Pode nudez no Instagram? Fotógrafas acusam plataforma de censura

Empresa nega acusações e se defende citando promoção de "ambiente seguro e inclusivo"

Publicado em 11 de junho de 2019 às 05:32

- Atualizado há um ano

Popular plataforma para artistas que compartilham seu trabalho online, o Instagram vem sendo criticado por proibir fotografias de corpo nu. Quem trabalha com nudez artística tem visto páginas inteiras serem derrubadas, momentânea ou permanentemente, sob justificativa de infringirem as diretrizes da rede.

 "Criar arte é difícil, ser artista é difícil, ser mulher é difícil, ser feminista é difícil, lutar por igualdade e por quebra de padrões é difícil. Retirar a mulher do lugar objeto na arte e na sociedade é difícil. Falar de nudez é difícil, retirar a nudez do lugar erótico é bem difícil. Agora experimenta fazer tudo isso ao mesmo tempo", provoca a fotógrafa Pamela Facco, para quem o debate sobre a "censura" no Instagram ganha contornos ainda mais polêmicos quando observado o teor das publicações alvo de restrição pela plataforma. Ela teve diversas publicações proibidas na rede social, além de ter visto o engajamento de sua página @poesiacomelos cair consideravelmente após o apagamento de hashtags. A situação fez ela mover um processo judicial contra o Instagram.

"Fui a primeira fotografa no Brasil que trabalha com nudez artística a processar a plataforma por essa arbitrariedade. O caso é inédito: inclusive tive dificuldades para encontrar algum advogado que o aceitasse justamente por não ter nenhum precedente como esse para utilizar como referência", lembra. (Foto: Pamela Facco) Projetos que evitam a objetificação do nu e  deslocam o corpo da mulher do lugar de objeto, além daqueles que questionam padrões estéticos e evidenciam a fragilidade masculina seriam, segundo Facco, os mais afetados pela política da rede social. A opinião é compartilhada pela também fotógrafa Milena Abreu. "A pornografia está em alta no Instagram. Há várias páginas com mulheres nuas, fotografadas por homens, de forma sensual, e essas páginas se mantém. No entanto, as que questionam, que tentam quebrar paradigmas, são cada vez mais derrubadas", acusa. 

O Instagram defende-se evocando o que dizem suas diretrizes: apesar do desejo de pessoas em publicar imagens de nudez de natureza artística ou criativa, por vários motivos, a plataforma não permite esse tipo de conteúdo. "Isso inclui fotos, vídeos e alguns conteúdos criados digitalmente que mostram relações sexuais, genitais e close-ups de nádegas totalmente expostas, além de algumas fotos de mamilos femininos", diz o documento. (Foto: Milena Abreu) Fotos de cicatrizes causadas por mastectomia e de mulheres amamentando são permitidas, bem como nudez em imagens de pinturas e esculturas. Essas últimas passaram a ser possíveis a partir da última atualização do documento. Antes, nem elas eram permitidas, sob a alegação de que a rede permitia membros a partir de 13 anos.

Proibições como essas, embora discutíveis, podem ajudar a reduzir a "pornografia de vingança", já que uma foto de nudez sem consentimento postada na rede social poderia causas prejuízos incalculáveis às vidas das vítimas. A empresa assegura que a máxima preconizada por eles é a promoção de um "ambiente seguro e inclusivo para que as pessoas se expressem e conectem".

Por ser uma comunidade global, com bilhões de usuários, a empresa admite a dificuldade de analisar todas as nuances envolvendo a nudez artística, inclusive pelas diferenças culturais entre os países. "Levando em conta a complexidade dessa questão, nos esforçamos para manter uma experiência confortável para toda nossa comunidade global que é amplamente diversa, etária e culturalmente”, afirma em nota.

Na semana passada, esse debate ganhou mais um capítulo. Dessa vez, em forma de protesto que foi parar nas ruas. Centenas de ativistas anti-censura saíram nus com adesivos de mamilos masculinos grudados ao corpo para "destacar a desigualdade de gênero rígida e anacrônica nas políticas de nudez existentes". (Foto: AFP) A ação aconteceu em frente à sede do Instagram, em Nova York, e foi orquestrada pelo fotógrafo norte-americano Spencer Tunick junto com a Coalizão Nacional Contra a Censura (NCAC).“O corpo humano sempre foi um assunto central da arte. Suas representações evoluíram com tecnologias de expressão: de desenhos de cavernas a escultura e pintura, a fotografia e vídeo ”, disse o NCAC no manifesto #WetheNipple (#nósosmamilos em tradução livre), que protestou contra as diretrizes de nudez da empresa de mídia social .

"Reconhecemos que a moderação de conteúdo para bilhões de usuários é desafiadora e que a linha entre arte e imagens que não são arte é difícil", disse Svetlana Mintcheva, diretora do NCAC, em um comunicado. “No entanto, se o Facebook e o Instagram quiserem plataformas para artistas, eles precisam modificar sua atual proibição de nudez artística, que prejudica artistas que trabalham com o corpo humano, especialmente aqueles que exploram questões de gênero e identidade. Pedimos que a empresa adote uma política favorável à arte desenvolvida com a ajuda de um grupo de interessados ​​globais, como defensores de artes, historiadores, curadores e artistas", continou.

Quem já teve problemas na rede social, busca agora alternativas para expor seu trabalho, como pôr tarjas nos registros, a passar a publicá-los em outros canais. "Eu sempre postava as fotos com algum tipo de tarja, porque eu já sabia que o conteúdo teria alguma chance de ser apagado. Algumas fotos que eu tinha acabado de postar sumiam, e outras que já tinha postado há dias eram notificadas depois. Quanto mais minha página foi ganhando alcance, mais as coisas sumiam rapidamente. Fiquei um período sem postar com frequência, e quando fui logar, estava se, acesso a página. Ela não existia mais, e não tinha nada mais a ser feito", lembra Milena Abreu, que viu todo o trabalho da @feminua sumir, em fevereiro deste ano. "Por mais que eu já tivesse visto acontecer, a gente nunca espera que uma página inteira, de um trabalho que ia muito além da foto, fosse apagada", desabafa.

Desde então, ela vem priorizando exposições e outros trabalhos que explorem a materialidade da fotografia. "Eu já estava começando a me desanimar. O projeto censurado vai de encontro ao que o projeto prega, isso já era algo que estava me incomodando bastante. Com a página sendo apagada, eu resolvi que não valia a pena. Não é uma forma sustentável, não cria boas narrativas. O trabalho deve ser visto como deve ser visto. As imagens são muito maiores do que o Instagram quer", diz ela, ao comparar o Instagram a um chefe (homem), que a todo instante diz que imagem ele quer ou não.