Reconstituição das mortes de Marielle e Anderson dura mais de cinco horas

Ruas foram fechadas no bairro do Estácio e sequências de disparos foram efetuadas

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  • Da Redação

Publicado em 11 de maio de 2018 às 07:00

- Atualizado há um ano

A reconstituição dos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes durou cinco horas, durante a madrugada desta sexta-feira (11). O trabalho foi realizado no bairro do Estácio, que teve várias ruas bloqueadas ao trânsito de veículos e pessoas. 

O local foi isolado por uma barreira alta de lona preta, a fim de que ninguém tenha acesso visual à reconstituição. O principal motivo é dar segurança a quatro testemunhas. 

Durante a reconstituição foram usadas armas e munições de verdade. Sacos de areia foram dispostos para conter os disparos. O objetivo foi tentar que as quatro testemunhas que ouviram os tiros (entre elas pessoas que estavam no local na hora do crime e a assessora que viajava ao lado de Marielle, no banco de trás, e sobreviveu ao ataque) consigam reconhecer os tipos de disparos.  (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil) O som de uma rajada de tiros, por exemplo, pode confirmar o uso de uma submetralhadora. O modelo da arma, a distância do assassino e o ângulo em que os tiros foram disparados são algumas das informações que os policiais da Divisão de Homicídios pretendem obter. Ao todo, foram quatro sequências de disparos. Antes os tiros, um sinal sonoro era emitido para alertar.

Um Gol branco foi levado ao local pela Polícia Civil para se passar pelo veículo em que Marielle estava no momento da execução. Os investigadores vão reproduzir o percurso feito por Marielle, desde a chegada dela à Casa das Pretas, na Lapa, até o local onde foi morta, no dia 14 de março.

Investigados O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, confirmou ontem que o vereador Marcello Siciliano (PHS), o ex-PM Orlando de Araújo, que está preso acusado de chefiar uma milícia, além de um outro policial estão entre os investigados pelo assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, em 14 de março. O ministro disse, no entanto, que eles não são os únicos investigados.

A entrevista foi concedida em Brasília, após reunião da Câmara Intersetorial de Prevenção Social e Segurança Pública. “Eu disse lá atrás que tudo apontava para as milícias”, lembrou ao ser perguntado se as três pessoas estavam sendo investigadas, como havia sido apontado pelo jornal O Globo. “Não estou dizendo que são esses três especificamente. O que posso dizer é que esses e outros são investigados e que a investigação do caso Marielle está chegando a sua etapa final. Acredito que, em breve, nós devemos ter os resultados”, disse o ministro.Araújo redigiu anteontem uma carta de dentro da cadeia negando participação no caso (leia mais na página  15). No texto, ele também afirmou não ter envolvimento com a milícia que atua na Zona Oeste da cidade do Rio.  Anteontem, o vereador Siciliano também havia rebatido as suspeitas. 

“Quero expressar minha indignação como ser humano. Estou perplexo. Minha relação com a Marielle era muito boa. Ela sentava na minha frente, a gente conversava muito, se abraçava, se beijava. Nunca teve conflitos políticos. Ela participou da minha festa de aniversário”, disse Siciliano durante entrevista coletiva que ele mesmo convocou, no auditório de um prédio no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio.

Suspeitas  A denúncia da testemunha, publicada pelo jornal O Globo, aponta que Marcello Siciliano se reuniu, no ano passado, em um restaurante, no Recreio, com Orlando Araújo, no qual teria dito sobre Marielle: “Precisamos resolver isso logo”. Araújo foi apontado como chefe de uma milícia em Curicica, na Zona Oeste, e teria negócios com Siciliano na região. O ex-PM era ligado ao jogo do bicho e depois se associou à milícia, segundo investigações do Ministério Público.

Siciliano é empresário da área de construção civil e tem como reduto eleitoral Vargem Grande e Vargem Pequena, nesta mesma área da cidade. A milícia vem avançando nos últimos anos nos dois bairros, extorquindo moradores e comerciantes e construindo edifícios para aluguel, segundo investigações do MP carioca. A área enfrenta crescimento populacional, já foi considerada “neutra” - sem dominação de traficantes - e acabou sendo “encampada” por milicianos. 

A testemunha contou que foi coagida a trabalhar com Araújo. Disse que o vereador e o miliciano se encontraram quatro vezes. Numa das ocasiões, Marielle teria sido chamada por Siciliano de “piranha do Freixo”, alusão ao deputado Marcelo Freixo (PSOL), com quem a vereadora trabalhou por dez anos na Assembleia Legislativa do Rio, inclusive durante a CPI das Milícias, antes de se eleger em 2016.

O assassinato da vereadora teria como motivação suas ações em favelas da Zona Oeste, área de domínio de uma milícia, segundo a testemunha. Ela se opôs a construções na Cidade de Deus, favela da Zona Oeste, o que teria desagradado milicianos.

Ameaças O ex-PM Orlando  Araújo, preso desde outubro do ano passado, foi transferido de unidade prisional anteontem, informou seu advogado, Renato Darlan. A medida da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) foi considerada “estranha” pela defesa, por ter sido tomada no mesmo dia em que veio à tona a denúncia da testemunha - esta, segundo Araújo, um PM da ativa, lotado no 15º Batalhão. Orlando cumpria pena em Bangu 9 e foi transferido para Bangu 1.

A secretaria não divulgou informações sobre a transferência. “A Seap informa que não irá comentar nada que tenha relação com investigação do homicídio da vereadora Marielle e do motorista Anderson. Mais informações não são divulgadas por questões de segurança”, limitou-se a responder o órgão, em nota. O advogado informou que também não está recebendo esclarecimentos sobre a mudança.

Darlan, no entanto, disse que Araújo sofreu uma tentativa de envenenamento há pouco mais de um mês dentro de Bangu 9. Desde então, deixou de se alimentar com a comida do presídio. Passou a ingerir apenas alimentos levados por sua família durante as visitas. “Agora, em Bangu 1, é mais rígido, por ser de segurança máxima. A pessoa entra e fica de castigo”, disse o advogado.