Processos trabalhistas por assédio moral sofrem queda de 80,2% na BA

Em 2017, 83 baianos buscaram o TRT5 por dia; número caiu para 17 casos diários em 2018

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  • Yasmin Garrido

Publicado em 17 de outubro de 2018 às 03:55

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação/TRT1

Nesta quarta-feira (17) é comemorado o Dia Nacional de Luta contra o Assédio Moral e Sexual e o combate a essa prática se tornou rotina na vida de mais de 27 mil baianos, entre os meses de janeiro e setembro de 2017 e 2018.

Nos nove primeiros meses do ano passado, 22.469 pessoas entraram com ações no Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT5), na Bahia, questionando casos de assédio moral e dano moral sofridos no ambiente de trabalho, contra 4.450 processos abertos no mesmo período deste ano, uma queda de 80,2% na busca pela Justiça.

Isso quer dizer que neste período de 2017, foram abertos diariamente 83 processos com a temática de assédio moral no ambiente de trabalho. Já neste ano, o número sofreu redução, com 17 ações por dia abertas no TRT5.

O déficit também foi observado no número de ações abertas por assédio sexual: 179 no ano passado contra 51 em 2018, uma variação negativa de 71,5% no período. Apesar da queda expressiva, que se deu a partir de novembro de 2017, quando entrou em vigor a nova legislação trabalhista, os números ainda são considerados altos.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 42% dos brasileiros já foram vítimas de assédio no ambiente de trabalho. É o caso de Laura Oliveira, administradora, que hoje tem 15 anos. Ela contou ao CORREIO que foi vítima de assédio moral logo no início da carreira, quando ainda estudava, entre 2012 e 2013.

“Eu sou do interior e tinha chegado há pouco tempo em Salvador. Comecei a estagiar em uma empresa de médio porte e fui vítima de assédio por parte de minha chefe. Eu até gostava dela e só compreendi tudo o que sofri depois de bastante tempo, porque, na medida em que os episódios aconteciam, eu interpretava como uma ajuda para me tornar uma profissional melhor”, disse.

Segundo Laura, a chefe fazia comentários na frente de toda a equipe sobre a forma dela falar, se vestir, prender o cabelo. “Eram coisas terríveis. Ela dizia que era para eu soltar o cabelo para pensar melhor. Me chamava de ‘tabaroa’ e ‘da roça’, falava que eu nunca iria conseguir nada com meu sotaque de interior” relatou a jovem.

Laura reconheceu que, se o assédio acontecesse atualmente, ela teria mais consciência do tamanho da violência sofrida. “Levou tempo até eu identificar que se tratava de assédio. Precisei que amigos e colegas me alertassem”, afirmou.

O juiz do trabalho do TRT5 Danilo Gaspar explicou que, nos primeiros sinais de assédio, é importante que o empregado busque ajuda. “Ele tem algumas opções, podendo procurar o sindicato da categoria, o Ministério Público do Trabalho, um advogado particular, que vai ajuizar uma ação de reparação de danos”, afirmou.

No entanto, é importante estabelecer que existem diferenças entre assédio moral, dano moral e assédio sexual, bem como nas indenizações que são devidas a depender do tipo de ação praticada.

Assédio moral X dano moral Apesar de serem confundidos quase sempre, assédio moral não é a mesma coisa de dano moral, apesar de este último envolver o primeiro. Falar de dano moral significa mencionar um abalo à honra, à intimidade e uma dor causada à vítima.

Já o assédio moral é a violência continuada, ou seja, a prática reiterada de ações que levam a um dano moral. O assédio também envolve situações humilhantes e constrangedoras durante a jornada laboral, causando humilhações constantes e sentimento de desvalorização.

É importante destacar que o assédio moral pode acontecer tanto em razão da subordinação quanto por qualquer colega ou profissional do mesmo ambiente de trabalho, independente do cargo. Desta forma, a legislação brasileira divide a prática abusiva em três tipos: vertical, horizontal e misto.

