Produção de camarão na Bahia despenca e moqueca passa a ser 'importada'

Cerca de 80% dos camarões secos e 50% dos camarões frescos consumidos na Bahia têm vindo de outros estados

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  • Georgina Maynart

Publicado em 16 de fevereiro de 2019 às 13:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Georgina Maynart

O camarão fresco, um dos ingredientes mais apreciados da nossa culinária e utilizado no preparo de moquecas, está percorrendo um caminho cada vez mais longo até chegar no prato dos baianos. Cerca de 50% dos camarões frescos consumidos no estado estão vindo de fora, principalmente do Rio Grande do Norte, Ceará e Sergipe. A dependência da produção externa é ainda maior quando se trata do famoso camarão seco ou defumado, essencial no abará, no acarajé e no vatapá. Há apenas um grande produtor deste tipo de camarão atuando na Bahia, sua produção é insuficiente para atender toda a demanda e cerca de 80% dos camarões secos que chegam ao consumidor estão vindo do Ceará, de Pernambuco e de Sergipe, o que afeta os custos de produção dos quitutes mais representativos da culinária local.  

É um cenário preocupante para a economia, e para um estado que já ocupou a terceira posição entre os maiores produtores de camarão do país. 

A criação de camarão na Bahia vem caindo vertiginosamente nos últimos dez anos. De cerca de 8 mil toneladas anuais, o volume despencou até atingir menos de 2,5 mil toneladas em 2016. Entre 2017 e 2018 o setor começou a registrar uma pequena retomada, mas nada muito significativo. 

Apesar das estimativas oficiais - fornecidas pela Bahia Pesca ao CORREIO - indicarem que cerca de 1.400 famílias vivem da criação de camarão no estado, a produção total não passou de 3,5 mil toneladas no ano passado, segundo levantamento da Associação dos Criadores de Camarão da Bahia (ACCBA). O volume corresponde a menos de 6% da produção brasileira, e coloca a Bahia em sétimo lugar no ranking nacional dos criadores do crustáceo. Atrás, inclusive, de estados com faixas de litoral bem menos extensas, como Sergipe e Paraíba. 

A última Pesquisa da Pecuária Municipal, divulgada pelo IBGE, com dados referentes a 2017, também reforça que a Bahia tem ficado com uma parcela muito pequena deste mercado. O Nordeste segue responsável por 98,8% da produção nacional de camarão, mas os maiores produtores são o Rio Grande do Norte (37,86%) e o Ceará (28,9%), seguidos de Sergipe, Piauí, Paraíba e Pernambuco.

Na Bahia, as áreas de produção estão concentradas em Valença, que fica no Baixo Sul; em Canavieiras, no Sul do estado; na região de Salinas, Jaguaripe e Santo Amaro, localizados no Recôncavo; além de Jandaíra, na divisa com Sergipe. Mas estimativas indicam que as áreas em operação, cerca de 2.300 hectares, não alcançam nem 2% do potencial de produção do estado.

Entraves

A queda acentuada na produção de camarão tem fatores variados. Começa pela doença que tem afetado todos os criatórios de camarão do país, a chamada mancha branca. Causada por um vírus, ela é capaz de provocar perdas de até 90% na produção. Os pesquisadores ainda estudam uma forma de combater o problema definitivamente, mas já sabem que camarões cultivados em água com temperaturas mais frias, abaixo de 30 graus, são mais propensos a desenvolver a doença. Por causa disso, na Bahia, muitas fazendas não estão produzindo na época do inverno. 

O vírus não causa nenhum mal aos seres humanos, mas provoca a mortandade dos camarões e contamina todo o viveiro em poucas horas. Ele foi detectado pela primeira vez em 1993 na Ásia, e dois anos depois atingiu os Estados Unidos. No Brasil, aniquilou 30 mil toneladas de camarão no Ceará em 2017. Na Bahia o vírus atingiu um segmento já penalizado por outros problemas.

Licenciamento

A carcinicultura baiana vem enfrentando consecutivas crises de regulamentação. Durante os últimos 13 anos, os criadores de camarão ficaram impedidos de renovar ou solicitar licenças, caso não passassem por um novo processo de licenciamento, que estabelecia outras regras de produção. Autoridades e produtores discordavam dos requisitos exigidos para liberação das licenças. 

Enquanto o impasse não era resolvido, o setor passou a funcionar sob proteção de liminares (decisões provisórias, que podem cair depois que a questão tiver seu mérito julgado). Muitas fazendas ainda estão atuando graças aos recursos obtidos na justiça. 

Com uma situação jurídica incerta, os produtores reduziram os investimentos e mais de 20 fazendas mudaram de atividade. Até que, no ano passado, novos decretos de regulamentação foram publicados pelo Governo do Estado e a situação começou a mudar. Entre as medidas, as regras passaram a enquadrar a criação de camarão como atividade de médio potencial poluidor, antes era considerado de alto potencial. 

Ainda assim, os representantes do segmento dizem que as determinações ainda não foram suficientes para alavancar a retomada da produção.“A situação melhorou, nos últimos dois anos conseguimos aumentar a produção utilizando novas tecnologias. Ano passado alguns poucos criadores até já conseguiram licenciar os empreendimentos. Mas os estudos exigidos nestes licenciamentos têm um alto custo e se tornam inviáveis para os micro e pequenos produtores”, explica Bruno Pinho, diretor da Associação dos Criadores de Camarão da Bahia (ACCBA).O licenciamento é realizado pelo Instituto do Meio Ambiente (INEMA). Segundo a ACCBA, os estudos de licenciamentos e relatórios de impacto ambiental chegam a custar mais de R$ 300 mil para os grandes produtores, e ficam acima dos R$ 30 mil reais para os pequenos.

