Por que Chico Brown não quer o caminho mais fácil 

Artista é filho de Carlinhos Brown, neto de Chico Buarque e de Marieta Severo; leia a entrevista

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  • Laura Fernades

Publicado em 7 de setembro de 2021 às 17:57

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto Fábio Teixeira

“Criador de miludia” e “sonhador de harmonia”, como define em seu perfil do Instagram, Chico Brown, 24 anos, é muito mais do que filho de Carlinhos Brown, neto de Chico Buarque e de Marieta Severo. Também vai além do compositor que se destaca no disco mais recente de Marisa Monte, Portas (2021), ou mesmo na delicada música Massarandupió, feita para o álbum Caravanas (2017) de Chico, o avô. 

Com gentileza, humildade e pé no chão, Chico Brown lida com as expectativas sociais em torno de seu primeiro álbum, em fase de produção. Cantor, guitarrista, pianista e compositor que sabe mexer com estúdio de gravação porque fez produção fonográfica, o multiartista herdou a poética da família, mas se propõe a ressignificar esse legado com uma pitada de psicodelia, rock e música nordestina.  

Carioca que se mudou para Salvador com 11 anos, enxerga na Bahia “uma humildade que o Brasil tem muito a aprender”. Na entrevista a seguir, Chico Brown conta como a vivência na cidade baiana alimentou sua cidadania, fala sobre o novo disco, previsto para o ano que vem, e sobre a dificuldade de se estabelecer artista sendo filho e neto de quem é. Confira. 

É clara sua relação umbilical com a música, mas a partir de que momento decidiu trazer isso para a vida profissional? 

Acho que a profissão é uma consequência. Comecei a apresentar nas rodas dos amigos, no barzinho e nos projetos que precisavam de uma poesia. Desde o trabalho de escola, até a produção de alguma música com um viés mais político. É algo que acaba ficando maior do que você. Minha vida gira em torno disso, preciso da música praticamente como alimento espiritual: preciso de humor na hora certa, de um respiro do lúdico, desse fôlego que a arte dá. E isso começa a te indicar para caminhos que podem somar e virar uma possibilidade de trabalhar. Todo mundo escolhendo as profissões no ensino médio e eu fiz uma música que diz “vivo de música e de música vou morrer”. A maior missão, no fundo, era essa. 

É difícil se estabelecer como artista sendo filho e neto de quem é? 

Em muitos sentidos, facilita. Há ali uma cobrança grande e pessoalmente tem que ter uma disciplina. Tem que ter uma identidade que não te limite. Tem que ser grato e aprender aquilo, incorporando a uma coisa nova.Aprendo muito com a obra e a pessoa de meu pai, meu avô, minha mãe, minha avó. Tem gente que pensa que é só isso, se conforma e acaba não encontrando dentro daquilo uma identidade própria. Recentemente você escreveu um texto sobre trabalhar com Marisa. O que representa, para você, essa parceria? 

Marisa é uma mestra, gigante. É uma coisa que antecede minha existência, na medida em que é parceria do meu pai também. Sempre estive atento ao processo de criação dele, seja sozinho, com ela ou Arnaldo. Aos poucos, isso foi evoluindo para uma relação pessoal e fiquei surpreso quando ela começou a gostar das composições. Você cresce ouvindo a música de Marisa, parece que ela narra cada romance besta que você tem de forma eloquente (risos). Aos pouquinhos foi ecoando esse ensinamento do universo e consegui contribuir criativamente de forma que, quem sabe, possa fazer jus a toda essa história com ela, com minha família, com a música, com todos os sentimentos humanos de amor, esperança, união. É o que todos nós precisamos. 

O trabalho de seu pai com ela é muito marcante. Bebeu nessa fonte, ou optou por trilhar um caminho completamente diferente? 

Diferente também, mas são canções que têm muito na poesia uma sintonia de compor parecida: eu com ela e meu pai com ela. Por outro lado, tem muita coisa que a galera fala que remete a meu avô, à melodia das parcerias de meu avô com Tom. Fiquei muito feliz. Poeticamente tem o lance das ideias que vêm ali de primeira, quase como um improviso que entrelaça significados que passam a dizer mais do que a gente pensava.Meu avô é uma fonte que miro bastante, então é uma intercessão desses universos com meu caminho de guitarrista. Você se mudou para Salvador com 11 anos, certo? Como ficou sua relação com a cidade? 

