Saber ler e escrever era coisa de elite na Salvador histórica do século XIX

Nelson Cadena é publicitário e jornalista

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  • Nelson Cadena

Publicado em 3 de agosto de 2018 às 05:00

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Aprender a ler e escrever era, num passado remoto, um ganho e tanto e um privilégio para poucos baianos. Quem lia e escrevia era elite, com certeza. As estatísticas mostram que até o final do século XIX o índice de analfabetismo em Salvador se mantinha estável, na faixa de 90% da população. Apenas 10% sabia ler. Um quadro comparativo publicado pelo jornal Idade D’Ouro do Brasil com o objetivo de demonstrar o progresso do ensino durante a governança do Conde dos Arcos nos mostra como era pequena a oferta de aulas para os jovens. Em 1810, o efetivo era de 139 estudantes, matriculados em cursos de latim, grego, retórica, filosofia, geometria, desenho, comércio e música. Em 1817 já eram 664 alunos; as aulas régias de latim eram as mais frequentadas, com 247 inscritos. O ensino funcionava desse jeito, aprendia-se uma determinada matéria. Essa estatística correspondia às aulas régias, ou seja, à escola pública oficial, já que tínhamos outra escola, sem ônus para o estudante, mas restrita aos órfãos recolhidos no Colégio de São Joaquim, que atendia, em 1823, cerca de 60 meninos. O ensino básico era complementado com o aprendizado de ofícios mecânicos e desse estabelecimento alguns alunos eram encaminhados para a polícia, ou o exército. Existiam também os colégios particulares que ofereciam aulas de francês, inglês, primeiras letras e latim. Um dos mais conceituados era o de Eusébio Vanerio, professor e jornalista que adotou o método de ensino de Alencastre, adotado “nas nações cultas”. As chamadas primeiras letras era um nome genérico que incluía educação cívica, religião, “obediência às leis e prática das virtudes”, dentre um conceito de educação integral. Pagava-se entre 1.280 e 1.600 reis por mês. Nas escolas particulares, a carência era de aulas de história, geografia e aritmética. Na década de 1830 já eram vários os estabelecimentos de ensino na cidade: São Pedro de Alcântara, o colégio de Francisco Magliola, que oferecia aulas de primeiras letras, latim, francês, retórica, geografia, filosofia e geometria; Colégio Boa Sorte, do francês Hipólito Perrel, inaugurado em 1836, que funcionava na Rua do Maciel de Baixo 35 e teria sido o primeiro colégio particular da cidade. Perrel chegou em Salvador em 1831 e, além de seu estabelecimento de ensino pago, oferecia aulas gratuitas, na sua residência, para os pobres. Outro estabelecimento de relevo, o Liceu tinha carga horária de sete horas corridas. Hora fechada, não a hora quebrada de 45 ou 50 minutos que se convencionou a partir da segunda metade do século XX. O Colégio da Conceição, que funcionava na Rua do Pão de Ló, era outra instituição importante. Nele, o Dr. Johnatas, possivelmente Johnatas Abbod, ensinava inglês. Contávamos, ainda, com o Colégio Pedro II que admitia pensionistas e alunos de meia-pensão na sua sede da Rua do Bispo. Em 1844 surge o Colégio Francês, instalado na Rua do Areal de Baixo. Domingos da Rocha Mussurunga era o professor de primeiras letras. O diretor, um certo Jules Joly, ensinava línguas, francês e inglês e, mediante “trato”, alemão. Uma curiosidade era a ênfase do colégio em aulas de dança e música. Jules Joly também ensinava de graça, por sua conta, desde que fossem meninos órfãos acompanhados de seus protetores. E na década de 1850 surge o Colégio Todos os Santos, particular. Esses colégios, por algum motivo que não sei explicar, funcionavam de segunda a sábado, com a exceção das quintas feiras. Possivelmente seguia o padrão americano e inglês de ensino da época. Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às sextas-feiras