Prestes a se aposentar, Rosa faz sucesso com feijoada na Saúde

Técnica de enfermagem decidiu empreender pouco antes da pandemia e agora comanda restaurante

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  • Da Redação

Publicado em 31 de julho de 2022 às 11:00

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

“Fica bem ao lado de um casarão azul, que é um centro de apoio da prefeitura”. Foi a referência para não errar o endereço do restaurante Casa Di Rosa, onde eu comeria uma deliciosa feijoada, me garantiram. Em março de 2019, a técnica de enfermagem Rosângela Silva do Sacramento, de 62 anos, incentivada pela filha, Roberta Sacramento, 40, decidiu empreender no ramo da alimentação. Famosa por cozinhar bem, Rosa, como é (muuuito) conhecida, era celebrada pelos parentes e amigos pela feijoada dos domingos, quando reunia todo mundo em casa, com farras regadas a samba e cerveja - herança da matriarca, dona Neide Margarida, também famosa pelos banquetes e reuniões familiares. 

“Eu não cozinho pra mim, cozinho pra batalhão”, adianta Rosa. “Faço caldeirão de sopa e saio ligando para os vizinhos virem pegar. Aquele ali mesmo, tem dia que vem correndo”, conta, aos risos, apontando para o rapaz desavisado que passa. 

Vinda de uma família de trabalhadores do setor público, sendo ela própria funcionária da Maternidade Climério de Oliveira, e prestes a se aposentar, Rosa viu no novo negócio um renascimento. A princípio, a ideia era percorrer com um carrinho de feijoada o bairro da Saúde, Centro de Salvador, onde mora há mais de 30 anos, oferecendo a iguaria já testada e aprovada entre os seus. O que ela não esperava é que a pandemia mudaria os planos, como fez com os de tantas pessoas mundo afora. O desânimo bateu, mas Rosa e Roberta, a única filha, não deixaram o feijão azedar. A alternativa foi realizar entregas. “Uma semana antes de o carrinho ir pra rua, começou a pandemia. Eu falei pra minha mãe: ‘vamo fazer delivery’”.  Roberta e a mãe, dona Rosa (Foto: Marina Silva/CORREIO) O que as duas também não esperavam era o retorno que o novo empreendimento traria. “As coisas ganharam uma proporção muito grande. Todo domingo, vendíamos cerca de 50 quentinhas de feijoada. Começamos a atingir outros bairros. Tinha cliente em Lauro de Freitas que pedia toda semana. Vimos que depois que terminasse a pandemia, o carrinho não seria mais pertinente. Teríamos que procurar um espaço físico”, conta Roberta. 

Com a covid mais controlada, em outubro do ano passado elas resolveram alugar o ponto ao lado do prédio onde Rosa mora, que, por sorte ou força do destino, estava livre. A ironia é que o espaço era uma pastelaria que foi fechada justamente por conta da pandemia. “Era pra ser seu, Rosa”, disse, resignada, a antiga proprietária. O lugar simples ganhou espadas de São Jorge, girassóis e pimenteiras de plástico para receber os clientes. Uma coisa meio aconchego de casa de vó. Agora, elas já até pensam em aumentar o espaço. 

O Carnaval toma, o Carnaval dá A primeira vez que Rosa cozinhou para fora, foi há cerca de 20 anos. E não foi sua intenção. Era uma quinta-feira de Carnaval. Apaixonada pela folia, a técnica de enfermagem realizou um empréstimo no banco para curtir como se deve. Guardou o dinheiro em casa e levou uma parte pra avenida. Também apaixonada por samba, saiu animada com uma amiga para assistir ao bloco Pagode Total passar. Lá pelas três da manhã, percebeu que o dinheiro havia sumido. Deixou a animação na avenida e voltou pra casa desolada. “Ali, acabou o Carnaval pra mim”, relembra. 

Já de manhã cedinho, teve uma ideia, fruto da agonia: ia fazer feijoada para vender. Comprou os ingredientes, cozinhou, organizou as quentinhas e saiu batendo de porta em porta no bairro. Vendeu tudo e conseguiu recuperar o dinheiro perdido. O sucesso foi tanto, que a quituteira manteve a comercialização da feijoada nos três carnavais seguintes. 

Alguns dos clientes que provaram o prato na época, hoje vão até seu bar. É o caso de Alessandro Fraga, 45, um dos incentivadores da abertura de um local que vendesse o feijão. “A gente sempre pedia para que pudesse ter (a feijoada) constantemente. Terminou que ela abriu o espaço e hoje estamos no Di Rosa. Venho sempre prestigiar”, comemora o analista de sistemas. Morador da Saúde há mais de 40 anos, o advogado Gerson Nascimento, 59, é taxativo: “O feijão de Rosa é o melhor que tem aqui. O mais gostoso, o mais saboroso!”, empolga-se.  Feijoada custa R$ 32 para uma pessoa e R$ 57 para duas (Foto: Marina Silva/CORREIO) A Casa Di Rosa Feijoada e Afins abre de sexta a domingo. Na sexta-feira, saem petiscos diversos. A feijoada é servida apenas aos sábados e domingos, e apreciada por nomes como Compadre Washington e Vovô do Ilê. No domingo passado, quando fui conhecer o lugar, o presidente do Ilê Aiyê apareceu. Quem também estava por lá era dona Tuta, mãe do cantor Márcio Victor, do Psirico. Cozinheira das boas, ela saiu de Piatã para prestigiar o restaurante da amiga de infância: “O clima é muito legal. Essas meninas são muito guerreiras e tenho certeza que só têm a crescer”.  

Em todas as tribos Com menos de um ano de inaugurado, o movimento no restaurante Casa di Rosa já é grande. Principalmente aos sábados, quando tem apresentação de samba de mesa e de partido alto. Quem toca são amigos de longa data e os novos que vão chegando. “Começou de maneira despretensiosa e agora parece festa de largo”, ressalta Roberta, que é formada em biologia, mas não atua na área, sendo responsável por toda a parte administrativa do restaurante da mãe. 

Não são apenas o samba e o tempero de Rosa que chamam gente. Conhecida em toda a Saúde, ela cativa pelo astral, pelo sorriso acolhedor, pela alegria, pelo poder de agregar pessoas de todos os jeitos, todos os gêneros, todas as classes sociais, todas as idades. Nas mesas de madeira espalhadas na calçada, o burburinho vem de casais de namorados, idosos moradores do bairro, jovens com visual modernoso… “Eu gosto de ser franca: sou popular mesmo!”, sentencia, sem falsa modéstia. Contra imagens de abraços, beijos na testa, apertos de mão e depoimentos de amigos e clientes não há argumentos. 

Ah, e a feijoada é boa de verdade! O feijão mulatinho ganha sabor mergulhado em um caldo com carnes defumadas (costela, carne do sol, carne de sertão, fumeiro, bacon, toucinho branco e ossos de patinho). Não é gordurosa e até o pessoal da academia próxima costuma comer. “Só compro carne de primeira. Isso faz toda a diferença. E o grão tem que ficar firme, nada de ficar empapado”, ressalta a cozinheira. Os acompanhamentos são arroz branco, farofa, vinagrete e alface e rúcula picadas. A porção custa R$ 32 (uma pessoa) e R$ 57 (duas pessoas). Para quem é de cerveja, a bebida sai carinhosamente gelada. Para arrematar, um pudim de leite com notas de canela, cujo brilho vibra sob os raios de sol que invadem o local. 

E enquanto se come (bem!) e se bebe na Casa Di Rosa, na fachada do casarão azul localizado do outro lado da rua, aquele que era meu ponto de referência, é possível ler: ‘O amor da cidade’.