Registro de crimes contra idosos cresce 22,4% em um ano; veja os mais comuns

Só este ano são 1.654 ocorrências; abuso financeiro é recorrente

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  • Priscila Natividade

Publicado em 3 de novembro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/ CORREIO

O número de ocorrências presenciais registradas pela Delegacia Especial de Atendimento ao Idoso (Deati) cresceu 22,4%, na comparação entre os meses de janeiro a setembro de 2017 e 2018. Foram 1.351 ocorrências contra 1.654 registros no período. 

Outro dado que chama atenção é que a maioria destes casos contra idosos não foram relativos a maus-tratos físicos ou psicológicos. Este é só o segundo principal motivo. A maior quantidade de registros diz respeito a crimes de abuso financeiro, entre eles a apropriação indébita.

Do total dos últimos nove meses, 370 ocorrências ferem em sua natureza jurídica o Estatuto do Idoso, seguido por ameaças com 301 registros, estelionato (249), injúria (112) e violência contra a mulher idosa (112). Ainda de acordo com dados levantados pela Deati, as maiores vítimas são do sexo feminino.“Apesar de um não estar muito distante do outro, o volume de crimes de abuso financeiro cresceu muito. Em virtude da questão social e do desemprego, muitos idosos passaram a ser provedores da família e aí tem sido grande a recorrência de casos como o de contratação de empréstimo consignado, por exemplo, sem a autorização do idoso, muitas vezes por alguém dentro da sua própria casa”, destaca a delegada titular da Deati, Laura Argôllo Campos.O idoso agredido tem entre 70 e 90 anos de idade. Quanto ao perfil dos agressores, em geral são pessoas com idade entre 18 e 50 anos, a maioria do sexo masculino, muitas vezes os filhos próprios ou parentes próximos, como genros, noras, sobrinhos ou as cuidadoras.

Segundo a delegada, quanto aos casos de abuso financeiro, os golpes envolvendo cartão de crédito também têm sido frequentes. No mais recente deles, alguém liga para o idoso se identificando como funcionário do banco. Fornece, inclusive, número do crachá e identidade e então comunica a vítima que o seu cartão foi clonado. “Ele orienta que o idoso escreva uma carta de próprio punho para fazer o bloqueio e colocá-la dentro de um envelope, com o cartão quebrado que um suposto funcionário irá fazer a coleta na casa da vítima. O fraudador aparece disfarçado de funcionário e aí leva a carta com todos os dados do cartão. Horas depois o cartão está estourando na praça”, relata. Laura pede que o idoso desconfie de qualquer ajuda muito espontânea de terceiros e pede que nunca forneça seus dados. “Os idosos são vítimas extremamente vulneráveis. Têm ocorrido muitos casos deste tipo aqui na delegacia e eu sempre aconselho a mesma coisa: fiquem atentos a qualquer atitude que pareça estranha por mais que alguém se identifique como um funcionário do banco”. 

De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos, em 2017, o Disque 100 recebeu 33.133 denúncias e 68.870 violações contra direitos de idosos. Nas denúncias de violações, 76,84% envolvem negligência, 56,47%, violência psicológica, e 42,82%, abuso financeiro e econômico. A maior parte dos casos, 76,3%, ocorre na casa da própria vítima.

Direito no papel A proteção contra crimes financeiros de apropriação, desvio de bens, pensão ou qualquer outro rendimento é um dos direitos assegurados pelo Estatuto do Idoso, que completou 15 anos em outubro.

A pena vai de um a quatro anos de reclusão e multa. Ainda que em 15 anos, muita coisa tenha sido garantida a quem está na 'terceira idade', o cenário comprova que apesar dos avanços ainda falta muito para consolidar estas leis. 

A avaliação é do diretor jurídico do Instituto de Estudos Previdenciários (Ieprev), Thiago de Araújo. “O Estatuto do Idoso representa ainda hoje aquilo que representava quando da sua publicação, um instrumento bastante progressista na proteção dos idosos. Desde a sua criação até hoje, contudo, carece de efetividade no cumprimento e fiscalização das suas propostas pelo Poder Público”, diz.

O direito ao desconto de 50% a quem tem mais de 60 anos nos eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer, a fila exclusiva no supermercado, cotas em programas habitacionais, vagas reservadas no estacionamento e mais o lugar garantido por lei no transporte público são só alguns dos avanços que vieram com o estatuto. Porém, para Araújo, um dos principais problemas que a lei ainda enfrenta está na prioridade na tramitação dos processos judiciais. Recentemente, o documento sofreu uma alteração que prevê a preferência especial aos idosos com 80 anos ou mais. “Este é um dos pontos que a lei precisa melhorar muito. Infelizmente, a prioridade na tramitação dos processos judiciais não vem funcionando muito bem. Ocorre que, na Justiça Federal, por exemplo, a maioria dos processos em tramitação são de pessoas com prioridade de tramitação, principalmente idosos ou portadores de doenças graves. Em um sistema no qual (quase) todos tem preferência, (quase) ninguém acaba tendo a preferência”.

O presidente da Asaprev (Casa do Aposentado), Marcos Barroso, reconhece também a importância do Estatuto que, pela primeira vez, tornou crime a negligência, discriminação, violência de diferentes tipos, inclusive a financeira, e atos de crueldade e opressão contra o idoso. “A vitória, sem dúvida, foi a criação do estatuto. Agora, sua efetivação em termos de benefícios é pouco consolidado. A lei precisa pegar. Não é só ter o aparo legal”. 

Criado pela Lei 10.741, em 1º de outubro de 2003, época em que o Brasil tinha 15 milhões de idosos, o estatuto regulamentou os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta às pessoas com mais de 60 anos. Para alcançar a efetivação da lei, Barroso defende a criação de um Fundo Estadual de políticas públicas para os idosos.

“É preciso criar este fundo para que os recursos possam ser empregados diretamente em políticas que favoreçam a Terceira idade. A lei ainda não foi aprovada na Bahia. Está em apreciação na Procuradoria”, defende. Atualmente, o número de brasileiros com mais de 60 anos superou os 30 milhões em 2017, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) do IBGE.

O QUE FUNCIONA NO ESTATUTO . Os idosos passaram a ter seus direitos no papel, reconhecem a importância deles. Ganharam mais visibilidade.  

. Direito ao desconto de 50% nos eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer. 

. Reserva de 3% das unidades residenciais nos programas habitacionais.

. Reserva de 5% das vagas de estacionamentos públicos e privados.

. No caso do transporte coletivo intermunicipal e interestadual, ficam reservadas duas vagas gratuitas por veículo para idosos com renda igual ou inferior a dois salários mínimos e desconto de 50% para os idosos da mesma renda que excedam essa reserva.

O QUE PRECISA SER APRIMORADO . Tramitação preferencial dos processos judiciais;

. Fiscalização de suas propostas pelo Poder Público;

. Maior proteção aos idosos de idade avançada e que necessitam de cuidados especiais.

. Maior proteção financeira também, a fim de impedir que idosos sejam enganados por golpistas ou até mesmo por instituições financeiras com empréstimos nada vantajosos. 

. Alteração na lei que garanta uma preferência ainda maior para os processos de idosos referentes a benefícios previdenciários e até mesmo uma classe preferencial de tramitação para idosos desempregados que estão pleiteando a concessão de aposentadoria. 

. Garantia de estímulo a programas de contratação de idosos que permanecem no mercado de trabalho mesmo após a aposentadoria e geração de vagas.