Salvador, meu país! Conheça os turistas que vêm pra cá há anos no Carnaval

Durante 7 dias de Carnaval, capital baiana se torna terra natal de muitos brasileiros e estrangeiros

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 22 de fevereiro de 2020 às 06:05

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

De frente para o mar, bem no meio do Circuito Dodô (Barra/Ondina), dois salões que originalmente servem a uma academia de jiu-jítsu se transformam em uma Babel de estados brasileiros. Entre as 30 pessoas, tem paraibano, paulista, sergipano, cearense, brasiliense, mato-grossense e goiano. Durante os sete dias de folia, a pátria deles e de milhares de visitantes apaixonados por essa terra é Salvador. A estimativa da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Salvador (Secult) é de que 854 mil turistas visitem Salvador durante esse período, número 7% maior que do ano passado.

O Edifício Rosalva, onde ficam os salões da academia, na Avenida Oceânica, vira o Camarote Sensação. Maria Queiroga, de 61 anos, e todos os outros 29 hóspedes, dizem se tornar baianos. No caso dela, esse é o décimo quinto Carnaval aqui. “A gente contrata uma cozinheira para fazer a comida igualzinho que vocês comem. Eu sou mais baiana do que paulista”, diz dona Maria.

Qual a razão de tanto amor? Bom, no discurso deles e de todas as outras pessoas ouvidas para essa reportagem, uma palavra está sempre presente: “energia”. “Vocês têm uma energia diferente. A Bahia e Salvador têm uma energia diferente. A gente acabou assimilando um pouco dessa energia e se tornou baiano também. Aqui a gente se sente em casa”, explica a experiente foliã.

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Mas essa energia mágica não é o único motivo que traz esses forasteiros. “É muita alegria, cultura, receptividade, brilho. A gente vira baiano da hora que a gente chega até a hora de ir embora”, emenda o paraibano Iolando Silva, 34 anos, que aprendeu várias manhas de Carnaval, inclusive de alimentação. “A primeira coisa que a gente faz aqui é comer acarajé, caranguejo e lambreta”, diz. Mas, depois de uma noite de farra, a figura muda. “Bom, aí já sabe, né? Um caldinho de sururu tira qualquer ressaca”, ensina Iolando.  

O grupo tem caneca e camisa personalizadas. A programação completa do Carnaval é impressa e colada na parede. “Cada ano é diferente. É sempre como se fosse a primeira vez. A gente constrói laços com as pessoas. A gente é apaixonado por isso aqui!”, afirma a mato-grossense Ernany Pessoa, 63 anos e sete Carnavais de Salvador no currículo. São tantos carnavais – e alguns perrengues - que eles dão aula de por onde andar, como se comportar e o que levar.

“Não dá pra sair com relógio, joias e celulares à mostra quando o trio tá passando, né? Tem horários que não é bom também ficar na rua. Também é complicado o pessoal que chega de viagem no meio da festa, com malas. Montamos todo um esquema para evitar isso, já que não chega todo mundo junto. Já tivemos pessoas assaltadas por chegarem em horário que o trio estava passando”, conta dona Maria Queiroga.

Calor de alma O casal Francisco Calio, 58 anos, e Amaury Barcella, 33, também tem uma relação íntima com o Carnaval daqui. O primeiro, arquiteto de São Paulo, vai para o seu décimo Carnaval. Cinco anos atrás, apresentou a festa para o namorado, o fotógrafo Amaury, também de São Paulo, e jamais deixaram de vir juntos. Além da tão falada “energia”, eles descrevem que o Carnaval daqui tem “um calor de alma”.

