Quem curtiu o 'fim' dos likes no Instagram?

Influencers, social media e pesquisadores repercutem fim das curtidas na rede social

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  • Da Redação

Publicado em 7 de maio de 2019 às 05:20

- Atualizado há um ano

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O anúncio de que o Instagram não mais exibirá o número de curtidas caiu como uma “bomba” na semana passada. As reações oscilaram, já que mesmo aqueles que foram pegos de surpresa viram vantagens na mudança que segundo a plataforma propiciará um ambiente menos tóxico e competitivo. O intuito do Instagram é que os “seus seguidores se concentrem no conteúdo que você compartilha, não em quantos likes suas publicações conseguem”, passando a notar conteúdos que não têm um número grande de curtidas. Usuários comuns, empresas, influencers, pesquisadores e profissionais da comunicação e da tecnologia têm se perguntado quais os rumos que a plataforma seguirá após o fim daquela que sempre foi a base sobre a qual cresceu. Para começo de conversa, a atualização não vai acabar definitivamente com os likes. “Na prática a lógica do like continua a mesma, porém você não vai conseguir ver a quantidade exata dos likes que outras pessoas receberam na foto. Vai aparecer assim: ’Fulano e outras pessoas curtiram essa foto’, mas não vai ser mostrado em números como vemos hoje, é isso será ocultado para as outras pessoas”, explica a relações públicas Allana Gama, que pesquisa influência digital no GITS - Grupo de Pesquisa em Interação, Tecnologias Digitais e Sociedade, do Póscom/Ufba. Os testes começaram  no Canadá, pois, segundo a empresa, é um país com um público digitalmente experiente e que possui uma grande base ativa no Instagram. Após essa fase, outros países devem ser atingidos. Não há nenhuma avaliação até o momento, nem mesmo previsão de lançamento da atualização no Brasil.Sem surpresa Quem trabalha ou pesquisa o Instagram, no entanto, já esperava essa decisão. O Twitter já havia sugerido essa mudança no ano passado. “Acredito que todo profissional sabia que uma hora ou outra isso acabaria acontecendo, até porque o foco exclusivo nos likes tira a originalidade de muitos influencers“, pondera o publicitário e social media Caíque Oliveira. (Foto: Repdoução) Para Marcel Ayres, doutorando em cultura digital pela Ufba e consultor em Comunicação e Marketing Digital na Hackel, a mudança faz parte das ações do Facebook para requistar sua imagem enquanto empresa preocupada com a privacidade dos usuários. “Eles estão atentos às pesquisas que estão sendo realizadas em torno da plataforma: seja em estudos sobre interação social, influenciadores digitais, depressão, fake news, entre outros temas. Inclusive, estão financiando estudos em diversos países para compreender com mais profundidade os desdobramentos ocasionados pelos usos e apropriações dos seus aplicativos em escala planetária”, explica Ayres, que aposta que cada ator envolvido lidará com a mudança de um jeito.Futuro O públicitário Caíque Oliveira acredita que ocultar o número de likes não afetará a produção dos relatórios, por mais que inicialmente possa haver resistência por parte de alguns clientes e de pessoas que usam isso para fins comerciais. “Só que esta parcela não representa a maioria dos usuários, real foco da rede. As redes sociais não devem ser pensadas para os influencers, mas sim para todas pessoas”, defende. Ele lembra que o Snapchat é um exemplo claro de que ocultar as métricas não impede, nem dificulta o crescimento dos influenciadores. “No Snapchat não havia a possibilidade de os usuários saberem quantos seguidores e visualizações um usuário tinha, e mesmo assim Thaynara OG se transformou em uma das maiores influencers do país na plataforma”, lembra. O porta-voz do Facebook chegou a dizer que a empresa tem estudado formas de fazer o influenciador mostrar o seu valor digital para  marcas que queiram patrocinar o seu conteúdo.Por isso, Allana Gama especula que o que vai mudar é a forma de avaliação de marcas e agências sobre os influenciadores, e que outros números e critérios poderão ser preponderantes nessa equação. É aí que surge outra grande incógnita até então. Se o like era apenas uma das formas de mensurar a relevância de um contéudo (talvez a menos confiável delas), quais são as formas de mensurar e de tornar uma publicação bem-sucedida no Instagram? E o algoritmo, funcionará de modo diferente se esse comportamento mudar? Isso garantirá maior diversidade à plataforma? Confira a opinião dos entrevistados sobre essas e outras questões abaixo:

Como ficam as coisas para quem faz do Instagram negócio?

