Porque todo dia é dia de pai e a ele, hoje na eternidade, sou grata todos os dias

Senta que lá vem textão...

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  • Jaciara Santos

Publicado em 14 de agosto de 2018 às 14:19

- Atualizado há um ano

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Meu pai era um homem rígido. Não muito afeito a demonstrações de carinho. Criou os filhos sob severa disciplina e seguia o "psicologismo" da época, segundo o qual, escreveu não leu, o pau comeu. Por causa desse histórico, eu e meus irmãos vivíamos no fio da navalha. Sabíamos que qualquer deslize seria exemplarmente punido.

Mas, como vim a descobrir na hora certa, era um homem bom. Generoso, acolhedor, pai na melhor acepção da palavra.

Aos vinte e poucos anos, engravidei de um namorado. Entrei em pânico. Já me via no olho da rua, com malas, livros e um bebê para criar sozinha. Aos dois meses de gestação, já com o corpo em transformação, vi que era hora de enfrentar a fera. Ensaiei o diálogo, um sem-número de vezes. Até que, numa segunda-feira de fevereiro de 1980 (a data exata não lembro, mas recordo perfeitamente o cenário), após o encerramento do Jornal Nacional, tomei coragem e disse que precisava falar com ele.

Esqueci todo o script dolorosamente ensaiado e disparei:

- Meu pai, eu estou grávida e não vou casar.

Silêncio sepulcral. Era possível ouvir as batidas de meu coração. Uma eternidade se passou, até que ele levantou do sofá e, sem dizer uma palavra, se recolheu ao quarto.

Dia seguinte, saio para trabalhar (era repórter do Jornal da Bahia). Depois do trabalho, vou para a Facom, estudante de jornalismo que era. Finalzinho da tarde, certa de que minhas tralhas estariam na porta, volto para casa. Não estavam. Tudo normal, inclusive o típico ar sisudo dele e a algazarra dos irmãos, todos mais novos que eu. Quando encontro uma brecha, sondo minha mãe. Queria saber como ele reagira. A resposta dela foi uma iluminação: 

- Ele chorou muito à noite, mas não falou nada. Pela manhã é que ele chamou os meninos e disse: "É o seguinte, Jaciara está grávida e não vai casar. Ela vai ficar aqui e eu não quero que ninguém se meta. A casa é minha, ela é minha filha e vai ficar aqui com o filho, enquanto precisar".

E, ao longo da minha gravidez, ele foi de um cuidado comovente. Quando a neta Luciana Rodrigues  nasceu, virou avô babão. Então, eu posso afirmar que tive um pai amoroso, sim. Não do tipo que se derrama em manifestações de afeto, mas um pai que soube exercer o amor por meio de gestos concretos, silêncios e atitudes.

É a esse pai, hoje na eternidade, que sou grata em todos os dias da minha existência. E não apenas no segundo domingo de agosto.

Jaciara Santos é jornalista.

Texto originalmente publicado no Facebook e replicado com autorização da autora