Raulzito continua vivo por onde passou 20 anos após sua morte

Um livro, um filme e uma canção inédita evocam talento do cantor

Publicado em 20 de agosto de 2009 às 09:47

- Atualizado há 10 meses

As crianças não sabem disso, mas a creche na Rua Rio Itapicuru, no bairro de Monte Serrat, já foi palco de muitas travessuras há mais de 60 anos. Lá viveu um certo Raul Santos Seixas, garoto bom de inglês, fã de Elvis Presley e que semeava o rock pela vizinhança.

 

Raul Seixas partiu há 20 anos, mas continua muito vivoFoto: Divulgação / Paulo Ricardo Botafogo

Na sexta-feira (21), faz 20 anos da morte do maior roqueiro que a Bahia já teve: Raul Seixas (1945-1989). E, em toda Salvador (a que existia na juventude dele, com 500 mil habitantes), prédios e casas guardam memórias do maluco beleza que se transformou num dos mitos do BRock.

O amigo Thildo Gama, alguns dias mais velho do que ele, relembra o que Raul gostava de fazer naquela época: “Ele era apaixonado por cinema. Entrava às 14h e só saía às 22h”. Os cinemas eram o Aliança, Popular, Jandaia, Glória, Pax e Guarany. Salas antigas, comuns na bucólica cidade da Bahia dos anos 60.

Raulzito nasceu num casarão na Avenida Sete de Setembro, onde ficou dois meses. Depois, foi para a casa da família em Monte Serrat. Os Seixas ainda tinham um reduto em Dias d’Ávila, onde o futuro ídolo se divertia nas águas do Rio Imbassaí.

 

Casa da infância de Raul, em Monte Serrat, virou crecheFoto: Angeluci Figueredo

No Colégio Ipiranga, na Ladeira do Sodré, Thildo e Raul estudaram juntos. E o maluco beleza dava um trabalho danado. Repetiu a segunda série do ginásio seis vezes. “Ele era bom de inglês, mas não tinha saco para ficar ouvindo professor. Filava aula e ia para minha casa”, conta Thildo.

De acordo com ele, só o visual era de bad boy. O roqueiro era cheio de medos: multidão, policiais, brigas, doenças... Uma gripezinha e ele já estava na cama, debaixo de lençóis.

Brega

Raul começou na música muito cedo, aos 10/11 anos. Com Thildo e Enelmar Chagas, formou os Relâmpagos do Rock, a primeira banda. Naquela época, o roqueiro já morava no Edifício Nossa Senhora das Graças.

Anos mais tarde, vieram Os Panteras. A concentração da turma era na Praça da Piedade. De lá, podia-se ir a bares como o Anjo Azul, no qual ele se sentia à vontade, ou o Good Neighbour Club, no Corredor da Vitória, onde hoje funciona a Acbeu. Outro ponto era a boate Monte Carlo, na Praça da Sé. “Ele gostava de ir para o brega, encontrar com as graxeiras. Elas, sim, gostavam de rock”, revela Thildo, que guarda a mágoa pelo fato de o amigo não ter sido devidamente reconhecido por aqui quando vivo.

Um dos pontos mais festejados da época era o Cine Roma. Lá, nos Panteras, Raul tocou como banda de apoio para o jovem Roberto Carlos, já sensação no país inteiro.

 

Cine Roma, em 1198, já em estado de degradação. O local foi muito frequentado pela juventude baiana dos anos 60. Raul era um daqueles jovens loucos pelo rock. No mesmo espaço, ele se apresentou várias vezes e acompanhou Roberto CarlosFoto: Arquivo

Após a morte do mito, os fãs tentaram transformar o local no Espaço Cultural Raul Seixas, mas não conseguiram. Independentemente disso, os vestígios do ídolo continuam na cidade, em meio à falta de um maior cuidado com a cultura rocker, algo que não mudou nesses 20 anos sem Raul.

Livro conecta Raul à filosofia

Tudo começou como um trabalho de conclusão de curso de psicologia. Mas o assunto se tornou tão interessante que ganhou novos contornos e virou livro. Escrito por Mário Lucena, Laura Kohan e Igor Zinza, Raul Seixas - Metamorfose ambulante traz uma nova visão sobre o pensamento e o processo de composição do mito.

 

Livro conecta Raul à filosofia

“A morte está muito presente em analogias nos textos de Raul. Eles contêm sacadas de grandes pensadores”, revela Sylvio Passos, 52, fundador do maior fã-clube do roqueiro e coordenador da publicação. Ele ajudou a tornar o livro mais acessível: “É uma ferramenta para conhecer mais a essência de Raul”.

O livro estabelece conexão do pensamento de Raul com o alemão Schopenhauer (1788-1860), como o conceito de ‘trem’, palavra usada em músicas do cantor como Trem das sete e A hora do trempassar.

Além dele, de acordo com o livro, o baiano baseou-se em Sartre, Pitágoras e Crowley para escrever suas letras (boa parte feita em parceria com Paulo Coelho).

Música inédita do mito roqueiro é resgatada

Mesmo 20 anos depois da sua morte, os fãs de Raul Seixas ainda são surpreendidos. Numkit especial que chega às lojas na próxima semana, o produtor carioca Marco Mazzola, 59, resgatou uma gravação inédita feita pelo cantor em 1974. “Ele e Paulo Coelho escreveram a letra para uma novela da Globo, O rebu”, lembra.

Kit traz música inédita

Mazzola pediu a Raul para gravar uma demo de Gospel em cassete e a música acabou sendo censurada pelo regime militar. Com o uso de novas tecnologias de áudio, o produtor refez a melodia e deu maior qualidade à voz de Raulzito. O guitarrista Roberto Frejat, inclusive, participou do projeto. “É um trabalho de persistência que venho fazendo desde 1998”, revela Mazzola. O kit traz CD com canções gravadas por Raul em inglês e um DVD com vídeos especiais.

Documentário chega aos cinemas no início de 2010

O documentário Raul - O início, o fim e o meio, dirigido por Walter Carvalho e Evaldo Mocarzel, está previsto para chegar aos cinemas em janeiro. Quem faz a previsão é Sylvio Passos, que participou de toda a produção como consultor.

“Já está com as gravações 95% acabadas. A gente fazia uma previsão para novembro ou dezembro, mas ele deve mesmo chegar só no começo do ano que vem”, afirma.

O filme terá depoimentos das principais figuras que conviveram com Raulzito, como o escritor Paulo Coelho, o amigo Thildo Gama, as ex-mulheres, as filhas e os antigos companheiros de banda.

Sylvio Passos garante que haverá uma première com toda a pompa merecida nas principais capitais do país. No segundo semestre de 2010, o DVD de Raul - O início, o fim e o meio trará como extras um outro disco de bônus, com imagens 100% inéditas.

(notícia publicada na edição impressa do dia 20/08/2009 do CORREIO)