Profissão Sindicalista: média no comando de entidades milionárias é de quase 10 anos

Bahia tem 805 sindicatos que movimentam até R$ 7,6 milhões por ano

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  • Fernanda Santana

Publicado em 13 de maio de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

O Sindicato dos Médicos da Bahia (Sindimed) convocou, no final de fevereiro, eleições para a nova diretoria. A escolha dos 4,2 mil médicos sindicalizados pela entidade colocaria fim à gestão de sete anos do presidente Francisco Jorge Silva Magalhães, o Chicão. Colocaria. Pleito concluído, no dia 22 de março rompeu um conflito que mudou o curso da história. A chapa 1, de Chicão, começou a acusar a 2 de fraude, por supostas irregularidades dos votos enviados do interior à capital, e a alternância de poder está comprometida. Todos querem o sindicato.

A briga entre os médicos escancarou o emaranhado de disputas muitas vezes existente, mas tantas vezes oculto, nessas entidades. Na Bahia, calculou o Ministério do Trabalho a pedido do CORREIO, são 805 sindicatos – 216 deles em Salvador.

À frente da presidência, contudo, as figurinhas presidenciais raramente são inéditas. Nos sete principais sindicatos representantes dos setores de educação, comércio, segurança, saúde, transporte e bancários, o tempo médio de um presidente na gestão é de 9 anos e meio. Mas, por que vale a pena, durante tanto tempo, administrar uma entidade sindical?

Chicão, que espera uma resposta da Justiça do Trabalho para saber se continua presidente ou passa definitivamente o bastão para a chapa encabeçada por Ana Rita Luna de Tavares, responde:“O sindicato se tornou ouvido pela sociedade, entendeu? Se fosse algo sem valor nenhum, não teria essa disputa. Porque ninguém quer pegar filho feio, todo mundo só gosta do filho bonito”.Para exercer a função, ele ganhava uma chamada ajuda de custo. No caso: R$ 8 mil. “Eu, como médico, poderia estar ganhando muito mais”, contrapõe ele, médico há 33 anos, ao ser questionado sobre os ganhos de sindicalista.

Os sindicalistas nem sempre ganham salários ou qualquer tipo de ajuda de custo, como Chicão. Mas não deixam de representar, em alguns casos, entidades de intensa movimentação financeira. No caso do Sindimed, o valor arrecadado é próximo de R$ 335,6 mil mensais (R$ 4 milhões por ano), verba alcançada apenas com a mensalidade dos sócios.

Outro exemplo é o Sindicato dos Rodoviários. Com 9,6 mil sindicalizados que pagam 3% sobre a base salarial, R$ 2,2 mil, a circulação mensal é de R$ 633,6 mil - R$ 7,6 milhões por ano. Na posição de líder da entidade há seis anos está Hélio Ferreira, com 26 de luta sindical. Nenhuma parte da quantia, ele afirma, vai para seu bolso.“É mais uma questão ideológica. É muito gostoso satisfazer o ego ao tirar coisas do patrão e dar ao trabalhador”, brinca Hélio.O dinheiro arrecadado, defendem sindicalistas ouvidos pela reportagem, são utilizados em convenções, assembleias, viagens de diretores, custeio de despesas das sedes e com funcionários. Mas, não raro, a ideologia é sombreada por questões que extrapolam as causas sindicais.

Em junho de 2010, por exemplo, uma suposta fraude milionária descoberta pelo sindicalista Paulo Colombiano no Sindicato dos Rodoviários resultou no assassinato dele e da esposa, Catarina Galindo, no bairro de Brotas. Todos os cinco suspeitos estão em liberdade.

Ao ser relembrado pelo CORREIO do caso, Hélio Ferreira parece desconversar, fala de uma nova fase da categoria. "Depois da minha entrada, eu consegui juntar todas as forças políticas e fazer uma gestão em prol da categoria. Estamos conseguindo fazer uma boa atuação no sindicato", garante.

Baianos, uni-vos Há exatos 20 anos, Rui Oliveira assumia, pela primeira vez, o cargo de presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Bahia (APLB). Repete o ato há cinco mandatos, tempo que o torna o presidente mais antigo de uma entidade sindical baiana. E não pensa em deixar girar a roda de líderes.“Os filiados pedem para eu ficar. São grandes conquistas aqui dentro”, justifica Rui.Quando o professor de Química da rede estadual de ensino chegou à APLB, os sindicatos já eram entidades consolidadas na Bahia. Estavam plenamente despertas da dormência do período da Ditadura Militar, quando foram para a marginalidade ante repressão e censura.

