Regina Casé: 'É uma conquista mulheres da minha idade serem protagonistas'

Atriz se consagra como Lurdes em Amor de Mãe e fala sobre inspiração das mulheres baianas; novela encerra 1ª fase neste sábado (21)

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  • Da Redação

Publicado em 21 de março de 2020 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Artur Meninea/Gshow

Desde que foi anunciado que Regina Casé protagonizaria a novela das 21h e daria vida a uma empregada doméstica, a pergunta tem se repetido: "De novo? Mas ela só faz papel de pobre?". De início, o questionamento irritou a atriz, que vez em sempre fazia questão de frisar o quanto de preconceito havia embutido ali. Afinal, quantas atrizes só fizeram madames e grã-finas, e nunca ninguém disse que ia ficar igual?

Quatro meses depois de estar no ar como a mãe de Magno, Érica, Ryan, Camila e Domênico, Regina Casé acredita que Lurdes cumpriu sua missão: quebrou barreiras e chegou em todos os corações. "É uma felicidade imensa ser um instrumento de amor em tempos tão difíceis", afirma.

Na noite de hoje, chega ao fim a primeira fase da novela, que teve as gravações suspensas por conta do coronavírus. A pandemia também fez com que fosse suspensa a estreia de Três Verões, filme que rendeu a ela o prêmio de Melhor Atriz no Festival do Rio 2019 e no qual ela também interpretou uma empregada doméstica, a Madá. "Eu acho que dá para ver como eu amo essa gente, porque só com muito amor é que você pode observar tantos detalhes", comenta.

Na entrevista a seguir, ela fala sobre como constrói seus personagens, e destaca a importância da Bahia em todo o processo. "Eu devo isso muito à Bahia, viu? Eu digo que para Bahia eu vou até para tomar injeção na testa!", brinca.

O sucesso do seu personagem em Amor de Mãe é enorme. Como foi o processo de construção?

Regina - Eu sempre digo que a Lurdes não é uma, não é dez, não é 100, não é mil. A Lurdes tem vários tios meus, tem meu avô, tem homens, tem mulheres, tem crianças, tem mocinha, são pessoas corajosas que fazem um milagre por dia no Brasil. Muitas reunidas. E eu fico feliz que a vida tenha me dado essa oportunidade, pelo meu trabalho e pela minha família, que é nordestina. O meu avô é de Belo Jardim, e minha família é de Caruaru. Por parte de mãe de Penedo, em Alagoas. Eu sou carioca, vivi a vida inteira em Copacabana. Mas eu tinha tudo isso guardado em mim, e ia ser muito triste se eu não tivesse a chance, como eu estou tendo agora, maravilhosa, de botar para fora todos esses gestos, trejeitos, expressões, olhares amorosos, toda essa inteligência nordestina, todo esse carinho. E eu digo nordestina, mas poderia ser de qualquer lugar do Brasil. Foram anos viajando pelo Brasil mais profundo. E eu vi Dona Lurdes em tudo quanto é canto: Norte, Sul, Leste, Oeste."A Lurdes são todas pessoas corajosas que fazem um milagre por dia no Brasil" Lurdes, em cena de Amor de Mãe (Foto: João Cotta/ Globo) Um dos aspectos que causam identificação do personagem com o público é o figurino, por exemplo. Dá para separar o quanto você trouxe para a personagem e o quanto é o trabalho da equipe?

