Esteve Gomes e a cidade de Salvador (Edufba | 374 páginas), que será lançado nesta quarta-feira (24), às 10h30.

O evento virtual faz parte do 21º Congresso de Pesquisa, Ensino e Extensão da Universidade Federal da Bahia (Ufba), que acontece até sexta-feira com atividades on-line. Entre elas, um bate-papo mediado pelos organizadores do livro, Junia Mortimer (PPGAU/Ufba) e Washington Drummond (Pós-Crítica/Uneb), e participação dos autores Renata Marquez (UFMG), Eduardo Costa (Fauusp) e Breno Silva (IFMG).

“A fotografia era o hobby dela, vivia com a máquina no pescoço. Digo que minha mãe foi matemática por opção e fotógrafa por paixão”, sorri a enfermeira Nuria Esteve Gomes, 66 anos, filha de Aracy. Boa parte das imagens feitas entre as décadas de 1950 e 1960 estão reunidas no livro que mostra a cidade de Salvador a partir do acervo familiar de Aracy, especificamente dos dez álbuns que ela mesma confeccionou para os filhos.

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“Ficamos envaidecidos com o livro, porque ela está sendo reconhecida, esse pioneirismo como mulher que começou há tantos anos. Naquela época era muito difícil galgar algo diferente como fotografar”, lembra Nuria. Seu avô, o espanhol José Esteve, foi quem ensinou a arte da fotografia para Aracy. Ele próprio aprendeu a tirar fotos porque queria mandar notícias para a família na Europa.

Sua filha não só aprendeu a fotografar, como criou seu estúdio de revelação dentro de casa, no Barbalho. Aos 90 anos, Aracy teve sua primeira exposição individual na Pinacoteca de São Paulo junto com imagens do pai. Os negativos em vidro e as imagens em preto e branco guardadas em sua casa serviram como fonte de pesquisa para os autores do livro que será lançado nesta quarta. 

“Eles fuçaram tudo, entraram em meus armários”, gargalha o arquiteto Arlindo Esteve Gomes, 70, primogênito de Aracy. Ele lembra que nos anos 1950 sua mãe “tinha um carrão e saía por aí tirando foto na Rolleiflex” e “através das fotos, é possível observar um comportamento de época”. “Você vê como as pessoas se vestiam, vê arquiteturas, mobiliário. Está sendo um fechamento com chave de ouro da trajetória dela”, agradece.

Feminino Nascida em Santo Antônio de Jesus e criada em Amargosa, Aracy teve suas fotos e cartas escritas para a família usados como mote para explorar a história de Salvador, onde mora desde 1934. Em um diálogo entre arquitetura e urbanismo, história e fotografia, o livro amplia os horizontes e mostra a cidade a partir das lentes da fotógrafa e seu íntimo familiar. Salvador registrada pelas lentes de Aracy Esteve Gomes (Foto: Acervo pessoal) “O que achei muito rico foi justamente que tinha ali, em uma prática fotográfica que não era necessariamente descritiva da cidade, indícios de cidade. Eram apresentados em uma cena familiar, em um restinho de edifício que aparece ao fundo. Me interessava essa prática familiar, de uma fotografia amadora e a cidade aparecendo ao fundo”, destaca a idealizadora do projeto, a professora Junia Mortimer, 37.

O livro mostra a complexidade da relação de um sujeito feminino com o espaço urbano. Tudo isso a partir das imagens feitas por uma mulher que usava maiô transparente, dirigia e tinha outros “hábitos que desviavam dos horizontes de expectativa social”, sinaliza Junia, sobre a fotógrafa que também fazia parte da construção do feminino acolhedor e maternal na relação com os filhos.

“A cidade aparece pelas práticas sociais. O que a gente percebe não é unânime, porque são vários pesquisadores no livro, mas é como se essa prática fotográfica de alguma forma franqueasse a ela uma prática urbana. Uma prática de cidade que talvez não fosse muito comum para as mulheres naquele momento”, destaca a organizadora do livro. “O que se tornou interessante foi essa complexidade”, acrescenta.

Autor de uma tese de doutorado sobre a fotografia de Pierre Verger (1902-1996) e professor de História da Uneb, Washington Drummond, 60, destaca a construção da memória a partir do visual, nos anos 1960. “Hoje, a gente tem terabytes. Mas nos anos 60, era uma coisa rara construir uma memória afetiva a partir de uma máquina”, compara. “É um livro muito bonito e acessível a todo mundo”, convida. Serviço O quê: Lançamento do livro Entre Imagem e Escrita: Aracy Esteve Gomes e a cidade de Salvador (Edufba | 374 páginas) Quando: Quarta-feira (24), às 10h30 Evento virtual faz parte do 21º Congresso de Pesquisa, Ensino e Extensão da Universidade Federal da Bahia (Ufba)http://www.congresso2021.ufba.br/