O assédio moral vertical acontece entre pessoas ou grupo de pessoas que ocupam cargos distintos na mesma empresa e é dividido em ascendente e descendente. O primeiro diz respeito a um funcionário que constrange ou ofende um superior hierárquico. Já o segundo é o inverso e ocorre quando os chefes, se aproveitando da situação superior, atacam o empregado, como no caso de Laura Oliveira.

A modalidade horizontal, como o próprio nome sugere, envolve pessoas ou grupo de pessoas que pertencem ao mesmo nível hierárquico dentro da organização e, muitas vezes, acontece em razão do incentivo à competitividade adotado dentro da empresa. Por último, o assédio moral misto acontece quando um indivíduo é alvo de humilhações e danos por parte tanto dos superiores quanto dos colegas de trabalho.

Síndrome de Burnout Um estudo elaborado pelo Ministério Público do Trabalho da 5ª Região (MPT5) mostrou que a prática recorrente do chamado assédio moral organizacional, que acontece em toda e qualquer empresa, independente do segmento, causa uma série de transtornos ao trabalhador, a exemplo de “estresse, desordem de estresse pós-traumático, síndrome do burnout, depressão e suicídio”.

O mais comum, a Síndrome de Burnout é um dos exemplos de doença causadas pela pressão sofrida no ambiente de trabalho, sendo caracterizada por um distúrbio psíquico de caráter depressivo.

Esse esgotamento físico e mental que leva ao surgimento da Síndrome é causado, na maioria das vezes, por situações que envolvem o assédio moral sofrido em decorrência da atividade laboral.

Já outra pesquisa da International Stress Management Association (ISMA) aponta que, no Brasil, 32% da população sofre da Síndrome de Burnout. O psicólogo Elídio Almeida destaca que, nos casos em que há a presença da síndrome, “o profissional precisa investir muito mais energia para executar a mesma tarefa”.

Ainda segundo ele, é possível perceber quando há sinal na doença no trabalhador e, o quanto antes for detectado, menos difícil fica o tratamento. “A depressão, o isolamento social e uma série de complicações emocionais estão entre as principais evidências da síndrome, mas nem sempre esses efeitos são notados em tempo hábil e isso pode causar estados imensuráveis”, explicou.

Assédio sexual O Ministério Público do Trabalho diferencia o assédio moral do sexual. Segundo o órgão federal, “assédio sexual caracteriza-se por constranger alguém, mediante palavras, gestos ou atos, com o fim de obter vantagem ou favorecimento sexual”. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, 52% das mulheres brasileiras já sofreram assédio sexual no ambiente do trabalho.

Segundo o MPT, para ser caracterizado, o assédio sexual deve cumprir determinados requisitos: superioridade hierárquica do assediador; promessa de tratamento diferenciado em caso de aceitação; atitudes concretas de represália no caso de recusa; conotação sexual.

De acordo com a advogada Elaine Rodrigues, o assédio sexual “constitui crime penalizado, com detenção de um a dois anos, gera rescisão indireta de contrato de trabalho (o que rende, ao trabalhador assediado, verbas rescisórias como se demitido sem justa causa houvera sido) e indenização por danos morais na esfera civil”.

A advogada ainda explicou que algumas empresas, no sentido de inibir o assédio sexual no ambiente de trabalho, têm criado canais de comunicação para denúncia anônima. “Dessa forma, apura-se a ocorrência com mais facilidade e tem-se a oportunidade de se tomar providências preventivas, como, por exemplo, palestras, atendimento psicológico, transferência da vítima ou do agressor para outro departamento”, afirmou.

Na Bahia, entre janeiro e setembro de 2017, foram abertos 179 processos de assédio sexual, segundo dados do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRT5), contra 51 ações no mesmo período deste ano. O número, assim como nos casos de assédio moral, sofreu variação negativa de 71,5%.

Reforma trabalhista O MPT5 atribuiu a queda na abertura de ações trabalhistas por assédio, seja moral ou sexual, às mudanças na legislação trabalhista, que entraram em vigor em novembro de 2017. O juiz trabalhista Danilo Gaspar esclareceu que a redução no número de ações na Justiça do Trabalho aconteceu de forma global, em todo o Brasil e não apenas nas ações por assédio moral e sexual.