Caíque Oliveira - Acho que essa atualização da plataforma impacta muito mais o micro influenciador porque, em geral, é ele quem mais faz uso desses números. Os influenciadores maiores geram impacto e é fácil medir essa influência sob o público por conta do maior engajamento da audiência. O que muda para nós, profissionais da área, é que agora que esse número não será público vai ter que entrar na cabeça dos clientes de uma vez por todas que o importante é a qualidade do conteúdo e não o número de curtidas. Talvez a gente também pare de receber proposta para compra de likes nas publicações como se isso fosse qualificar o conteúdo. O Instagram é contra ferramentas de automação, mas apesar de a política da plataforma ser contra esse uso, a possibilidade de fazê-lo faz com que os clientes insistam nesse uso pelo social media para aumentar seu alcance, curtidas ou número de seguidores. Uma vez que essa mudança aconteça e não haja possibilidade de reverter, fica mais fácil de que isso seja entendido pelos clientes. Acho que se o Instagram conseguir blindar essa informações, de fato, fica tranquilo para o profissional. Provavelmente tem gente estudando brecha nos códigos, mas se essa mudança se tornar universal, as páginas vão perder credibilidade caso insistam nessa métrica. Os likes não ficarão visíveis, mas a lógica dos algoritmos do Instagram vai mudar? Acredito que hoje as publicações mais vistas sejam aquelas que efetivamente receberam mais curtidas...Quando essas curtidas são ocultadas, o algoritmo passa a funcionar de modo diferente do que já funciona? Allana Gama - Aparentemente não. A mudança é mais de design, de uma informação que vai ficar "oculta" do que no algoritmo de fato. Mas isso levanta muitas outras questões como: o fato de não ver a quantidade de likes que outras pessoas recebem me influencia a curtir o conteúdo? Acredito que a maior mudança aí possa ser comportamental. O maior alcance se dá efetivamente por um maior engajamento, e aí nessa equação entram comentários, reações, envios, compartilhamentos...O like seria apenas uma das incógnitas na equação, a incógnita mais facilmente manipulável. Existem diversas formas de se conseguir mais likes em uma determinada foto, com tags, com impulsionamentos. A curtida sozinha não é responsável pelo maior alcance. Às vezes você pode conseguir muitos likes, mas ter um baixo engajamento.

Muita gente já alertava que os likes não eram sinônimo de engajamento, e também tinha aquilo de comprar likes e seguidores...Você diz que os likes são a incógnita mais facilmente manipulável (e aí acho que manipulável tanto pelo Instagram quanto pelos próprios usuários). Enquanto pesquisadora e social media, quais caminhos você vê para um conteúdo ser considerado relevante nessas plataformas - já que todas elas parecem estar abandonando o like?

Allana Gama - Bom, considerando que a adesão das pessoas ao Instagram está aumentando, e considerando o funcionamento do algoritmo, que está deixando cada vez mais as pessoas em suas bolhas e nichos específicos, eu acredito, de um modo geral, que o conteúdo relevante seja um conteúdo muito mais direcionado a um nicho específico, de uma forma muito mais próxima e transparente. O Instagram é uma plataforma visual, então exibir (o que quer que seja) é necessário para se manter relevante. Mas o formato como esse conteúdo é feito vai variar de acordo ao nicho com que se deseja falar. Por exemplo, existem nichos em que vídeos causam mais engajamento, outros que não, outros já funcionam mais com fotos com mensagens, outros não. Então a chave para pensar em um conteúdo relevante é entender e conhecer bem como funciona o nicho de interesse nesse ambiente (Instagram), entender suas linguagens específicas, os assuntos relevantes, a frequência de postagem e os formatos que mais engajam. Na medida em que você conhece o seu nicho, você entende a melhor forma de interagir. A partir de uma interação eficaz, você consegue angariar capital social dentro dele, sobre os assuntos que pra ele são relevantes.

Você acredita que esse é realmente um caminho para as redes se tornarem menos tóxicas? E, por fim, você acha que é mesmo essa a preocupação dessas empresas?

Allana Gama -  Acredito que as redes sociais digitais podem ser ambientes tóxicos, assim como podem ser ambientes super construtivos e saudáveis. O fator que vai torná-las uma coisa ou outra são as pessoas presentes, como qualquer outro ambiente. As pessoas se queixam de competitividade, egocentrismo e narcisismo, mas isso não nasceu com o Instagram, ele é apenas mais um ambiente onde esse tipo é propagado. É nele também que movimentos contrários a essas coisas também se fortalecem. Acredito que a plataforma se tornou um reflexo de diversos problemas sociais que estão aí desde que o mundo é mundo. Às vezes pode ser mais fácil culpar a tecnologia do que entender que o problema é muito mais profundo e antigo. Sobre a preocupação das empresas, a justificativa do Facebook para ocultar o número de likes foi tentar fazer do Instagram um lugar "menos tóxico", "competitivo" e afins. Bom, eu acredito que essa atualização tenha dois pontos. O primeiro seria tornar o like um dado mais específico. A gente sabe que essas plataformas vivem e ganham muito dinheiro por conta dos dados que angariam de nós, os usuários. E o like no Instagram se tornou algo que é quase por osmose, além de ser facilmente manipulável. Então os likes que você dá, acabam não dizendo muito sobre você em rede. Talvez se ele for ocultado você preste mais atenção e passe a curtir coisas mais específicas e aí diga mais sobre quem é você.  O segundo ponto é sobre a responsabilidade dessas plataformas. De uns anos pra cá a empresa Facebook vem enfrentando vários problemas jurídicos sobre seu funcionamento e sobre a responsabilidade que tem no comportamento das pessoas. Talvez propor atualizações com a desculpa de "tornar o ambiente mais saudável" seja um mea culpa, uma forma de mostrar que eles estão pensando no nosso bem estar, uma forma de "limpar a barra".

