Por um bunker

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  • Kátia Borges

Publicado em 17 de novembro de 2018 às 10:26

- Atualizado há um ano

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Sem saída, empreendi esta fuga. Havia uma ladeira no caminho para o trabalho, e aquelas árvores já conhecidas suas. Passei por elas feito um foguete. Parei rapidamente no mercado para retomar o fôlego e então segui em disparada, sempre em frente. Onde daria, não sei. Só queria estar ainda mais longe. É que, de repente, até minha cidade se tornara sua. E eu já não suportava mais estas paisagens. Nem mesmo o mar, o muro do mar. Posto que mirava azul, a zombar do que ainda fulgia. Foi quando decidi optar pelos livros, onde já me abrigara com sucesso tantas vezes. Olhei minhas estantes de universo, quantos seiscentos e tantos enredos a esperar por este personagem. 

Tal o desespero, que cabia até em a obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Me encaixava em Benjamin sem eixo. Firme em não desistir, ainda que as pernas quase não aguentassem o peso do corpo que se movia e se movia e se movia. Tal o desespero que cabia em diante da dor de Susan Sontag. Neste, só por ironia. Insone. Lendo e relendo Fante. Autômato do pensamento, rumo às teses que me sustentariam, espécie desajeitada de esqueleto. Pensei criar ali um bunker como o de Hitler. E enquanto as tropas aliadas não o destruíssem, de lá comandaria meu exército. Fechado em mim, sempre correndo, parei numa praça, revi o gramado e as flores. Havia minado o gramado, esmagado com meus pés as flores. Sentei um pouco em um de seus bancos de concreto, neoconcreto, mas sem sintaxe. Talvez ninguém me alcançasse. Ali, invisível, silencioso como se não existisse.

 Como alguém que prende a respiração para mergulhar e simplesmente esquece. Como quem entra num automóvel, a máquina imóvel e segue rumo ao imprevisível. Ninguém ao volante. Confiaria. Em nova pausa, parei ofegante a olhar os folhetos coloridos na vitrine de uma agência de viagens. Para onde? Haveria certamente algum destino. Qual era mesmo o nome daquela ilha ao meio-dia? Aquela nossa ilha ao meio-dia. Você sabe. Todas aquelas coisas pequeninas que julgara nossas e que sempre foram apenas minhas. Ilusões pedem perdão. Só assim se consegue ir adiante. Mas sem parar é quase perto, quase. Se mais corresse, é certo, se mais e mais e mais corresse, quem sabe, finalmente me aproximaria. Após cruzar este país inteiro, chegar à rua em que você vivia.