“Isso aconteceu muito em razão das novidades trazidas pela reforma trabalhista. Nesse momento inicial, a queda na propositura dos processos pode ser observada por alguns elementos trazidos com a nova legislação, relativos às despesas do processo, ao pagamento de custas, honorários advocatícios”, ressaltou.

Ainda segundo Danilo, no tocante às indenizações devidas nos casos de assédio, elas dependem de alguns fatores, a exemplo da “a extensão do dano, ou seja, a forma como ele aconteceu, o tempo de duração da exposição, que tipo de dano foi esse, que tipo de assédio, e leva também a  outros requisitos, como grau de culpa do ofensor e a capacidade econômica dele”, explicou.

O MPT5 foi além e afirmou que a mudança da legislação, bem como a rigorosidade no momento da comprovação da denúncia contra o empregador, faz com que o funcionário evite levar o caso de assédio ao Judiciário, com medo de perder a ação e ter de arcar com os ônus do processo.

Na Justiça Trabalhista, o assédio moral praticado pelo empregador ou por qualquer outro funcionário autoriza o empregado a deixar o emprego e a pedir a rescisão indireta do contrato.

Já na esfera criminal, o trabalhador também pode denunciar o fato, que vai ser enquadrado, principalmente, no rol de crimes contra a honra, como a difamação e a injúria, além dos que atentam contra a liberdade individual, em caso, por exemplo, de constrangimento ilegal ou ameaça.

Ação coletiva Assim como o empregado pode ir até o Tribunal Regional do Trabalho e propor uma ação individual contra assédio sofrido no ambiente de trabalho, um grupo de funcionários, que também foi vítima da prática, pode pleitear indenização a partir de uma ação civil pública aberta pelo Ministério Público do Trabalho.

Diferente do número de ações individuais, o MPT na Bahia entrou, em 2017, com 5 ações questionando assédio moral e 25 de assédio sexual. Os registros do ano passado são 66,7% maiores para o assédio moral e 212,5% superiores para o assédio sexual, se comparados com o ano de 2016.

Atualmente, segundo o MPT5, existem 10 ações coletivas em andamento na Justiça Trabalhista da Bahia contra as empresas: Souza Bar e Restaurante; Rondeli & Rondelli Ltda.; Ebt Escola Baiana de Tecnologia Transporte e Trânsito Ltda ME; Supermercado Casagrande Ltda; e Restaurante e Cervejaria Tentáculos.

Exemplos de assédio moral

* Retirar autonomia funcional dos trabalhadores ou privá-los de acesso aos instrumentos de trabalho;

* Sonegar informações úteis para a realização de suas tarefas ou induzi-los a erro;

* Contestar sistematicamente todas as suas decisões e criticar o seu trabalho de modo exagerado ou injusto;

* Entregar, de forma permanente, quantidade superior de tarefas comparativamente a seus colegas ou exigir a execução de tarefas urgentes de forma permanente;

* Atribuir, de propósito e com frequência, tarefas inferiores ou distintas das suas atribuições;

* Controlar a frequência e o tempo de utilização de banheiros;

* Pressionar para que não exerçam seus direitos estatutários ou trabalhistas;

* Dificultar ou impedir promoções ou o exercício de funções diferenciadas;

* Segregar o(a) assediado(a) no ambiente de trabalho, seja fisicamente, seja mediante recusa de comunicação;

* Agredir verbalmente, dirigir gestos de desprezo, alterar o tom de voz ou ameaçar com outras formas de violência física;

* Criticar a vida privada, as preferências pessoais ou as convicções do(a) assediado(a);

* Espalhar boatos a respeito do trabalhador, procurando desmerecê-lo perante os superiores, colegas ou subordinados;

* Invadir a vida privada com ligações telefônicas ou cartas;

* Desconsiderar problemas de saúde ou recomendações médicas na distribuição de tarefas;

* Isolar o(a) assediado(a) de confraternizações, almoços e atividades juntamente com os demais colegas.

* com supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro