Resenha: La Manuela é uma das grandes descobertas do Panorama Coisa de Cinema

Documentário será exibido nesta sexta (10), às 20h10, e fala sobre um amor capaz de desestabilizar um país

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  • Da Redação

Publicado em 8 de novembro de 2017 às 16:37

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

Clara e Manuela são amigas de infância. Filhas de exiladas políticas, elas só retornam ao Brasil em 1984. Depois, as duas estudam no mesmo colégio, no Rio de Janeiro.

Já adultas, Clara passa a trabalhar com cinema no Brasil, enquanto o desejo de voar de parapente leva Manuela às montanhas do Equador. Ela começa a aprender espanhol e termina por ficar mais tempo do que havia imaginado no país. Manuela aprende espanhol, é contratada por uma Universidade e se interessa cada vez mais pela luta dos direitos humanos dos povos indígenas.

Manuela e Carlos Pérez, líder indígena, se conhecem e se apaixonam. Em certo ato contra o governo, reprimido com força pela polícia, Manuela é presa. Carlos e uma pequena multidão se aglomeram na tentativa de libertar Manuela. Ele segura um cartaz onde está escrito “Te amo, Manuela”. Carlos reitera em uma entrevista que “o grande pecado de Manuela é amar Carlos Pérez”. A paixão dos dois ganha contornos políticos desestabilizadores.

Vale dizer que o maior oponente do casal é Rafael Correa, legítimo representante da esquerda latino-americana que chegou ao poder no início dos anos 2000. O “correísmo” é inaugurado e, após sucessivas reeleições, o presidente se une aos militares contra os direitos indígenas, num sistema extrativista e neo-liberal.

O amor de Carlos por Manuela comove os equatorianos até mesmo porque há um mito fundador do país, que passa pelo romance de Bolívar com sua amante, que se chamava.... Manuela! Para muitos, a esperança por dias melhores passa pela união do casal no presente.A história retratada em “La Manuela” é notável, rara, com personagens de grande complexidade!E nós não ficaremos na superfície das reportagens de TV. A amizade e cumplicidade entre a cineasta, Clara, e a personagem, Manuela, permite que a intimidade do casal venha à tona, no filme. É possível compreender a repercussão pública ao mesmo tempo em que os vemos se beijando ardorosamente em um pequeno elevador. Temos a intimidade de um casal que vive um amor improvável, capaz de mobilizar boa parte de um país. (Foto: Divulgação) Verdade que Manuela é um personagem complexo, de difícil definição. Ela é expansiva, apaixonada e bem articulada. Manuela sorri naturalmente, mesmo quando triste. Em alguns momentos, ela parece estar deslumbrada com a repentina fama. Em outros, ela fala com genuína propriedade sobre o processo político e econômico pelo qual passa não apenas o Equador, mas toda a America Latina.

Já Carlos é retraído. Ele fala bem, mas sempre de forma reservada. Ele é carinhoso e apaixonado! É linda a cena em que Carlos chega ao aeroporto do Rio e surpreende Manuela, que está nervosa à espera do amado. Manuela é consciente da elaboração do filme. Ela está à vontade diante da amiga e da câmera. Carlos, por sua vez, se contrai, parece não gostar daquele jogo.

As situações contraditórias se sucedem com a estadia de Carlos no Rio de Janeiro. É desconcertante ver o líder indígena, que viaja com uma mala pequena e poucas roupas, abrigado em um apartamento típico de uma família da elite carioca, que pertence à mãe da Manuela. Carlos e Manuela vêem de classes sociais distintas. Há um incômodo no fato, mas também boa dose de romantismo, sobretudo pela teimosia e resistência dos dois em manter o relacionamento vivo, contra tudo e todos. Verdadeiros Romeu e Julieta, numa roupagem bastante singular.Em contraposição à intensidade romântica de cerca de dois terços do filme, os momentos derradeiros são melancólicos. A separação que parecia provisória se torna constante e a tristeza consome o casal. A ligação pelo skype possui um delay irritante. Manuela quer definir as coisas, exige um posicionamento mais firme de um companheiro que mal consegue respirar, por não saber o que fazer.

“La Manuela” é um filme único, capaz de suscitar debates os mais variados e acalorados. Para mim, trata-se de uma das grandes descobertas desse Panorama.

*Cláudio Marques é cineasta e coordenador do Panorama Coisa de CinemaServiço Competitiva Nacional II - 10 de novembro, às 20h10, no Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha - Ingressos: R$ 10 / R$ 5Filmes: The Beast, de Samantha Nell e Michael Wahrmann (Brasil/França/África do Sul) Torre, de Nádia Mangolini (SP) La Manuela, de Clara Linhart (RJ) Conversa com os diretores após a sessão. - Em Cachoeira, o filme será exibido no dia 11/11, às 17h, no Cine Theatro Cachoeirano.