Prejuízo do agronegócio na Bahia supera meio bilhão de reais  

O problema mais grave é com os laticínios, aves, suínos e frutas, conforme o CORREIO apurou

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  • Da Redação

Publicado em 30 de maio de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

Setor da economia mais afetado pela greve dos caminhoneiros na Bahia, em seu nono dia nesta terça-feira (29), o agronegócio contabiliza mais de meio bilhão de reais em prejuízos. O problema mais grave é com os laticínios, aves, suínos e frutas, conforme o CORREIO apurou junto a entidades que representam o setor.

Em comum entre eles, a dependência no transporte com caminhões – a frota é de quase 145 mil na Bahia – para levar a produção de alimentos aos centros de abastecimento das cidades, aos portos ou para receber a ração dos animais, como ocorre com os criadores de aves e suínos.

O problema na Bahia segue o nacional. De acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a estimativa de prejuízo é de R$ 6,6 bilhões. O valor é referente às perdas de Valor Bruto da Produção (VBP), que mede a estimativa de faturamento bruto na produção “dentro da porteira”. 

“Este prejuízo é apenas na produção primária, sem considerar ainda o processamento, as indústrias e a parte de insumos, que estão tendo prejuízos severos. E ainda fora o que está por vir, porque a recuperação não é imediata”, afirmou o superintendente técnico da CNA Bruno Lucchi, que alertou para o “caos extremo” na produção de alimentos se os bloqueios continuarem. Na Bahia, por causa da greve dos caminhoneiros, 500 mil litros de leite estão sendo deixados de coletar diariamente, de acordo com o Sindicato das Indústrias de Laticínios e Produtos Derivados do Leite do Estado (Sindileite). Para cada dia sem coleta, o prejuízo é de pelo menos R$ 600 mil, o que dá, em nove dias de paralisação, um rombo de R$ 5,4 milhões.

Na Bahia, há cerca de 3 mil suínos que tem mais uma semana que já passaram do pontoo de abate, mas como isso não ocorreu o consumo de ração, comprada com base numa programação, aumentou. Basicamente, a ração dos suínos é composta por farelos de milho e soja, cuja maior parte é produzida no oeste do Estado, onde os produtores de grãos estão com seus produtos acumulados nos armazéns por não terem como fazer o transporte.

“Acredito que a partir de amanhã começa a ter mortandade dos animais, pois não tem mais como segurar”, disse o presidente da Associação Baiana de Suinocultores (ABS) Marcelo Plácido Corrêa. O plantel de suínos na Bahia é de 180 mil animais.  Sem legitimidade O problema da falta de ração gera preocupação também com reação as criações futuras. Sem o alimento, as matrizes (fêmeas) ficam debilitadas, não conseguem amamentar direito e as prenhas têm sério risco de aborto. Para a Associação Brasileira dos Criadores de Suínos (ABCS), que representa 20 mil suinocultores do Brasil, “a paralisação dos caminhoneiros já perdeu sua legitimidade”.

“Essa manifestação tem colocado em risco a saúde, a alimentação, a segurança e o bem-estar dos consumidores e dos animais, que dependem de uma inter-relação de serviços e mão-de-obra de todo o país, cujo cotidiano tem sido severamente afetado”, diz um comunicado da entidade.

O impacto para a suinocultura no Brasil, que é o 4º maior produtor mundial da proteína, já atinge 20 milhões de suínos, os quais não estão recebendo alimentação suficiente, informa a ABCS. Há 167 plantas frigoríficas de aves e suínos paradas e mais de 234 mil trabalhadores com atividades suspensas no país.

Na avicultura baiana, o problema é pior: mais de 60 mil frangos já morreram de fome em Governador Mangabeira e Alagoinhas, segundo a Associação Baiana de Avicultura (ABA). A previsão para os próximos dias é mais assombrosa, com a morte de 500 mil aves por falta de alimentos.

Para agravar a situação, nesta terça-feira dois caminhões com 30 toneladas de ração para frangos foram incendiados próximo a Muritiba, no Recôncavo. Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), o crime ocorreu em retaliação a uma ação de desobstrução do trânsito na BR-101, próximo a cidade.