Muita saudade envolvida, muito ensinamento. Tem uma humildade na Bahia que acho que o Brasil tem muito a aprender. Desde o preconceito linguístico, até uma concepção que faz com que as pessoas não consigam enxergar uma sabedoria que poderia ser melhor recebida por ouvidos e corações. A gente consegue ver muito o Carnaval, mas existe uma espiritualidade e um respeito que vêm desde a mistura de povos, à tolerância religiosa à inclusão, ao afeto, a uma relação de companheirismo, de humildade, de receber bem. Você pede informação a qualquer pessoa, a galera vem com paciência para explicar. Em outros lugares, a galera passa direto, nem para pra dar informação. Às vezes é um choque cultural. São muitas lições de humildade, sabedoria, espiritualidade, música, arte e acolhimento que Salvador me deu e sou muito grato. Me faz mais cidadão da terra que qualquer coisa. Saber chegar, ter o pé no chão, saber tratar todo mundo da mesma maneira, irmãmente. A gente alimenta muito essa cidadania que a gente tanto precisa. Depois que saí daí é que senti falta. 

Você está se preparando para lançar seu primeiro disco, certo? O que pode nos contar? 

São músicas que venho trabalhando desde esse período de iniciação da música enquanto profissão e coisas mais maduras que fiz na pandemia, que talvez falem mais do momento. A ideia é começar fazendo um disco um pouco mais tradicional na estrutura. Existe essa expectativa dentro da música brasileira, que engloba desde a música nordestina, à malandragem carioca, até as coisas mais pianísticas, mas juntando tudo isso com a energia de Salvador, da psicodelia e do rock, que foram importantes no meu lado pessoal e que podem surpreender as pessoas. Fui da escola mais tradicional, expandindo para uma abordagem da música baiana e carioca que conversam com o mundo. Da música étnica de cada lugar, música africana, espanhola e o jazz norte-americano.O grande desafio é conseguir fazer tudo isso dialogar em um repertório homogêneo. Talvez no segundo e no terceiro disco eu consiga dizer um pouco mais. O que aprendeu com a articulação poética de seu avô Chico?  

O lado poético talvez esteja um pouco mais ligado a meu pai. A relação que meu pai tem com Marisa talvez tenha sido mais acessível e mais fácil. Aprendo muito com meu avô, mas ainda me falta muito conhecimento literário no sentido de estabelecer como referência e fazer jus, com tantos personagens, eu-líricos que me inspiram no jogo de palavras, nas figuras de linguagem. Mas musicalmente é um grande professor, parceiro, inspirador. Melodias que sempre foram grandes nortes. É saber por onde ir, mas aonde quer chegar. Conseguir adaptar aquilo a uma coisa mais presente, tangível para as gerações futuras. Até guitarrística mesmo, da guitarra baiana. Armadinho, Dodô & Osmar são escolas gigantes. Fazer uma coisa erudita e acessível. Uma escola de rua gigante que a gente tem aqui. Tem que ser pé no chão, para agregar. 

Qual é seu grande sonho? 

Fazer o bem, viver feliz, conseguir tocar e ser tocado pelo espírito das pessoas, conseguir ajudar as pessoas através da arte, da poesia, da mensagem. Conseguir expandir esse universo de dentro pra fora, para algo que possa ser algo além de mim mesmo, além do que as pessoas esperam, além do que pensam em comparar. Algo que consiga acrescentar e fazer mais e mais. Pra mim, o sucesso é conseguir comunicar, conseguir tocar e ser tocado. Compor canções com Marisa já é um grande sonho realizado. Importante estar com o coração aberto. Uma pessoa daqui de Salvador disse “Que você tenha sucesso nos sonhos mais simples e nos sonhos mais ambiciosos com o mesmo entusiasmo”. Esse ensinamento ajuda a gente a não ceder à pressão e não se apegar a uma fórmula pronta, pelo caminho mais fácil.