Plantas sagradas são colocadas próximo à Pedra de Xangô, em Cajazeiras

Seis mudas foram plantadas pelo povo de santo em parque etnobotânico

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  • Nilson Marinho

Publicado em 8 de junho de 2018 às 19:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO

O povo de santo pede licença a Ossain para tocar em suas ervas, plantas e árvores. Se ele é o orixá dono de tudo isso, não há iniciado que ouse tocar em uma folha sem antes ter sua autorização. Sem as plantas e ervas, inclusive, não há o sacudimento (limpeza espiritual), não há o cumprimento de obrigações, tampouco é feita a cabeça do sujeito no terreiro.

Elas são sagradas e essenciais para a religião. Por isso, na manhã desta sexta-feira (8), no Parque em Rede Pedra de Xangô, em Cajazeiras, seis mudas de plantas consideradas sagradas foram colocadas por adeptos do candomblé em um espaço considerado etnobotânico.

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Local sagrado O local escolhido para o plantio fica a pouco metros da Pedra de Xangô, tombada pela Prefeitura de Salvador no ano passado. Ali, os orixás são cultuados e agraciados com as oferendas – que ficam espalhadas pelo resquício de Mata Atlântica.

O local é considerado etnobotânico justamente porque de lá são colhidas partes das ervas – com a permissão de Ossain, é bom lembrar – que são utilizadas nas cerimônias religiosas dos terreiros que ficam em volta.  Pedra de Xangô é um dos locais mais importantes do cultos do candomblé em Salvador (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) A área foi definida no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), em 2016, e por lá foram mapeados cerca de 16 pontos considerados sagrados para a religão de matriz africana. 

Segundo Jacileda Santos, coordenadora do Grupo de Trabalho de Criação e Unidade de Conversação da Secretaria da Cidade Sustentável e Inovação (Secis), a tendência é que novas mudas sejam plantadas no lugar."O nosso objetivo é trazer outras plantas futuramente. Vamos ver quais são as plantas que cultivamos em nosso horto e que são consideradas sagradas para eles. Hoje, o povo de santo se propôs a plantar e nós vamos cercá-las e sinalizar a sua existência", explica Jacileda.Saudações Mãe Branca de Xangô fez sua saudação em iorubá antes de dobrar os joelhos na terra e curvar-se para fincar a muda de sangue lavou. De acordo com ela, na lenda, Ossain deu uma planta e erva para cada orixá. A sangue lavou, por exemplo, pertence a Xangô, assim como o akokô e a tapororoca. A espada de Iansã a Iansã, o peregun a Ogum e a aroeira a Ogum e Oxóssi. Todas essas plantas foram plantadas na manhã desta sexta."São folhas que servem para o banho, para atrair bons fluídos. Elas são muito importantes no processo de iniciação e obrigações. Nós sentimos a essência desse lugar. Sente quem tem o privilégio, aqueles escolhidos por Olorun (criador)", explica Mãe Branca. Maria Alice defendeu, em 2017, a dissertação de mestrado 'Pedra de Xangô: Um lugar sagrado afro-brasileiro na cidade de Salvador'. Ela investigou, durante dois anos, a relação dos terreiros de candomblé em Cajazeiras e adjacências com o espaço. Mãe Branca de Xangô colocou muda de sangue lavou no local (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Para ela, o local é de extrema importância para o povo de axé, já que 70% dos terreiros de Salvador são considerados "terreiros de lajes", ou seja, são localizados em espaços urbanos, onde o cultivo de plantas, muitas vezes, é impossível. "Esse espaço possibilita que os terreiros realizem os seus rituais. Aqui eles encontram o verde, nascentes, pedras e sem folha não há ritual, não há orixá. Então, é de suma importância a conservação e expansão dessa área e de todo seu entorno", disse Maria Alice. Sônia Silva, Yá egbe do Oxalufan concorda com a problemática. Sem espaços verdes nos terreiros, a solução é buscar as ervas nas feiras, como a de São Joaquim. No entanto, a procedência delas é duvidosa; muitas vezes não tem como saber se elas foram arrancadas da terra com a permissão de Ossain, dos caboclos das matas e Oxóssi. 

"É um momento muito importante. Quando vamos à feira não temos noção de como isso foi feito. Temos que preservar espaços como esses porque cada vez mais os resquícios de mata estão desaparecendo. Essa também é uma luta do povo de santo", afirma Sônia. 

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier.