Presença baiana na Mostra de Cinema de São Paulo

Os documentários 'Sobradinho' e 'Samba de Santo - Resistência Afro-Baiana' estreiam no festival

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  • Ana Pereira

Publicado em 24 de outubro de 2020 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Amanda Oliveira/divulgação

Dois documentários com o DNA baiano estreiam na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, um dos maiores e mais importantes festivais do país, que começou na quinta-feira (22) e segue até o dia 4 de novembro: os longas Sobradinho, de Marília Hughes e Cláudio Marques, e Samba de Santo - Resistência Afro-Baiana, de Betão Aguiar.  Ambos estão na Mostra Brasil, que reúne 36 novas produções de cineastas com diferentes perfis, alguns experientes e outros estreantes, mas todos tratando de cultura, história ou questões relevantes do país. 

Sobradinho é o quatro longa-metragem de Marília  e Cláudio. Esta também é a quarta vez que o casal participa do evento paulista – que este ano acontece basicamente online e em alguns drive-ins da capital. O documentário fala do impacto da construção da barragem e da usina hidrelétrica de Sobradinho, na década de 1970, no sertão baiano.  Quatro cidades e dezenas de vilas ficaram submersas e cerca de 73 mil pessoas foram deslocadas, configurando-se como uma das maiores migrações forçadas da história do Brasil.  

Uma desta pessoas é Dona Pequenita, que vive solitariamente em Pilão Arcado Velho, que se tornou uma cidade fantasma cheia de ruínas coloniais. Dona Pequenita foi a única ex-moradora a voltar para sua cidade natal. Ela vai acolher três assistentes sociais (Thereza Batalha, Fátima Mássimo e Francisca Xavier), que à época coordenaram a retirada dos moradores das quatro cidades inundadas: Casa Nova, Sento Sé, Remanso e Pilão Arcado.

“Sobradinho é um filme que começou em 2009. Foram muitas viagens ao norte da Bahia até que, finalmente, o documentário ficasse pronto. No esforço de realizar o longa, surgiram pelo caminho o curta Desterro (2010) e o longa A Cidade do Futuro (2016) ”, detalha  Cláudio.  “É muito difícil trabalhar com a memória, no Brasil. Levamos anos negociando cinejornais e a novela da Globo Fogo Sobre Terra. Tudo é muito demorado e caro”, completa Marília. A produção também utiliza registros em Super 8  feitos por Thereza e dezenas de fotos feitas por Fátima.  Sobradinho fala do impacto da construção da usina hidrelétrica e da barragem no sertão baiano (Foto: Divulgação) Carnaval e Candomblé

Samba de Santo - Resistência Afro-Baiana é o primeiro longa dirigido por Betão Aguiar, músico experiente que está por trás do projeto Mestres Navegantes. O filme é um desdobramento do projeto, que está completando dez anos e faz um importante trabalho de pesquisa e resgate musical em todo o país. Filmado em fevereiro deste ano, dias antes e durante o Carnaval,  a produção acompanha os bastidores dos blocos afro Bankoma, Cortejo Afro e Ilê Aiyê, que estão ligados a tradicionais terreiros de candomblé de Salvador. 

O filme mostra os diferentes toques, cantos, danças e tecidos usados pelos blocos para falar de  ancestralidade, negritude e de como eles são importantes para a cultura baiana.  E traz entrevistas com integrantes, diretores e músicos. “Reconhecer estes mestres e grupos como agentes da cultura contemporânea e não com um olhar folclórico que os deixa fadados ao passado, nos faz perceber o quanto a nossa cultura é viva e está em constante transformação. E quanto precisamos aprender com eles nesse momento que estamos vivendo”, afirma Betão, que também assina o roteiro com Cauê Bravim.

Um dos aspectos destacados é a liderança matriarcal das Ialorixás Hilda Jitolú, Mirinha de Portão e Santinha de Oyá, respectivamente,  na criação do Ilê Aiyê, Bankoma e Cortejo. E traz imagens dos seis dias de Carnaval, quando os blocos desfilaram em diferentes circuitos da festa.

Pela primeira vez em 44 edições, a Mostra Internacional de São Paulo não ocupará salas de cinema. Com 197 filmes de 71 países, o evento terá exibições online e em formato drive-in.  A exibição dos filmes ocorrerá na plataforma de streaming Mostra Play, ao custo de R$ 6 por visualização, cuja tecnologia é a mesma usada nos festivais de Toronto e Tribeca e pelo mercado audiovisual em Cannes. Mesmo online, cada sessão terá um limite de visualizações, então os cinéfilos devem se programar para não perder a oportunidade. Os ingressos e a programação completa estão no site oficial  44.mostra.org.

https://drive.google.com/drive/folders/1miZpFpErRQqsTbGXbyuglGlfQxGiQopm

Três Destaques da Mostra Brasil   Glauber, Claro - O documentário dirigido por César Meneghetti mergulha nos anos em que o cineasta Glauber Rocha viveu na Itália, onde realizou vários trabalhos, entre eles ‘Claro’, um dos seus últimos longas. O doc utiliza fragmentos do filme romano, com imagens de arquivo inéditas e uma colagem de depoimentos de quem conheceu o baiano de perto: amigos fraternos, críticos de cinema, colaboradores e familiares. A produção investiga a experiência do cineasta e de outros artistas na Itália da década de 1970 e aborda temas como o Cinema Novo, o cinema underground, o neorrealismo e a militância política. 

Cidade Pássaro  -  Produtor dos filmes Cheiro do Ralo e À Deriva, ambos de Heitor Dhalia, Mathias Mariane fala do drama dos refugiados em seu segundo longa. Ele conta a história de Amadi, um músico na casa dos 30 anos que vive na Nigéria, mas viaja ao Brasil para tentar encontrar o irmão, Ikenna, que trabalha como matemático em um instituto de tecnologia, em São Paulo. Ao chegar, porém, Amadi descobre que a instituição sequer existe e que terá de lidar com uma realidade bem diferente da que esperava. O filme foi exibi - do no último Festival de Berlim.

Casa de Antiguidades  - Com direção e roteiro de João Paulo Miranda Maria, o filme  é um dos destaques na competição de diretores nacionais estreantes. Narra a história de Cristovam, um homem negro do norte rural, que se muda para uma antiga colônia austríaca, no sul do país, para trabalhar em uma fábrica de leite. Diante de conservadores xenófobos, ele se sente isolado e alienado do mundo branco e precisa criar seu próprio refúgio. A interpretação de Antônio Pitanga no papel principal tem sido apontada como um dos destaques do filme, que integrou a seleção oficial do Festival de Cannes deste ano.