Professor de Sociologia das Organizações, Juarez Bonfim ensina: "o sindicalismo urbano, aqui, está muito relacionado ao processo de industrialização que Salvador e RMS passaram nas últimas décadas. Esse e outros setores começam, então, a visualizar o crescimento do sindicalismo, principalmente no ABC Paulista".

É muito antes disso, no século 19, que despontam os sindicatos: reflexo e refluxo da Revolução Industrial, da união de trabalhadores diante da exploração dos patrões. Aos poucos, os sindicatos se tornam os representantes formais dos direitos dos trabalhadores, os articuladores de movimentos grevistas. E a própria consolidação das agremiações torna natural a aparição de um líder que comanda indiferente aos anos, explica, novamente, Juarez. Líderes como Rui, aliás. "É um processo de conquista da hegemonia: ao conseguir a aceitação da classe, esse líder, geralmente uma figura carismática, aparece como a figura da renovação. Aí, a tendência é que ele e seu grupo se alonguem na gestão", diz.Alcançada a hegemonia, inclusive, os dirigentes sindicais gozam de algumas prerrogativas, observa o advogado trabalhista Maurício Trindade. Além da estabilidade no emprego, esse(a) representante tem o direito de se afastar da função formal para se dedicar às funções sindicais. "Se ele for sempre reeleito, ele vai conseguir estar sempre afastado", explica.

Por outro lado, ao presidente cabe assegurar o funcionamento da entidade, denunciar ações contrárias ao regulamento próprio, participar e organizar eventos para garantir a seguridade trabalhista. 

Hoje, os presidentes das 805 entidades baianas administram o quarto maior número de sindicalizados do país. No estado, eram 1,53 milhão de pessoas, em 2016, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2016. Aparecem na frente os estados de São Paulo (3,77 milhões), Minas Gerais (1,63 milhão) e Rio Grande do Sul (1,3 milhão).

Reformou. E agora? No dia 11 de julho, os sindicatos receberam a notícia: dali a pouco tempo, a contribuição sindical obrigatória estava proibida por lei, com a aprovação da Reforma Trabalhista. Quatro meses depois, já na vigência da nova legislação, as organizações sindicais começaram a amargar as consequências. Até então, desde 1943, pelo menos 1% do salário dos trabalhadores escoavam para os sindicatos representantes.

A mudança inverte a ordem, começa a causar prejuízos a sindicatos. O problema chega à Justiça: o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT-BA) contabilizou, a pedido da reportagem, 266 processos de sindicatos insatisfeitos com a proibição da contribuição sindical compulsória, de novembro ao dia 5 de maio deste ano, na Bahia.

O Sindicato dos Bancários é um desses pólos de insatisfação, declara o presidente Augusto Vasconcelos. Desde novembro, ele estima que R$ 1 milhão deixou de engordar a conta do grupo, composto por uma diretoria de 68 pessoas e representante de 17 mil bancários na Bahia."E isso teve um impacto brutal, porque somos muito atuantes. Realizamos congressos, conferências. Só este ano, seis encontros regionais na Bahia. Esse valor seria necessário para nossas ações", declara Augusto Vasconcelos sobre o fim da contribuição sindical compulsória.A organização decidiu, então, realizar uma assembleia, em fevereiro deste ano, para que a contribuição voltasse a ser compulsória. Falta, no entanto, a aprovação judicial.

O advogado Maurício Trindade declara que é permitido às instituições tentar acordos com os sindicalizados. Daí, o número de processos movidos. "Os sindicatos podem agir extrajudicialmente, recorrer à Justiça para defender a inconstitucionalidade da proibição", afirma. 

O Ministério Público do Trabalho chegou a emitir um parecer técnico, no final de abril, em que afirma: "a autorização prévia e expressa para desconto em folha da contribuição sindical deverá ser extraída em assembleia, considerando-se a obrigação atribuída ao sindicato de fazer a defesa dos direitos e interesses individuais e coletivos da categoria".