“Eu sou um festeiro nato. E baiano adora festa. Esse calor de alma é que traz a gente de volta sempre. Todos os outros Carnavais Brasil afora podem ser maravilhosos. Eu já passei no Rio e em Recife. Mas aqui tem um diferencial, essa alegria simples e original. Eu adoro a cultura, o povo solidário, que gosta de ajudar, de receber”, afirma Calio. Calio e Amaury: "Quem vem sempre retorna (Foto: Acervo Pessoal) Hospedados em um apartamento no Corredor da Vitória, foram recebidos na residência de Marilda Silva, uma empresária mineira que mora em Salvador há 40 anos. É um Carnaval bem diferente da turma da Avenida Oceânica. Eles vão sair em blocos, marcar presença em camarotes e curtir a pipoca de Pablo Vittar. Mas o amor pela festa é o mesmo. “O Carnaval na Bahia é mágico!! Quem vem uma vez sempre retorna. Você vai pra casa renovado. Cansado, mas renovado”, diz Calio.

Invasão Entre os que mais nos visitam os pernambucanos lideram o ranking (13,6%), seguidos pelos nativos de Sergipe (12,6%), São Paulo (12,1%), Rio de Janeiro (10,7%) e Ceará (9,2%). Os dados são da Secult. É quase uma invasão - eles chegam por terra, pelo ar e pelo mar.

Da sexta-feira (14) até a próxima terça-feira (25), seis navios pararam e vão atracar na capital baiana, com uma média de 16.746 passageiros. “Esse é um recorde no número de visitantes através dos cruzeiros. Isso demonstra que esse é um meio importante de visitação à cidade e de chegada de turistas", afirma o titular da Secult, Cláudio Tinoco.

A expectativa, segundo Tinoco, é que os passageiros possam viver a experiência do Carnaval, sendo fidelizados e impactados para que retornem em outros momentos e usufruam da cidade em todos os aspectos. "A gente sabe que muitos turistas que estão hospedados no próprio navio virão para consumir o conteúdo da festa, seja comprando para se divertir no bloco, camarote ou pela proximidade com o Centro Histórico e com o Circuito Osmar (Centro)”, finalizou Tinoco. A movimentação econômica turística nesta temporada deve chegar próximo a R$ 1,8 bilhão, segundo estimativas da prefeitura.

As companhias aéreas que atendem à cidade aumentaram a quantidade de voos para a capital baiana durante a folia em 11%. De 17 de fevereiro a 1º de março, serão 2.407 novos voos, segundo informações do Salvador Bahia Airport. "Isso demonstra a força do Carnaval. Esses turistas chegam para passar em média sete dias na cidade, brincam em média cinco dias nos carnavais nas ruas”, avaliou Tinoco, durante avaliação da primeira noite oficial de Carnaval, na manhã de sexta-feira (21), no Campo Grande.

Salvador real? A Salvador mágica narrada pelos forasteiros é uma Salvador real, diz o sociólogo e pós doutor em História da Ufba, Milton Moura. Porém, essas pessoas não sabem que se trata de um período do ano apenas. Claro, diz Moura, a informalidade, a hospitalidade e a alegria do baiano existem, mas nessa época ela explode de vez, por isso a sensação de “energia” ou “magia” vivida pelos turistas.

“Tem gente que vem desde a festa de Iemanjá até o Carnaval. Mesmo essas que ficam esse longo período, elas vivem a cidade de modo bem diferente do nosso cotidiano. A cidade que eles conhecem é uma cidade verdadeira, é real. A explosão de sensualidade, de muita comida, bebida e alegria é real. Não tem como não se apaixonar. Mas, ao mesmo tempo, é uma ocasião especial que não tem nos outros 11 meses”, explica.Para o historiador, mesmo os pontos negativos da cidade são vistos de forma um pouco distorcida. “A própria violência eles enxergam como eventos isolados, pontuais. Mas tudo bem. Eles não estão aqui para desenvolver a visão estrutural do lugar. Eles estão aqui para viver essa experiência. Aqui eles podem extrapolar também. Eles se sentem potencializadas pelo ambiente criado pelo Carnaval. Isso é muito legal! Mas Salvador não é isso o ano todo”, insiste.

