Residência artística do Instituto Sacatar oferece imersão total

Desde outubro, cinco baianos produzem com exclusividade; nesta segunda (12), tem roda de conversa no Youtube

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 12 de dezembro de 2022 às 06:00

. Crédito: Marcelo Thomaz/divulgação

Ser artista é um grande desafio. Ser somente artista é uma tarefa hercúlea: via de regra, os profissionais precisam se desdobrar em outras funções para garantir seu sustento. Iniciativas como a residência artística promovida pelo Instituto Sacatar tentam reverter essa história há 21 anos. Há oito temporadas, o projeto, que funciona da Ilha de Itaparica, conta com apoio da Fundação Cultural da Bahia (Funceb), oferecendo bolsas para artistas poderem se dedicar integralmente por  dois meses  (de 24/10 a 19/12).. 

Em parceria com a Academia de Letras da Bahia (ALB) e o Instituto Sacatar, a Funceb  promove nesta segunda (12), uma roda de conversa online entre artistas da palavra selecionados na 8ª edição do edital de residência artística para escritores no Instituto Sacatar. O encontro  acontece  das 17h às 20h  no Youtube da Academia de Letras da Bahia e da Funceb.

A Roda de Conversa Artistas da Palavra e Residências Artísticas reunirá os cinco baianos selecionados nesta edição e terá como tema as pesquisas e criações construídas. Os participantes  são Bárbara Pessoa, Lucas Ribeiro, Cris Rosa, Nelson Maca e Sanara Rocha. Profissionais com trajetórias distintas,  mas que estão unidos pela força da palavra.

Na sexta-feira (16), eles apresentam seus experimentos presencialmente, das 14h às 17h, na Tarde de Estúdios Abertos que acontece na sede do Sacatar, que fica na Rua da Alegria, em Itaparica.  Além dos baianos, o evento contará com as dançarinas de Taiwan Hsiao-Ting Hsieh  e Hsiao-Wel Hsieh, residentes estrangeiras desta edição,      

Projetos da palavra

Diretora de teatro e mestra em Cultura e Sociedade pela Ufba, Sanara Rocha dedica seu trabalho à pesquisa da memória feminina no território percussivo afro-religioso.“Hoje, em muitas casas de candomblé a presença das mulheres nos tambores é considerada um tabu respaldado em diferentes textualidades sem fundamentação. Quero discutir essa questão, trazendo à luz  orikis e itans que provam que os tambores e as mulheres ancestrais africanas sempre tiveram conexão”, explica.“A residência é uma experiência pela qual todo artista merece passar. Aqui, tudo coopera para que nós simplesmente trabalhemos nossos projetos criativos. 24h por dia somos solicitados a não fazer nada além de criar e isso não tem preço”, avalia.

Outra residente, Cris Rosa é mestra em Geografia e utiliza experiências como a de sua avó para falar sobre ocupações de espaços urbanos. “É meu tema de pesquisa desde a graduação e vou recortando isso por bairros onde morei, espaços onde passo. Nessa busca, comecei a entender como a história de minha avó está atrelada à formação da região metropolitana de Salvador. Ela nasceu em Mata de São João, migrou para Camaçari no mesmo período da implantação do Polo Petroquímico”, diz.

Com a proposta Andrografias da Minha Avó, Cris traz à tona o momento em que sua avó descobriu  no terreno dos pais dela  uma nascente muito valiosa para a companhia de abastecimento de água da região em que moravam. Na escrita, ela pretende criar a primeira versão de um romance que dá corpo às investigações que tem feito nos últimos cinco anos sobre uma representação fundamentada no que possibilita o seu corpo-território se reconhecer como mulher negra e pansexual.“A ideia inicial é aproveitar essa conexão com a escrita para costurar memórias não apenas da minha avó, mas das  vidas ocultadas de tantas mulheres negras comumente tratadas com um bloco de semelhanças”, explica.Estímulo único Gerente administrativo da Sacatar, Augusto Albuquerque aponta que o instituo tem a residência artística continuada mais longeva do Brasil.“Há uma condição voltada a estimular a produção artística e intelectual dos residentes. Essa oportunidade a Funceb e o Sacatar ofereceram aos escritores”, afirma.Coordenadora de Literatura da Funceb, Karina Rabinovitz explica que as residências são uma manifestação de luta e construção para a abertura de ambientes para criação. Ela avalia que a realidade das artes na Bahia e no Brasil é muito falha, quase sempre sinônimo mais de luta do que de profissão.“Essa residência tem dois meses, não consideramos um tempo longo, mas o artista fica focado no seu processo. É diferente de passar dois meses precisando se articular com outras situações da vida para  ganhar dinheiro”, pondera. Poeta, escritor e professor de Literatura, Nelson Maca foi contemplado com a proposta Thank You, Exu, que busca ampliar uma pesquisa sobre Exu e seus desdobramentos religiosos e culturais, traçando novas informações e aprofundando outras já adquiridas. Ele avalia que a residência cria um contexto favorável para a criação e isso fez com que sentisse, rapidamente, a resposta do “poeta-performer” que o habita. Na residência, viu leituras e ideias fluindo com mais naturalidade e, dessa maneira, as primeiras linhas saíram de maneira mais tranquila.

Também residente do Instituto Sacatar, Bárbara Pessoa é mestra em Artes, dramaturga e professora de teatro. Em sua proposta, ela cria uma dramaturgia com  áudios gravados por sua mãe, antes de falecer. Já Lucas Ribeiro, bacharel em Humanidades pela Ufba,  apostou na escrita de roteiro do curta-metragem Não Sorria Para a Câmera. A ficção tem como protagonista uma mulher negra, mãe solo e policial exemplar que monitora as inúmeras câmeras espalhadas pela capital baiana.