“Muitos não têm condições de passar por este processo e fazer os estudos exigidos. Para continuar produzindo, algumas fazendas estão se adaptando às legislações municipais, que permitem a regularização dos empreendimentos com até 10 hectares. É preciso que o processo se torne mais viável para estes pequenos produtores”, acrescenta Pinho.

Os representantes de órgãos oficiais, responsáveis por fomentar a atividade, admitem o problema. “De fato, o processo para implantação de empreendimentos de carcinicultura no estado ainda não tem a facilidade burocrática e os custos que gostaríamos”, reconhece Eduardo Rodrigues, presidente da Bahia Pesca.

O órgão informou ao CORREIO que vem promovendo cursos de capacitação para os produtores, mantendo o diálogo direto com os órgãos de controle e fiscalização, e que criou uma Coordenação Técnica de Licenciamento Ambiental para prestar orientação aos pequenos produtores no estado.

“A carcinicultura no estado é um gigante adormecido. Precisamos despertar o potencial dessa atividade, que tem tudo para se tornar o grande impulsionador do agronegócio baiano. Nossa expectativa é que até o final de 2020 possamos dobrar tanto a área em produção quanto a produção estimada, atingindo mais de 8 mil toneladas de camarão produzidos por ano”, acrescenta Eduardo Rodrigues.

Atualmente a única espécie cultivada na Bahia é o camarão cinza, o Litopenaeus vannamei, de médio e grande porte. A espécie permite maiores lucros por ser destinada para mercados diferenciados e para exportação. Os carcinicultores baianos dizem que se sentem desestimulados a produzir os camarões menores, voltados para o nicho de mercado que inclui os camarões secos e defumados. Com volumes pequenos, eles não conseguem competir com as remessas produzidas pelos outros estados. Consumo do camarão fresco cresce 30% durante o verão, preços acompanham aumento da demanda. (Foto: Georgina Maynart) Tecnologia

Para superar os entraves e aumentar a eficiência nos viveiros, os produtores estão investindo em novas tecnologias como estratégia de negócio. As modernas técnicas são mais rentáveis, sustentáveis, e reduzem o impacto ambiental ao proporcionar, por exemplo, a economia de água através de um sistema de recirculação. Com estas tecnologias é possível aumentar em até 20 vezes a produção de pescado, usando a mesma área. De acordo com a ACCBA, cerca de 10 fazendas da Bahia já implantaram o sistema. 

Preços

Apesar de ser considerado um dos produtos mais caros da mesa dos brasileiros, a venda de camarões segue aquecida. Principalmente no verão, quando o consumo é maior, cerca de 30% acima dos outros períodos do ano. 

Em Salvador, no Mercado de Pescados de Água de Meninos, o quilo do camarão de médio e grande porte está custando entre R$ 25 a R$ 65. Já nas maiores redes de supermercados de Salvador, os camarões são encontrados por valores que variam de R$ 75 a R$ 166 o quilo.

Na Feira de São Joaquim é o comércio de camarão seco e defumado que atrai muitos consumidores. O quilo custa entre R$ 15 e R$ 45, a depender da qualidade do produto. Nesta época os preços ficam cerca de 35% mais caros comparados com outras fases do ano. Um exemplo é o quilo do camarão defumado superior, maior e inteiro, que custava R$ 32 e está sendo vendido por R$ 42. De acorco com os feirantes, as vendas durante o verão podem ser comparadas com as registradas durante a Semana Santa e ao movimento que ocorre em setembro por causa do tradicional caruru de São Cosme e São Damião. 

“No verão a procura é grande, pois muita gente usa no caldo de sururu, no pirão de camarão e de peixe, ou para fazer temperos. O preço aumenta porque os fornecedores, de fora, reajustam também”, diz o feirante Valter Ferreira, conhecido como Val do Camarão há mais de 25 anos. Val do Camarão, um dos feirantes mais antigos da Feira de São Joaquim, vende camarões secos vindos do Ceará. (Foto: Georgina Maynart) Acarajé 

As baianas de acarajé dizem que apesar de leve no peso, o camarão seco pesa nos custos de produção. O produto é usado no preparo da massa, no tempero do vatapá e do caruru, e para enfeitar o bolinho assado ou cozido. 

“O camarão é o ingrediente que mais onera o acarajé, cerca de 25%. E nós não podemos repassar para o consumidor, porque ele reclama, e ainda pede para colocar mais camarão”, diz Rita Ventura, Presidente da Associação Nacional das Baianas de Acarajé (ABAM).

Seguindo normas de higiene da Vigilância Sanitária, as baianas são obrigadas a retirar a cabeça, o rabo e as pernas do crustáceo, o que aumenta as contas do negócio.

“Depois que a gente tira tudo isso, e mais o sal grosso que eles colocam para pesar e conservar o produto, de um quilo de camarão só restam 650 gramas. Ou seja, nós perdemos praticamente 35% do que pagamos. Se o camarão viesse daqui da Bahia certamente seria mais barato, já que os fornecedores diminuiriam os gastos com transporte e frete”, analisa Rita, que costuma comprar camarão seco e defumado de fornecedores de Fortaleza, no Ceará, e de Macaé, no Rio de Janeiro. Preço do camarão seco ou defumado fica até 35% mais caro no verão. (Foto: Georgina Maynart)