PMs alegam que mestre de jiu-jítsu atirou contra equipe da Rondesp

Família contesta versão e cobra transparência da polícia

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  • Gil Santos

Publicado em 4 de dezembro de 2018 às 12:10

- Atualizado há um ano

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Os policiais militares que se envolveram na morte do mestre de jiu-jítsu Irailson Gama Costa, o Sinho Bahiano, 35 anos, alegam que o lutador atirou contra a equipe de abordagem. Em nota, a Polícia Militar deu pela primeira vez os detalhes do que os PMs disseram. A  corporação afirma que as duas armas de fogo, revólveres calibre 38, encontradas com as vítimas, Sinho e outro homem ainda não identificado, tinham munições picotadas, ou seja, que tinham sido usadas. 

A versão da polícia é de que, por volta das 23h30, uma equipe da Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT)/Rondesp BTS foi acionada por um casal na Avenida Barros Reis. As duas pessoas teriam dito que dois homens em um HB20 de cor cinza tentaram assaltá-los e fugiram sentido Rótula do Abacaxi.

"O veículo foi visualizado no Aquidabã e a equipe da PM fez o acompanhamento. Ao chegar na Avenida da França, bairro do Comércio, os policiais deram voz de abordagem, mas os criminosos atiraram contra os militares, que revidaram. Ao se aproximarem do carro, os policiais encontraram os dois atingidos e prestaram socorro até o Hospital Ernesto Simões Filho, onde não resistiram. Na ocorrência não consta a identidade da dupla", diz a nota.

A PM afirmou também que recuperou o Hyundai HB20, que tinha restrição de roubo, além dos dois revólveres calibre 38. A família da vítima contesta essas informações. Viúva de Irailson, a também mestre de jiu-jitsu Marta Helena Villas Boas, 40, contou que às 7h do dia 27 [horário em que o carro foi roubado, segundo a polícia], Sinho estava em casa, dormindo.

Ela disse também que o marido saiu de casa às 9h do dia 28 de novembro para treinar e que ele não sabia manusear armas. Marta contou que ainda não foi ouvida oficialmente pela polícia e que vai procurar a corregedoria da Polícia Militar na tarde desta terça-feira (4).

"Uma pessoa da Secretaria de Segurança Pública entrou em contato comigo ontem, mas não acertamos nada sobre depoimento. Ele ficou de me ligar novamente, mas até agora nada. Ninguém me ouviu até o momento. Vou na Corregedoria por uma iniciativa minha, a polícia não me procurou", afirmou.

Marta contou que não esteve no Hospital Ernesto Simões Filho, para onde os policiais disseram que socorreram Sinho, mas que teve acesso aos registros das ocorrências da unidade e que o marido não deu entrada no local.

Procurada pelo CORREIO, a Secretaria de Saúde do Estado (Sesab) informou, através da assessoria, que "não fornece informações de pacientes", nem mesmo registro de datas das unidades de saúde.

A família também contesta a informação de que o lutador não estava identificado. Segundo eles, havia um documento no bolso de Sinho.

A PM respondeu que instaurou um Inquérito Policial Militar, mas não respondeu quantos policiais militares participaram do alegado confronto.

Comoção Ao menos 300 pessoas, entre familiares, alunos e colegas de profissão participaram do sepultamento de Sinho, na tarde desta segunda-feira (3), no Cemitério Campo Santo, na Federação.

Chorando muito, o filho da vítima participou do velório e também do cortejo fúnebre do pai. A criança permaneceu abraçada a uma outra criança a maior parte do tempo, acompanhado de outros familiares, além da mãe, Marta Villas Boas. Segundo a viúva, o filho foi informado de toda situação. "Ele também quer saber o que, de fato, aconteceu".

Professor de jiu-jitsu há mais de 15 anos, Sinho era querido não só entre os alunos, mas também pelos pais deles. Para a recepcionista Daiana Santana, 35, comentou que criou uma relação de amizade com o mestre do filho de 9 anos.

"Coloquei meu filho nas aulas em um momento em que ele estava mal na escola, sem disciplina, e tudo melhorou depois dos treinos, inclusive as notas. Ele ficou na academia por um ano e quando eu tirei, Sinho sempre me pedia pra eu levar ele [o filho] de volta", disse, emocionada, logo após o enterro.

Daiana é uma das pessoas que também não acreditam que o mestre estava a bordo de um carro roubado. "É um absurdo, isso não faz sentido nenhum para quem conhecia ele o mínimo que fosse. Um rapaz maravilhoso, de alma caridosa", completou.

O lutador atualmente era monitor do projeto social Luta Cidadã, que funcionava dentro da Base Comunitária da Polícia Militar em São Caetano.

Amigo de infância, o gerente comercial Davi Almeida, 26, comentou que nunca soube de qualquer "coisa ruim" envolvendo o atleta. "Muito pelo contrário, um homem muito trabalhador, pai de família comprometido e que tinha amor pelo esporte e pelos alunos", disse ao CORREIO.

Campeão brasileiro Sinho Baiano começou a lutar jiu-jitsu aos 13 anos. Aos 21, participou do primeiro campeonato vale-tudo. A família – incluindo a esposa, com quem estava há 15 anos, e o filho de 12 anos – praticavam juntos o esporte.

Entre os principais resultados do atleta, estão o tricampeonato baiano estadual na modalidade, o 3º Lugar na Copa do Mundo de Jiu-Jitsu, em 2010, e o 1º lugar em peso e absoluto da 2ª Etapa do Campeonato Mundial, em 2015, em Buenos Aires. Este ano, Sinho também foi vice-campeão do Floripa Fall International Open Jiu-Jítsu, em Florianópolis.

À reportagem, Marta contou que a próxima viagem internacional de Sinho aconteceria em janeiro, onde ia participar, em Portugal, do Black Belt Challenge - campeonato em que já havia sido campeão em 2017.