Quatro travestis são atacadas em dez dias na Pituba

Três vítimas foram esfaqueadas no rosto e uma quarta foi espancada com barra de ferro

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  • Bruno Wendel

Publicado em 5 de março de 2018 às 17:21

- Atualizado há um ano

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Os golpes foram todos na região da face. A maioria com o uso de uma faca. Além das marcas físicas, quatro travestis têm também como cicatriz o pavor. Elas estavam em seus pontos quando foram atacadas por um homem em dias distintos na Rua Minas Gerais, na Pituba. Atualmente, nenhuma delas pensa em retornar ao local de trabalho. 

O agressor é um homem alto, moreno, com cavanhaque e em todas as ações usava a mesma roupa: boné azul, casaco e calça jeans. Todas as vítimas são de estatura mediana, têm entre 18 e 22 anos e estavam sozinhas ou na companhia de outra travesti quando foram atacadas, entre os dias 21 de fevereiro e 3 de março, um intervalo de dez dias.

Palco dos crimes, a Rua Minas Gerais está situada entre as avenidas Manoel Dias e Octávio Mangabeira e é cercada por edifícios residenciais e estabelecimentos comerciais. À noite, é um dos pontos de prostituição da Pituba, porém deserto, o que facilita a ação do criminoso. Ele se aproxima das vítimas como se estivesse caminhando despretensiosamente e, quando encontra a oportunidade, ataca.   

A Polícia Militar informou ao CORREIO que atuou em duas ocorrências nas madrugadas do dia 28 de fevereiro e 3 de março. Nelas, há o relato de um agressor que vitimou duas pessoas com golpes de lâminas no rosto.

O caso já está com a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE). As vítimas serão ouvidas na próxima segunda-feira (12) pela a defensora pública Eva Rodrigues, subcoordenadora da Especializada de Direitos Humanos.  

Ataques Os ataques aconteceram entre 0h e 1h. O último - e mais violento - foi no último sábado (3) e teve como vítima a travesti Jaqueline. “Quando vim do programa, vi Jaqueline no chão toda ensanguentada sendo atendida por uma equipe do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) e as pessoas dizendo: ‘ele esfaqueou mais uma’”, contou a também travesti Celine Fernandes, 33. 

Segundo Celine, Jaqueline teve várias perfurações na região da cabeça e próximo ao pescoço. “Uma das facadas saiu rasgando a boca e o queixo. Ela está tão apavorada que disse que não vai voltar para a rua”, contou a profissional do sexo. 

O primeiro ataque aconteceu no dia 21 de fevereiro, um domingo.  A travesti Luana estava sozinha quando foi golpeada por trás, por uma barra de ferro. “Quando ela caiu, ele correu. Desde então, Luana sumiu, com medo de ser novamente agredida ou até morta”, contou Celine. 

No dia 28 de fevereiro, a vítima foi Bianca - ela foi esfaqueada e socorrida a uma unidade médica. “Ela disse que ele falou quando saiu: ‘Só vou parar quando matar uma’”, contou Celine. No dia 2 de março, a última sexta-feira, o criminoso atacou Rafaela – ela também foi esfaqueada.  Medo O medo fez com que as vítimas não procurassem a polícia. Nenhuma delas registrou queixa em delegacia. “Elas achavam que se denunciassem, esse bandido poderia voltar para terminar o que começou. Mas já estávamos adotando medidas cabíveis: na próxima segunda-feira iremos à Defensoria Pública”, contou Celine. 

O pânico está instalado também entre as profissionais do sexo que atuam na Pituba. “Todas estão apavoradas. Então, estamos pedindo para todas ficarem mais juntas, não se afastarem uma das outras, já que a maioria dos ataques acontece quando a vítima está sozinha. Pedimos também para elas evitarem a Minas Gerias, que optem pela Octávio Mangabeira e a Manoel Dias, pois estão movimentadas e iluminadas”, declarou Celine.

Atípico Na última quinta-feira (1º), o agressor faria mais uma vítima. “A gente viu um homem circulando com as mesmas características pela Rua Minas Gerais. Quando viu que a rua estava movimentada, um dia atípico, ele recuou e pulou um muro de um prédio que fica em frente a uma clínica”, contou uma travesti, que preferiu não se identificar.

Ainda de acordo com ela, uma equipe da Polícia Militar passava na hora e um grupo de travestis informou o local onde o suspeito estaria, porém, os policiais não se mostraram interessados em ir atrás do suspeito. “Repetimos várias vezes que se eles se apressassem, poderiam pegar ele, mas a viatura saiu do lugar bem devagar, como se quisesse não ter trabalho”, disse a travesti. 

Transfobia Para a psicóloga, transfeminista e vice-presidenta do Conselho Estadual dos Direitos da População de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) do Estado da Bahia, Ariane Senna, os ataques na face são casos típicos de transfobia. "É quando o cidadão quer desfigurar, ele quer dizer que o rosto de mulher não pertence ao corpo de um homem. Geralmente, são crimes com requinte de crueldade. Isso falando psicologicamente”, disse.  

Segundo Ariane Senna, estes casos não são isolados. “Já soube de outros casos entre profissionais do sexo, mas não deu em nada, por que as vítimas tiveram medo de denunciar. É preciso ter coragem para tentarmos mudar esse cenário”, disse. 

Ainda de acordo com Ariane Senna, se a vítima não se sentir confortável em ir a uma delegacia, ela pode procurar o Conselho Estadual dos Direitos LGBT, a Defensoria Pública ou grupo de ativistas, a exemplo da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) – em Salvador, a unidade está localizada no Gravatá. 

As vítimas dos ataques na Pituba serão encaminhadas para a Casarão da Diversidade, onde todas terão acompanhamento psicológico, jurídico e social. 

Ataques Segundo o antropólogo Luiz Mott, responsável pelo site Quem a homofobia matou hoje – desenvolvido pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) e que é usado internacionalmente como instrumento de notificações de casos de LGBTfobia, proporcionalmente, as travestis e transexuais são as mais vitimizadas.

O risco de uma pessoa trans ou travesti ser assassinada é 14 vezes maior do que um gay, e se compararmos com os Estados Unidos, as 144 travestis brasileiras assassinadas em 2016 face à s 21 trans americanas, as brasileiras têm 9 vezes mais chance de morte violenta do que as trans norte-americanas. Segundo agências internacionais, a exemplo da Trans Respect Versus Transphobia World Wide, mais da metade dos homicídios de transexuais do mundo ocorrem no Brasil.