Quais as principais mudanças que o usuário comum poderá perceber no uso diário da plataforma após essa decisão de se ocultar os likes?

Marcel Ayres - Não é possível mapear agora os desdobramentos que irão ocorrer a partir dessa decisão, mas algo que acredito é que haverá uma diminuição no comportamento de impulso (ou de manada) dos usuários em curtir as publicações a partir do seu número de likes. Ou seja, os usuários, em tese, não serão levados a curtir um post devido o número de likes que ele possui (uma vez que não estará mais aparente), mas, sim, se o conteúdo daquele post foi atrativo e relevante o suficiente para engajá-lo. O que acredito que vai mudar com a retirada dos likes é o comportamento influenciado por big numbers. Nossa atenção é seletiva, uma vez que o Facebook tira os números dos likes dos posts do Instagram, ele está agenciando, em certo grau, o foco da atenção dos usuários para os conteúdos. Isso trará sim, ao meu ver, impactos no modo como percebemos os conteúdos, nos engajamos com eles e, consequentemente, o modo como os algoritmos entendem esses comportamentos e o que eles nos mostram na timeline. Os usuários vão continuar utilizando outros dados para mensurar a relevância de um influenciador, como por exemplo o tamanho da audiência, volume de comentários nos posts ou  mesmo o teor dos comentários.

Há mudança nos algoritmos a partir disso? Quais são as implicações estruturais? Ou vai ser algo comportamental que pode afetar a estrutura? Marcel Ayres - Acredito, sim, que esta mudança técnica deve criar condicionantes para novos comportamentos e apropriações dos usuários. Logo, aqueles que realmente se interessam em mensurar o volume de likes deve buscar a conta comercial como uma forma de acesso, contudo, não sabemos como o Facebook vai, e se vai, limitar este tipo de conta. Fora isso, uma vez que o comportamento de curtir uma postagem pode mudar, com a diminuição da “comportamento de impulso baseado no número de likes”, acredito que isso deva, sim, afetar o modo como o algoritmo “entende” o que gostamos ou não no Instagram com desdobramentos no que visualizamos ou não na timeline. Como disse antes, esses desdobramentos são difíceis de se mapear agora - é necessário mais tempo para compreender quais serão os  efeitos destas mudanças. 

Os conteúdos podem passar a ser mais variados e "naturais"?  Marcel Ayres - Acho que, independente dos likes, todos os usuários buscam gerenciar uma imagem perante sua platéia adaptando sua performance ao cenário. No caso do Snapchat, sua configuração levou a determinados tipos de comportamentos sociais que reforçaram e, com o tempo, moldaram a plataforma. O mesmo deve ocorrer agora com o Instagram. A questão é que os likes faziam parte do modo como percebemos e nos comportamos em relação a outros usuários dentro do Instagram e vice e versa. Agora que estes likes não estarão aparentes, acredito que os usuários busquem alternativas, desvios para contornar essa alteração técnica. Contudo, como disse também, é difícil afirmar que comportamentos serão estes neste momento.

Você acredita que esse é realmente um caminho para as redes se tornarem menos tóxicas? Marcel Ayres - Difícil afirmar isso agora. Por enquanto, devemos observar e investigar os desdobramentos que ocorrerão a partir da adoção desta mudança na plataforma. Os usuários sempre buscam uma forma de burlar as limitações técnicas de qualquer meio que utilize para comunicar e interagir socialmente. Com isso, estou curioso para saber quais serão as estratégias  utilizadas pelos usuários para contornar o fato de não ter mais o número de likes de forma pública no post. 

E, por fim, você acha que é mesmo essa a preocupação dessas empresas?

Marcel Ayres - Sim e não. Acho que eles precisam que os usuários se sintam bem usando seu produto. O Facebook compreendeu que suas plataformas estão moldando comportamentos e vice e versa, os usuários também moldam estas plataformas. Com isso, acredito que a decisão não baseada apenas em um interesse no “cliente” (o usuário), ela está imersa em interesses econômicos, políticos e sociais que tensionam a sobrevivência do Facebook na atualidade.