“Isso é criminoso! Os frangos já estão com 51 dias de vida, enquanto no ciclo normal as aves são retiradas com 42 dias. Essa greve já virou bagunça e chegou em um ponto que as pessoas só querem destruir o patrimônio do outro”, avaliou a diretora-executiva da ABA Patrícia Nascimento.  Frutas ao chão E se os animais penam ou morrem por falta de ração, com as frutas, legumes e hortaliças têm de serem deixadas nas fazendas por não terem como ser transportadas. Em Bom Jesus da Lapa, maior produtor individual de banana do Brasil, 360 toneladas da fruta deixaram de ser colhidas por dia. O prejuízo é de mais de R$ 3 milhões.

“Não temos como armazenar em lugar algum. As câmaras frias ficam na cidade, distantes das fazendas. E mesmo se tivesse como levar, elas não comportam o volume da produção”, declarou o presidente da Associação Banana da Bahia Ervino Kogler. A situação se repete com os produtores de frutas do Vale do São Francisco, em Juazeiro (norte da Bahia) e Petrolina (PE).

Maior exportador de frutas do país, o Vale contabiliza prejuízos de R$ 570 milhões, diz o Sindicato dos Produtores Rurais de Petrolina. Segundo o sindicato, a paralisação fez com que o setor deixasse de comercializar para os mercados interno e externo 40 mil toneladas de uvas, 60 mil toneladas de mangas e 200 mil toneladas de outras frutas, como acerola, banana, coco e mamão.

“Com todo esse tempo de paralisação, nossas câmaras frias já estão com a ocupação esgotada, não oferecendo mais espaço para o armazenamento das frutas colhidas recentemente. O resultado são pomares com frutas apodrecendo no campo”, disse o presidente do sindicato Jailson Lira.

A produção de cebolas e café da Bahia também estão abandonadas no campo. Em Irecê, maior polo produtor da hortaliça no estado (que é o segundo maior produtor do Brasil), estão deixando de ser carregados 80 caminhões, com cerca de 600 mil sacas de 20 kg.

“E já tem dezenas de caminhões que foram para o Pará e estão bloqueados nas estradas. As cebolas que estão nos galpões dão para ficar mais uns 20 dias, mas essas expostas ao tempo não duram uma semana”, declarou o representante na Bahia da Associação Nacional de Produtores de Cebola (Anace) José Carlos Gomes.

“Está muito ruim, não entra e nem recebe produto, não tem como fazer pagamento, ninguém paga. Eu apoiava essa greve até domingo, já deu o que tinha que dá, agora é voltar a fazer o país crescer”, opinou.  Desvalorizado A Associação de Produtores de Café da Bahia (Assocafé) informou que uma quantidade ainda incalculável do fruto está perdendo valor nas fazendas porque está deixando de ser colhido no tempo certo e está caindo ao chão.

“Além de perder valor, por misturar com a terra, quando cai ele despende mais trabalho para catar. Tirar diretamente do pé é um processo bem mais rápido”, informou o presidente da entidade João Lopes Araújo.

A Bahia, com mais de 20 mil produtores de café, está em fase de colheita da espécie conilon desde abril, e segue até junho. A colheita do café arábica começou este mês e pode chegar até outubro. A Bahia tem estimativa de produzir 3,5 milhões de sacas este ano – 2,5 milhões do café conilon e o restante arábica.

Parte do café da Bahia é produzido na região oeste, onde o produto está estocado em armazéns, como ocorre com outros grãos – soja, algodão e milho. “Não estamos tendo problemas graves, apenas estamos deixando de transportar. Mas é algo que podemos vender ainda, não se perde fácil”, comentou o presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Barreiras Moisés Shimidt.

Situação semelhante é com os produtores de eucalipto para produção de celulose. Mais concentradas no extremo sul baiano, as empresas estão sem poder transportar os produtos para os diversos clientes porque as rodovias BR-116 e 101 estão com presença de caminhoneiros.

“Além disso, os próprios funcionários estão sem poder ir trabalhar, o que gera transtorno grande. Todo o nosso trabalho é feito com base numa programação”, afirmou o presidente da Associação Baiana de Empresas de Base Florestal (Abaf) Wilson Andrade.

A média de produção de madeira em tora na Bahia é 16 milhões de metros cúbicos por ano, sendo a maior parte dela destinada a produção de celulose.