Quanto mais sonho com Sabotage mais amanheço com Kanye West

Senta que lá vem...

  • D
  • Da Redação

Publicado em 29 de novembro de 2018 às 12:54

- Atualizado há um ano

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Parafraseio Damário Dacruz para entrar no debate sobre o novo disco do Baco Exu do Blues, o Blues Man, no qual o jovem rapper se intitula "Kanye West da Bahia". Como de costume, começo pelas boas notícias: adorei o disco. De primeira tive uma certa má vontade, pois sou fascinada pelo Esù e confesso que, por mais que eu tente fugir, sempre faço comparações. Ainda acho o Esù maior e mais orgânico, mas sim, sem dúvida, o Blues Man é um puta som. Bela produção, conceito ok, sonoridade delícia, algumas letras potentes, outras meramente dançantes, outras gritantes - e sim, gritar também é importante.

Segundo, quero dizer que não sou integrante da cultura Hip Hop. Não ando em batalha, não frequento assiduamente a cena local [por N motivos], não sou amiga nem inimiga de nenhum MC. Sou uma leiga, uma modesta estudiosa e apreciadora de algumas de suas vertentes, principalmente o RAP e o graffite/pixo (sem querer jogar na mesma vala e nem entrar nesse debate, deus me livre e guarde). Ouço RAP há mais ou menos 10 anos. Tudo começou quando Thiago Nazareth me hospedou em um momento difícil da vida e aquele rapaz, com a maior cara de MPB, não parava de ver o DVD dos Racionais MC's. Talvez ele nem saiba disso, mas foi ali que entendi a potência do RAP e fui buscar conhecimento. Depois descobri o que pra mim é o supra-sumo do RAP nacional - Sabotage. Mergulhei na sua obra e história de vida e chorei algumas vezes por não ter tido oportunidade de abraçá-lo nesta dimensão. Rezo para que possa fazê-lo em outras. Hoje o RAP é um dos ritmos que mais me agradam, me mobilizam, me instigam a pesquisa.

Terceiro, eu conheci o Baco com o Sulicídio, mas só passei a ouvir mesmo depois do Esù. Poxa, gosto mt desse disco. Daí fui caçar o cara, descobri que só tinha 21 e era capricorniano. Poxa, sou bairrista. Lembro que fui pro Rio logo que descobri o Esù e me regozijava a cada carioca que eu via arrebatada pelo disco de meu conterrâneo de Estado e de Signo. Achei assim, um bom menino. Daí fui no instagram dele e percebi que realmente era apenas um menino. Muito videogame, muito cigarro, muita cachaça, o moleque tava se divertindo. Falava bobagem, tava nem aí pra nada, aquela leveza me agradava, não via problema nenhum, apesar de não ter muita paciência e uma hora ficar cansada até silenciar seus stories.

Quarto, quero dizer que não vejo problema algum em pretos que querem ganhar grana, muito pelo contrário. Viver num país de maioria negra que não tem sequer uma classe MÉDIA negra é uma vergonha. Ganhar dinheiro é uma tarefa para nossa população e uma estratégia pra nossa emancipação, ainda que a longo prazo o que devamos querer mesmo é a superação do modelo capitalista. Até lá, precisamos conseguir nos financiar, nos sustentar, sustentar os nossos e pra isso, MONEY MONEY MONEY. Não tem problema nenhum também preto no mainstream, pretos no topo é o que quero. E PRETAS!

Agora assim, como diz Drik Barbosa: é com grana no bolso, mas se essa grana dita o jogo ela te tem na mão. Ou Gabriel Don L: Rapper, tu fez uma grana e não trouxe ninguém, não fala que cê é hip hop. Ou mainha: diz com quem andas que te direi quem és.

Eu comecei a me invocar com o Baco muito antes de toda essa polêmica. Fui do amor ao ódio muito rápido, quando acompanhei [nas redes, obvio] o dia a dia dele e... É ZERO MELANINA. O cara vive cercado daqueles meninos brancos mais nada a vê sabe. O cara tá feliz entre eles, o cara tá enturmado e isso me cheira mal, me cheira muito mal. A burguesia fede demais. Durante meses, não vi o pvt divulgar um som da cena de Salvador e nem da cena underground de lugar nenhum. Em quase um ano acompanhando o cara nunca vi o pvt falando de genocídio, de encarceramento, de problemas que afetam os bluesman tudo por aqui, saca?

Tipo, eu não tenho nada contra o RAP dialogar com outros ritmos, ao contrário. Gosto do RAP mais sujo, cru, underground, ao RAP mais “gourmetizado”, “palatável”, “NóNaOrelhizado”. Tassia Reis me ensinou que dá pra ser. Sabota me ensinou que dá pra ser, mas também demarcou: o RAP é compromisso. O RAP não é mais um ritmo. Pode até [e deve] ganhar dinheiro da indústria cultural, pode sim fazer discos para serem consumidos para além da bolha do hiphop, pode sim fazer brancos chorar, de culpa ou de emoção. Agora nossa luta não. Nosso combate não. Nossa geração não. Nossos valores não. Estes não estão à venda. Nossos corpos não estão à venda. O problema desse disco não é o disco. É o projeto mercadológico que transformou o cara num produto, uma luta num produto, a dor de muita gente em um produto e para onde vai essa grana? Não Baco, você não é o preto mais odiado. Você é o preto amado, que eles querem ter pra chamar de amigo, meu caro. Se tu não quer ser preto de estimação, tu tá fazendo isso errado, o preço da luta racial é caro e não se paga nem com ouro e nem com prata. Eu sei que inteligência não lhe falta, espero que dê tempo de virar esse jogo.

É um desafio mesmo lucrar e lutar. Lucrar e não acumular: distribuir. Fazer a roda girar. Vender e não se vender. Ostentar para eles e se aquilombar com os nossos. E quando o Danilo Cruz fala que o Baco não tem legitimidade é pq o cara tá queimado mesmo aqui na Bahia e isso é muito importante no RAP, sim. TERRITÓRIO. Se a cena onde o cara nasceu não tá legitimando o cara, alguma coisa tá errada. E não dá pra dizer que é recalque, saca. Não dá pra dizer que os nossos são invejosos, enquanto tu bebe budwiser com três brancos jogando SuperNitendo. Então, minha opinião é essa. O clipe do Baco é lindo, o CD do Baco é massa, Baco é um menino talentoso que pode contribuir muito pra cultura hiphop e processo de conscientização da luta antirracista no Brasil. Mas isso não vai acontecer enquanto o Baco não perceber que é preciso praticar o que traz em seus versos, senão, seus versos vão ser usados como balas de fuzil contra os nossos. Eles adoram seu disco, mas odeiam nos ouvir falar de amor afrocentrado, de autoorganização, de reparação histórica. Ser gênio na Bahia é atacado e não varejo. Ser bom músico na Bahia é a regra e não exceção. Ser um preto importante é bom, mas só isso não te faz importante pra luta coletiva. Tu precisa sentar com o Mano Brown que, pra mim, continua sendo a verdadeira ponta de lança no RAP Nacional, pra entender que melhor do que ser o Kanye West da Bahia é fazer Palmares de novo, só que dessa vez com alguns ingredientes a mais, dos quais você bem sabe: grana, prata, likes.

Texto originalmente publicado no Facebook e replicado com autorização da autora.