Outros seis presidentes consultados pela publicação não confirmam valores, mas relatam queda na arrecadação: algo em torno de 80%. Segundo mais antigo presidente em atuação, com 10 anos de gerência, Paulo Motta endossa o cálculo. E por que continuar à frente da presidência, mesmo com o rombo? "Vira uma cachaça", define ele, à Hélio Ferreira. 

Os sindicalistas vão às urnas! O fim da década de 70 no ABC Paulista fortalece, como lembrou o professor Juarez Bonfim, os sindicatos. Amplifica, ainda, o poder político dessas entidades. Do Sindicato dos Metarlúgicos, surge Luiz Inácio Lula da Silva, figura de líder sindical que se tornaria, em 2003, presidente do Brasil, após as derrotas em 1989, 1994 e 1998. As entidades sindicais começam a funcionar como trampolim político. Na política baiana e soteropolitana, mostra levantamento feito pelo CORREIO, sindicato e política também se misturam.

Dos 43 vereadores eleitos em Salvador, quatro possuem cargos nos sindicatos da cidade: Hélio Ferreira (PCdoB), presidente do Sindicato dos Rodoviários; Aldalice Souza (PCdoB), diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde da Bahia (Sindisaúde); Hilton Coelho (Psol), licenciado na direção do Sindicato dos Servidores do Judiciário na Bahia e membro da Corrente Sindical Resistência e Luta; Moisés Rocha (PT), diretor do Sindicato dos Petroleiros; e Luiz Carlos Suíca (PT), secretário de Assuntos Jurídicos do Sindlimp da Bahia.

Não há, contudo, nenhum regimento diferenciado, nem regras especificas para vereadores-sindicalistas, declarou a Câmara à reportagem. "Os legisladores podem ocupar qualquer cargo em seus respectivos sindicatos desde que não atrapalhem as atividades legislativas", ressalta a Casa.Na Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA), também há espaço para sindicalistas-políticos. Dos 63 deputados, pelo menos sete ocuparam ou ocupam funções em entidades sindicais. Novamente, não há prerrogativas diferenciadas. E a taxa de representantes sindicais na política pode crescer: Augusto Vasconcelos e Marcos Souza, presidente do Sindicato dos Policiais Civis, já confirmaram presença na disputa, respectivamente, por um cargo de deputado estadual e de governador do estado. 

Há ainda quem tenha tentado um lugar ao sol na política baiana. Ou que ocupe cargos em partidos, sem necessariamente ser um representante do Executivo ou Legislativo. Rui Oliveira, 'bodas de porcelana' na APLB, é dirigente do PCdoB e já disputou uma vaga na Câmara. Tenta explicar à reportagem por que, e como, os sindicalistas se envolvem com a política:"Ninguém pede atestado político. Todo mundo tem o direito de ter partido. No final, somos todos seres políticos".Confira um breve perfil dos presidentes de grandes sindicatos com mais tempo no cargo

Rui Oliveira – Aos 65 anos, Rui Oliveira é o sindicalista que, por mais tempo, ocupa o cargo de presidente de um sindicato. Há 20 anos, o professor de Química da rede estadual está à frente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia (APLB).

Paulo Motta – Filho de Deraldo Motta, que presidiu na década de 80, a Fecomércio, Paulo Motta gere, há 10 anos, o Sindicato dos Lojistas da Bahia (Sindilojas). O sindicalista é dono de uma rede de lojas e-commerce e participa do sindicato há 22 anos.

Marcos Maurício – Presidente há 9 anos do Sindicato dos Policiais Civis, Marcos Maurício, 44 anos, agora se prepara também para a vida política. No dia 5 de maio, o baiano bacharel em Direito e em Administração Pública lançou pré-candidatura ao Governo do Estado pelo PSDC.

Francisco Jorge Silva Magalhães – O médico formado há 33 anos pela Bahiana ocupa, há 7 anos, o cargo de presidente do Sindicato de Médicos do Estado da Bahia (Sindmed). Participa do sindicato, criado em 1927, há, pelo menos, 30 anos. Após eleições que colocaria fim ao seu mandato, luta na Justiça para que a chapa vencedora não seja reconhecida.

Hélio Ferreira – Nascido na cidade do Senhor do Bonfim, no Centro Norte baiano, o sindicalista de 52 anos é presidente do Sindicato dos Rodoviários há 6 anos. Entrou no sindicato em 1992, e já foi representante da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho. Em 2016, tornou-se vereador de Salvador pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier e da editora Mariana Rios