Procuradora do Cidadão defende 'invalidade' da lei de anistia

Ela pediu inclusão na pauta do STF dos recursos que questionam a validade da Lei 6.683/79

Publicado em 2 de setembro de 2018 às 11:26

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Papo de Mãe/Reprodução

Em audiência pública, realizada na Câmara na terça, 29, Eugênia Augusta Gonzaga pregou autonomia da Comissão de Anistia e pediu a análise, pelo Supremo, dos recursos que questionam a Lei 6.683/1979 Durante audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), da Câmara dos Deputados, para marcar os 39 anos da Lei da Anistia (Lei 6683/1979), a procuradora federal Eugênia Augusta Gonzaga, dos Direitos do Cidadão adjunta e presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, defendeu 'a autonomia da Comissão de Anistia, a soberania de suas decisões e a invalidade da Lei de Anistia em relação aos agentes da ditadura'. O encontro foi realizado na última terça, 29. Eugênia Gonzaga pediu ao deputado Luiz Couto, presidente da CDHM, que encaminhe ao ministro Luiz Fux, do Supremo, uma requisição pela inclusão na pauta da Corte dos recursos que questionam a validade da Lei 6.683/79. As informações foram divulgadas pela Assessoria de Comunicação e Informação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. De acordo com Eugênia Gonzaga, o marco normativo já foi considerado inválido em 2010 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que condenou o Estado brasileiro nos casos da Guerrilha do Araguaia e, recentemente, pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog, nas dependências do Departamento de Operações Internas, ligado ao antigo II Exército, em São Paulo. O procurador da República Ivan Marx, que integra o Grupo de Trabalho Memória e Verdade da Procuradoria do Cidadão e a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, destacou as dificuldades no processo de investigação dos crimes da ditadura e ressaltou que há mais de 30 ações penais sobre o tema barradas pelo Judiciário. De acordo com os participantes, a Comissão de Anistia - criada em 2002 pela Lei nº 10.559 e vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública - estaria 'sofrendo um processo de esvaziamento e, seus membros, perdendo a autonomia das decisões' Segundo relatos, o ministro Torquatro Jardim (Justiça) 'tem atuado de forma seletiva, negando pedidos de reparação já aprovados pela Comissão e justificando os indeferimentos com base nos despachos da Advocacia-Geral da União (AGU), em detrimento da legislação'. Dados apresentados por Paulo Henrique Kuhn, presidente da Comissão da Anistia, apontam que atualmente 13.170 requerimentos 'estão pendentes de análise'. "É preciso resgatar mais que urgentemente as políticas de verdade, memória e justiça", defendeu Virginius José Lianza da Franca, representante do Movimento pela Anistia na Paraíba. "Há uma ingerência, uma interferência e uma intervenção do Ministério da Justiça, que nega aquilo que a Comissão de Anistia fez. Não dá para aceitarmos isso", complementou o presidente da Associação dos Metalúrgicos Anistiados do ABC. Para Irene Gomes, advogada do movimento Revolta dos Perdidos, o processo de resgate da verdade e da reparação dos danos 'passa obrigatoriamente pela legitimidade das provas orais quando não existem outras formas de registros, estratégia que representa retirar da invisibilidade os camponeses e sindicalistas vitimas do período ditatorial'. "A gente fala de justiça de transição, a transição da ditadura para a democracia, mas tem que haver um direito que trate dessas delicadezas com justiça", ponderou. "Para mim, a luta é uma só: nós lutamos por justiça", afirmou Iara Xavier, representante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. "A lei promulgada há 39 anos é uma conquista da cidadania. Mas é preciso lembrar que ela possui falhas, sendo que a principal foi a concessão da auto anistia por aqueles que torturaram, estupraram, assassinaram e ocultaram os restos mortais de tantos brasileiros e brasileiras em circunstância que acabou gerando um legado de impunidade e banalização de violações de direitos humanos", ressaltou o deputado Luiz Couto. No Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados - 30 de agosto -, definido em 2011 pela Organização das Nações Unidas, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, o Ministério dos Direitos Humanos (MDH) e o Grupo de Trabalho Perus realizaram uma solenidade de entrega à família e sepultamento dos restos mortais do militante político Dimas Antônio Casemiro. A ossada de Casemiro foi identificada em fevereiro de 2018, quase 50 anos após ter sido torturado e morto pela ditadura militar, em 1971. A identificação - em análise feita em conjunto com o Grupo de Trabalho Perus - foi realizada por um laboratório na Bósnia, para onde os restos mortais foram enviados em setembro de 2017. A cerimônia ocorreu no Cemitério Petronilo Gonçalves da Silva, no município de Votuporanga (SP), e contou com a participação de Fabiano Casemiro, filho de Dimas, e autoridades locais. A data foi marcada, ainda, por uma palestra promovida pelo Núcleo dos Direitos Humanos do Centro Universitário de Votuporanga (UNIFEV). Além da procuradora Eugênia Augusta Gonzaga, estiveram presentes os peritos do GT Perus - Samuel Ferreira, médico e coordenador científico -, e Mariana Inglez, antropóloga responsável pelas análises post-mortem, que acompanharam a identificação de Dimas Casemiro.Com a palavra, o Ministério da Justiça Não há esvaziamento da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e nem perda de autonomia, na medida em que o órgão vem exercendo plenamente sua competência legal e analisando os requerimentos que lhe são submetidos. Conforme previsto na Lei nº 10.559/2002, a Comissão tem como competência o assessoramento ao Ministro da Justiça na análise dos requerimentos de anistia. A Comissão de Anistia analisa os requerimentos que lhe são apresentados e emite um parecer conclusivo, que é submetido ao Ministro de Estado da Justiça para decisão. A Lei de Anistia estabelece que a decisão compete ao Ministro e não à Comissão. Desde sua criação, foram protocolados quase 78.000 requerimentos de anistia política, dos quais a Comissão de Anistia já analisou mais de 65.000 requerimentos, restando pendentes 13.000 processos. Em face dos requerimentos já analisados, foram pagos quase dez bilhões de reais (R$ 10.000.000.000,00) em prestações únicas e prestações mensais permanentes e continuadas pelo Ministério do Planejamento e pelo Ministério da Defesa. Não há na lei de anistia previsão de prazo final para entrada de novos requerimentos. Em 2017, por exemplo, foram apresentados mais de 1.000 novos requerimentos. No que tange aos processos ainda pendentes de decisão, a Comissão de Anistia vem trabalhando intensamente para ampliar o número de análises, com o intuito de viabilizar as decisões do ministro da Justiça. É importante ressaltar que os Conselheiros da Comissão de Anistia exercem função não remunerada, considerada um serviço público relevante.