De onde chegam os turistas que mais nos visitam no Carnaval: Pernambuco (13,6%) Sergipe (12,6%) São Paulo (12,1%) Rio de Janeiro (10,7%) Ceará (9,2%)

Fonte: (Secult) Grupo de cearenses: Isadora (no centro, de camiseta azul) veio com apenas R$ 200 para o Carnaval (Foto: Acervo Pessoal) Cearense passou carnaval inteiro com R$ 200 Era 2007 quando uma forte conexão Bahia x Ceará surgiu no Carnaval da Bahia. A assistente social Isadora Silveira Costa, 33 anos, veio de Fortaleza para curtir o seu primeiro Carnaval. Trouxe duas primas e uma amiga. “Me apaixonei de cara. Posso dizer que sou um pouco baiana”.

O fato é que, depois do primeiro Carnaval que passou em Salvador, em 2007, Isadora Costa decidiu que aqui seriam todos os outros. A questão financeira não permitiu que isso ocorresse e em três ocasiões ela não pôde vir. Mas, teve um ano que Isadora catou tudo o que tinha em casa e na conta bancária. Conseguiu comprar as passagens e brotou em Salvador com o que sobrou: R$200.

Como ela conseguiu passar o Carnaval com “duzentinho”?. Bom, entre outras coisas, até cachaça cearense ela trouxe na mala. Nesse ano, Isadora não tomou cerveja. “O fato de ter amigo em Salvador já alivia muito a parte financeira. Não pago hospedagem. Quanto à alimentação, a gente faz feira e divide com todos da casa. Naquele ano só andávamos de ônibus ou van. E, em vez de tomar cerveja na rua, trouxe minha cachaça do Ceará”, conta.

Nos anos seguintes trouxe outros amigos e amigas e cada vez mais o grupo foi crescendo. Todo mundo fica hospedado na casa de um baiano, em Brotas. Dez Carnavais depois, o amor pela folia se confunde com o amor entre os membros do grupo. “A casa já recebeu até 14 pessoas. É uma conexão inexplicável. Aliás, a explicação é justamente o Carnaval, que todos os anos reafirma e reforça essa amizade”, destaca Isadora. No final das contas, diz Isadora, o que tanto atrai ela para a Bahia são as resenhas.

Como se trata de algo difícil de explicar, melhor que ela mesmo faça seu relato: 

“É sempre uma resenha, desde o dia de comprar as passagens, passando por organização da casa, fazer feira. E tudo que a mistura de cearenses com baianos confinados por dias numa casa pode proporcionar. Imagine?! Já teve ano de não ter lugar pra todo mundo dormir, ano que acabou a água, que a gente conseguiu abadá pra todo mundo ir num bloco, briga de casais, casamento durante o Carnaval, amigo que ficou com travesti achando que era mulher (até hoje jura que não), amiga esquecendo a outra no ambulatório do camarote, gente dormindo na calçada porque ninguém ouviu chamando pra abrir a porta.

Teve o ano que choveu muito e nenhum táxi queria fazer a corrida porque estávamos todos molhados. A gente voltou quase metade do caminho andando e a outra metade num carro alternativo pra lá de suspeito, teve gente chegando de moto-táxi puto da vida, mas no outro dia estava todo mundo lá, dando risada da situação. Teve gente perdendo e achando a carteira com documentos na Pipoca de Saulo, por falar nisso, uma unanimidade no grupo. Tem os que amam Bell e os que nem tanto, os que gostam do camarote e os que gostam da rua, tem ainda os que acabam curtindo mais em casa.

Ah! E teve beijo, muito beijo em plena rua. E haja colar de Gandhy! Sempre me perguntam porque eu gosto tanto da Bahia, de Salvador e de seu Carnaval. Eu já parei para refletir e sempre surge o seguinte: o grupo de amigos, o que toca no Carnaval, o quão eclético é, a possibilidade de estar na rua e todas as passagens incríveis e únicas que isso proporciona, a forma como a história e a cultura se expressam durante esse período, o sotaque, o(a) baiano(a). Ah, isso é uma personalidade à parte, que as vezes fala e acho que tá brigando, que fica íntimo assim que conhece já lhe chamando pelo apelido. Eu poderia falar mil coisas, mas o que eu sinto definitivamente não consigo expressar em palavras. É sempre motivo de emoção, sou uma verdadeira entusiasta dessa festa”.

*Colaborou Bruno Wendel

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