Regina - O trabalho da equipe da novela é maravilhoso, cuidadosíssimo. A Marie Salles, figurinista, e sua equipe são incríveis. A gente entendeu logo no início que a Lurdes não tinha roupa comprada em loja. Que ela comprava um corte e levava na costureira. E tem algumas contribuições minhas, que eu fico muito feliz. Essa toalhinha, por exemplo, ela me acompanha em muitos personagens. Só que na Lurdes, como é uma coisa diária e muito presente, ela ficou uma estrela até maior do que a Lurdes (risos). E cada toalhinha com uma mensagem diferente. Eu acho que ela simboliza o suor, o trabalho, a emoção. Isso vai desde uma trabalhadora brasileira, até uma zungueira na África. E todas as mulheres que trabalham em todos os mercados e feiras aí da Bahia, que eu tanto admiro, que eu respeito tanto, que eu tanto observo. Eu acho que dá para ver como eu amo essa gente, porque só com muito amor é que você pode observar tantos detalhes. Por exemplo, a toalhinha no filme ‘Três Verões’, onde eu faço uma outra mulher, também danada e arretada, que é a Madá. Ela é carioca e não sai sem a sua toalhinha. Porque ela rala para caramba. É o mesmo caso. A bolsa da Lurdes, por exemplo, o figurino trouxe, mas o fato de não largar dela, ter medo de ser assaltada, andar com ela atravessada.... É a mulher que anda de trem, que anda de ônibus, que anda de metrô em lugar cheio com muita gente. E que também precisa estar com as duas mãos livres, porque está sempre muito ocupada. Então, tem uma parte que vem de mim, outra parte do figurino."Eu acho que dá para ver como eu amo essa gente, porque só com muito amor é que você pode observar tantos detalhes".Você ficou com medo que os personagens ficassem parecidos, ou desde o início teve certeza de que seriam pessoas totalmente diferentes? Regina - Eu tinha certeza de que seriam personagens totalmente diferentes, pois mesmo que você pegue dez mulheres da mesma cidade pequenininha no interior da Bahia, ainda assim, as dez vão ser completamente diferentes. E isso é fruto de um preconceito de achar que mulheres ricas são indivíduos, e mulheres pobres são uma massa que tá ali para trabalhar, para servir. Eu tinha certeza disso, mas admito que eu tinha um temor. Discuti muito com o diretor José Villamarim, com a autora Manuela Dias e com o Silvio de Abreu, que coordena a coisa toda das novelas dizendo: Será que a gente coloca sotaque? Ou será que por causa do sotaque vão dizer que ela parece com a Val? Que ela parece com isso, ou com aquilo. E todos eles disseram: Regina, quantas milhões de mulheres têm esse sotaque e são completamente diferentes. Então, eu me senti muito segura. Regina Casé como Madá no filme Três Verões, que chega aos cinemas nesta quinta (19) Lurdes é protagonista apesar de ser nordestina, pobre e ter meia idade, algo que não víamos até pouco tempo. Como você enxerga a ascensão dessas narrativas?

Regina - Eu acho que o caminho ainda é longo pela frente, mas muitas conquistas como, por exemplo, uma presença muito maior de negros no elenco em personagens que normalmente a gente não vê. Mulheres da minha idade serem protagonistas. E mesmo a força.... Se você reparar a força das personagens femininas, tudo isso tem a ver com o que está acontecendo no mundo. Com o empoderamento de todas essas pessoas. E eu devo muito isso à Bahia, viu? Porque desde os anos setenta eu passo pelo menos um mês do meu ano na Bahia – quando eu posso eu passo dois, três.... Porque eu digo que para Bahia eu vou até para tomar injeção na testa! Lá, quantas vezes eu vi mulheres dessa idade, pobres, negras e trabalhadoras com uma altivez, com uma segurança e se impondo e se colocando. Nossa! Como eu aprendi com elas."Eu devo isso muito à Bahia, viu? Eu digo que para Bahia eu vou até para tomar injeção na testa!"Você já passou pela experiência de gestar e de adotar filhos. Na novela você é mãe de cinco filhos cada um despertando diferentes aspectos da maternidade, inclusive descobre uma relação especial com o Sandro, e descobre que não é seu filho biológico. Para você, que amor de mãe é esse?

Regina - Mais uma vez eu agradeço a minha vida por ter me dado chance de viver coisas tão diferentes, em épocas tão diferentes da minha vida. Quando é que eu ia imaginar que eu ia ser mãe a uma altura dessa. E a alegria e o prazer que é ter vivido essas duas experiências como mãe. Hoje em dia eu fico vendo como atriz e representando, vejo como isso me engrandeceu, como isso me fez melhor. Por mais que eu achasse que eu podia imaginar que eu ia fazer um laboratório para ver como era. Nossa! A minha vivência sendo mãe da Benedita e do Roque me ajuda o tempo todo na composição da personagem e na alegria que eu sinto, nas tristezas que eu sinto, nos medos que eu sinto como Dona Lurdes.

Apesar de todo o drama, Lurdes protagoniza muitas cenas de humor na novela. O que acha desse tipo de alivio cômico muito presente na novela com o seu personagem?

