Rica em história, Igreja de São Domingos é pouco explorada no turismo religioso

Local é ofuscado pela fama do Convento de São Francisco, a Igreja do Ouro

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 15 de fevereiro de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

No Século XIII, época em que a sociedade medieval vivia uma crise de valores, dois santos amigos, mas de ordens distintas, foram protagonistas de uma nova vivência da fé, com os votos de pobreza, obediência e castidade. Talvez por isso que, no Centro Histórico de Salvador, a Igreja de São Domingos de Gusmão, fundador da Ordem Dominicana, foi construída a apenas 140 metros de distância da Igreja de São Francisco de Assis, fundador da Ordem Franciscana. “Elas foram erguidas no século XVIII, praticamente na mesma época. A gente considera que são igrejas irmãs. Só que lá foi criada a noção de que é a Igreja do Ouro, que é a única importante. Eu sempre tento desconstruir isso. Aqui também tem ouro, tem a sua beleza”, explica Moacir Santos, funcionário da Ordem Terceira de São Domingos, que recebeu o CORREIO numa visita ao local.  Além de Moacir, acompanhou o passeio o historiador Rafael Dantas, que coordenou a obra de restauração de três sinos da Igreja, que são entregues neste sábado (15), com uma Missa às 10h. Logo depois, às 11h, pela primeira vez em 50 anos, vão tocar juntos os sinos da Catedral Basílica de Salvador e das Igrejas de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e de São Domingos de Gusmão. “Vai ser emocionante. Uma espécie de show de sinos, que vai chamar a atenção de todos que estiverem no Pelourinho”, diz Rafael.   A torre da Igreja possui uma vista privilegiada da Catedral Basílica de Salvador (Foto: Marina Silva/CORREIO) Essa é a segunda Igreja do Centro Histórico que tem os sinos restaurados pelo projeto da Secretaria do Turismo do Estado da Bahia (Setur), em parceria com a iniciativa privada. A primeira foi a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. No domingo (16), também será entregue a restauração dos sinos da Igreja do Passo. “A gente pretende restaurar também sinos de outras igrejas do Centro Histórico, como a de São Francisco, mas para isso precisamos do patrocínio”, explica Rafael.  

Para o secretário da Saltur, Fausto Franco, a iniciativa não busca apenas resgatar a tradição dos sinos, mas fomentar o turismo religioso no local: “A Igreja de São Domingos fica bem localizada no Terreiro de Jesus, em frente à Catedral Basílica. Mas todo mundo passa batido por ela. Quando a Igreja fica bem conservada, aberta ao público e tocando os sinos, a gente quer entrar nela”, aposta.    

Por Dentro 

Foi o que o CORREIO fez. A visita foi realizada na manhã desta sexta-feira (14), véspera da entrega dos sinos. Os tapumes colocados na frente da Igreja e a quantidade de pessoas que passeavam no Terreiro de Jesus anunciavam a proximidade do Carnaval. Mesmo com tanta gente explorando o Pelô, eram poucos os que se interessavam em entrar na Igreja. Em média, são apenas 80 visitantes por dia, a maioria instigada pela curiosidade de entender o que tem dentro daquele espaço, cujo cartaz na frente indica que está aberto à visitação.   O funcionário da Igreja Moacir Santos (esquerda) e o historiador Rafael Dantas (direita) acompanharam o CORREIO na visita (Foto: Marina Silva/CORREIO) A Igreja é administrada pela Ordem Terceira de São Domingos, que pela primeira vez é dirigida por uma mulher, Nancir Silva de Jesus. “Com as redes sociais, percebemos que a Igreja passou a ter mais visibilidade. Eu administro o nosso Instagram e sempre peço aos turistas para marcarem o local. E tem o marketing boca a boca. Eu tenho ouvido testemunhos de pessoas que vieram por outros terem indicados", explica Nancir.  

A Ordem mantém cinco funcionários para cuidar do espaço ou auxiliar na visitação. Ao passar pela recepção e pagar uma taxa de R$ 5, o visitante vai entrar direto na nave da Igreja - a ala central do templo religioso, onde os fiéis se reúnem para o culto - e se impressionar com a pintura de 173 metros quadrados no teto. A obra é atribuída a José Joaquim da Rocha, maior pintor do barroco brasileiro, e representa uma noção do paraíso, a vida após a morte.   O Paraíso é infinito (Foto: Marina Silva/CORREIO) Devido ao teto ter formato côncavo, a pintura foi feita em perspectiva, com desenhos que seguem as linhas diagonais, o que dá a ideia de profundidade. Em resumo: Quem olha pra cima pensa que o “paraíso” não tem fim.  