Regina - Ah! Eu briguei muito por isso. Eu acho que, injustamente, as pessoas valorizam mais o drama do que a comédia. Mas eu vou contar uma coisa, eu acho que para um ator fazer comédia, ter o tempo certinho, principalmente quando não é no teatro que você está ali ouvindo a gargalhada, e pegar e dar uma rasteira em quem está em casa sentado no sofá. Eu dou muito mais valor. Eu acho muito mais difícil, e sempre prezei o humor, sempre achei que a alegria é a prova dos nove. Sempre achei que o inferno é um lugar onde não tem alegria. E acho que com o tempo depois, de todo mundo ter se sentido seguro, mesmo o espectador, mesmo eu me sentindo segura que a Lurdes já existia como pessoa, já existia como personagem, que todo mundo podia ver a Regina Casé que é engraçada, ou a Regina Casé do “Esquenta”. Eu, ali como Lurdes, vivi cenas trágicas na prisão, no hospital, tiro, facada. Eu vivi tudo aquilo tão intensamente que eu acho que eu ganhei uma alforria, ‘Pronto agora pode relaxar, e quando quiser, pode fazer a gente dar risada’.

Você acompanha os memes? Se diverte com isso?

Regina - Eu tento acompanhar o máximo possível. Mas a gente grava todo dia até nove da noite, então, às vezes eu vejo no carro, no celular. Mas o que eu gosto mesmo é de ver junto com o Twitter, porque os comentários são rápidos, é impressionante. Eu me divirto muito e ao mesmo tempo me emociono com tanto reconhecimento, com tanto retorno. Tem sido lindo!

Qual cena que mais lhe emocionou até agora, seja gravando ou assistindo?

Regina - Nossa, é difícil escolher. Toda vez que vem uma cena como a formatura da Camila, eu fico pensando: ‘Ah! Não vai ter outra cena mais emocionante na novela’. Mas aí vem outra, outra... A Manuela Dias, nossa autora, ela é danada, é uma mulher jovem, mãe e nordestina que tem um repertório tanto de erudição, porque ela tem citações um tanto sofisticadas e surpreendentes, quanto um diálogo muito fácil, fluido e coloquial. E eu acho que ela tem conseguido trazer assuntos e relações que eu ainda não tinha visto na TV. E eu falo: ‘não acredito que vai ter essa cena’ quando eu leio. E é bacana, eu fico esperando a hora de fazer a cena. Muitas cenas eu achei que eram a mais emocionante, mas essa entrevista está sendo feita no dia seguinte em que foi ao ar uma cena que fiz com o Chay Suede em que ele está chorando horrores, dizendo que ele não queria ser filho daquela mulher que a Thelma apresenta como a mãe dele biológica. E foi um encontro muito forte que tivemos como atores e que eu acho que emocionou muita gente.

Regina Casé e Jéssica Ellen em emocionante cena do primeiro capítulo de Amor de Mãe (Foto: Isabella Pinheiro) A gente sabe que você faz questão de vir à Bahia no Verão, mas como foi esse ano com tanto trabalho? 

Regina - Eu só não passei o verão na Bahia no “Que horas ela volta? ’’ e agora com “Amor de Mãe”. Graças a Deus o “Três Verões foi filmado no inverno, porque quando eu não passo pelo menos o verão na Bahia, parece que o meu ano não começa, não dá certo, que eu não me realimento, que eu não me abasteço. Eu vivo muito da Bahia e do que ela me dá espiritualmente, musicalmente, artisticamente. Eu sou muito feliz na Bahia. Eu amo demais a Bahia. Tanto é que eu ganhei cidadania soteropolitana, porque eu, realmente, me sinto uma pessoa da Bahia, de Salvador. E já tive até um convite para trabalhar no ano que vem, e eu vou dizer a verdade, eu não vou porque eu não aguento dois anos seguidos sem passar o verão na Bahia.

Quando terminar Amor de Mãe você pretende voltar a Salvador com o Recital da Onça?

Regina - Bom, o Recital da Onça, se fosse um bebê, ele teria sido concebido e teria nascido baiano. Então, agora eu penso em viajar para outras cidades que ainda não o conhecem. Mas quem sabe no verão que vem eu não leve para a Bahia.