A pintura do teto também foi o que mais chamou atenção do casal de turistas Claudia Villar, do Rio de Janeiro, e Emerson Almeida, de Minas Gerais. “Essa foi a primeira vez que viemos ao local. Eu já tinha vindo no Pelourinho outras vezes, mas como estávamos com pouco tempo, decidimos entrar logo aqui”, explicaram.   Emerson Almeida e Claudia Villar visistaram a Igreja de São Domingos de Gusmão (Foto: Marina Silva/CORREIO) Em 2016, tanto a pintura como a estrutura da Igreja foram restauradas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Com a revitalização, o local passou a ter uma área para receber eventos e, devido a beleza do espaço, aumentou-se o número de casamentos realizados.  

Tour na igreja  

Andar pela estrutura da Igreja é encontrar diversos detalhes que remetem à impotência e sinuosidade do barroco, mas também à simetria e uniformidade do neoclássico. Essa mistura de estilos é possível, pois a Igreja foi construída em 1731, auge do barroco, mas foi reformada no século XIX, quando o estilo da época já era outro.   O estilo barroco se confunde com o neoclássico na Igreja (Foto: Marina Silva/CORREIO) Após a nave, o visitante pode entrar na sacristia e na Capela da Boa Morte, onde se realizavam os velórios. Antigamente, a sede do Instituto Médico Legal (IML) era no Pelourinho e, devido à proximidade, muitos velórios eram realizados no espaço.  

Hoje, a Capela funciona como uma espécie de museu, rica em imagens de santos da Ordem Dominicana, como São Martinho de Lima, São Tomás de Aquino, Santa Catarina de Sena, Santa Paula e Santa Cecília. Na parte que seria o altar da capela, chama atenção a imagem de Nossa Senhora da Boa Morte. E, no centro do espaço, a Imagem de São Domingos Gusmão carrega uma relíquia do santo, um fragmento do osso.   Um fragmento do osso de São Domingos está presente na imagem do santo (Foto: Marina Silva/CORREIO) A representação de São Domingos, por sinal, sempre é estrategicamente colocada em uma posição próxima à de São Francisco de Assis, para lembrar a amizade dos dois.  

Depois da Capela da Boa Morte, a sugestão é visitar a catacumba da Igreja, local subterrâneo que era usado como abrigo para sepultamentos. Logo na entrada, o visitante se depara com uma coleção de caixas funerárias, com resto mortais de pessoas que foram enterradas no espaço. Ao descer a escada, o clima frio e escuro dá um tom sombrio à visita. Por motivos de medo, o CORREIO preferiu não ir até o final da catacumba. Fica a sugestão para o leitor corajoso explorar o espaço.  A catacumba está aberta para os corajosos visitarem (Foto: Marina Silva/CORREIO) Sinos 

Para aliviar o clima tenso de morte, tivemos acesso a um espaço que ainda não está oficialmente aberto para visitação do público. É a torre da Igreja, onde ficam quatro sinos de bronze. Para chegar até o local, o visitante vai subir 75 degraus. Vale a pena. A vista encontrada compensa todo o possível sacrifício.  

A torre é uma estrutura em formato de cubo, com quatro janelas, cada sino em uma janela diferente. O sino maior, de 1,2 mil quilos, foi instalado no local em 1789. Ele é o único não restaurado e, portanto, permanecerá sem tocar. Na vista dele é possível enxergar a praça Terreiro de Jesus e a Catedral Basílica de Salvador.  

Também datado de 1789, o outro sino de grande porte permite que o visitante veja a Igreja do Passo e todo o Centro Histórico. O terceiro sino, de porte médio, foi instalado em 1792, e permite a vista para o Mosteiro de São Bento e a área comercial da cidade. Por fim, no último sino, de menor porte, datado de 1877, é possível enxergar o Convento do Desterro e a Arena Fonte Nova.  

Os sinos restaurados funcionam agora através de um sistema eletromagnético, que faz o instrumento se movimentar automaticamente. Graças a esse aparelho, é possível programar o horário do toque, o que vai evitar cenas como essa: 

Serviço 

Horário de funcionamento: Segunda a sexta, das 9h às 17h30. E aos sábados, das 9h às 14h.  

Horário de Missas: Toda quarta-feira, às 18h, e domingo, às 8h. Meia hora antes da Missa, os fiéis rezam a oração do terço. 

*Com orientação da editora Ana Cristina Pereira.